segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cancionero rojo (Argentina)

Foto: divulgação

70 minutos

70 minutos de espetáculo: em 50, você ri até chorar; em 20, você chora até sorrir. Um dos melhores espetáculos a que já assisti nesse 17º Porto Alegre em Cena, e já foram onze, tem o palco limpo, dois atores e uma luz pontual.Cancionero rojo usa uma trilha sonora simples, figurinos bastante austeros e a gente tem vontade de ver várias vezes. Dois clowns brincam. Brincam de serem crianças, brincam de serem adultos, brincam de atravessar o tempo e visitar lugares, brincam de conversar com Deus e de fazer neném. Com um giz, fazem figuras no próprio corpo e em suas maletas negras e enternecem o público que lhes assistiu, atento a cada movimento.

Acho incrível a experiência de, sentado ao meu computador, tentar lembrar de como a peça começou e, simplesmente, não me lembrar. Não sei onde, em que ponto da narrativa, a história fisga o espectador e, provavelmente esse ponto varia em cada um que estava lá nas apresentações do Festival. Os personagens, concluo, se misturam às carnes humanas da realidade e se tornam vivos dentre nós de forma muito sutil. A história passa a ser nossa, porque não se consegue mais viver plenamente a nossa, mas contemplá-la. Nossas emoções se purgam em Aristóteles, a vida se renova em Cancionero rojo.

Há uma situação de limite entre imaginação e ficção do ponto de vista do personagem. Ele está dentro de um barco ou está fazendo de conta que está num barco? O espectador vê o personagem num barco ou o vê fazer de conta que está num barco? Na verdade, quem viu viu apenas os atores e nenhum barco. Mas a questão é esse lugar de dúvida em que não sabemos ao certo se confiamos no personagem que vê ou no personagem que faz de conta que vê. O mais importante é que confiamos no personagem.

A dupla de atores, Lila Monti (Una) e Dario Levin (Neto), conduzem suas construções com seriedade, integridade e prazer. Nenhum movimento é desperdiçado, nem gesto algum é perdido. O ritmo é rápido e o improviso é imediatamente incluído à narrativa por mãos experientes. Cantam, dançam, esticam-se como quem mostra orgulhosamente que dedicou a sua vida a essa arte de encantar, de emocionar, de oferecer momentos de alegria e purgação a quem os vê. Sai-se do teatro como quem assistiu ao grande teatro. E, de fato, nele havia dois atores em 70 minutos. Só.

* Texto escrito em setembro de 2010 por ocasião do 17º Porto Alegre em Cena.

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