domingo, 23 de outubro de 2011

A mar aberto (RN)


Foto: Canindé Soares

Me ensina a fazer tarrafa?

O Capitão chega para o Seu Zé Tarrafeiro e pede que lhe ensine a fazer tarrafas visto que não voltará ao mar. “A mar aberto” conta o que aconteceu no mar que fez com que, do capitão, apenas sua rede fosse se banhar.

Eu agradeço a oportunidade do Coletivo de Atores à Deriva, do Rio Grande do Norte, para refletir sobre o meu blog, que completa nesse mês um ano e dez mil acessos. Um dia, numa Oficina da Maria Lucia Raimundo e num ensaio de Bailei na Curva, senti que preferia olhar o mar ao invés de me aventurar nele. Teatro quer mesmo dizer “Lugar de onde se vê” e, na platéia, ninguém pode me dizer que eu não faço teatro. Apenas, enquanto sentado na poltrona do Câmara, não divido com ninguém os instrumentos para a construção do espetáculo, recebendo-os apenas. São os atores e, antes deles, a concepção quem mos dá. E, no caso “A mar aberto”, recebo com muito carinho cada divisão só porque é com muito carinho que me é dada.

Antes de começar, todas as luzes são apagadas. Todas: escuridão total. Hora de desligar as “lamparinas do juízo” para a história que começa. Você pode sonhar de olhos abertos, mas, quando fechados, seus olhos vêem apenas você mesmo. Quando se dá o início, é você quem está construindo o espetáculo, embora no caso dessa produção dramática em-tudo-aquilo-que-se-possa-dizer-sobre-drama, o espectador seja embalado num berço bem seguro.

Henrique Fontes, que assina como dramaturgo e encenador, ocupa o espaço e o tempo da narrativa propondo uma coleção de signos que celebram o teatro, engrandecendo-o. Há um tempo atrás, numa outra crítica, falei sobre o que é teatro e o que não é teatro. Longe de chegar perto do esgotamento dessa discussão sem fim, em “A mar aberto” estão dispostas várias questões que podem trazer luz a essa reflexão. Fontes usa da linguagem teatral para tornar teatral ações e objetos existentes fora do universo fictício-narrativo.

Cordas caem do teto, duas caixas, uma placa isopor, roupas rasgadas e cabelos desgrenhados. Com a boca e as mãos, os atores produzem sons que marcam o ritmo, colorem a cena. Refletores iluminam partes e nunca o todo do palco: cada espaço é marcado no tempo como um momento que se relaciona a outros. Os cinco homens se movimentam em harmonia: passado e presente, barco e terra, sonho e realidade. Os tons das vozes, o olhar pontual, a boca de cada um compõe um desenho em que tudo encontra lugar nesse carro que carrega o sentido, que nos embala como disse acima. O resultado é a paralisação: ficamos tomados pela história bem contada.

Para mim, teatro é sempre sinônimo de homenagem. Você não está saindo de casa para ver um quadro, nem ligando um rádio do carro para ouvir uma música, ou acertando o microondas e escolhendo a legenda antes de assistir ao filme. O que há de teatral num concerto musical, num espetáculo de dança e numa peça é justamente a presença de seres humanos, tais quais os que se sentam na platéia, produzindo sementes de imaginação no palco. Quem apenas vê pegou guarda chuva, enfrentou fila, marcou encontro para assistir quem não só vê, mas faz. Quem apenas vê faz tarrafa para os pescadores que se aventuram no mar, trazendo de lá alimento para os daqui.

“A mar aberto”, reconhecendo o trocadilho com o “Amar aberto”, merece a homenagem que o público que lhe faz. Aproximando os dois Rios Grandes, um dos atores se despede de todo mundo e de uma forma enternecedora dá boa noite inclusive para os técnicos. Após ver bolinhas de gude caindo do céu, mudanças de planos que beliscam o cinema (e Dias Gomes), um tom de voz que lembra o bom Riobaldo de Guimarães Rosa, escrever sobre isso tudo é um privilégio.

No mar, os peixes não são vistos, não têm nome, não têm espécie. Quando a tarrafa é jogada e alguns deles vêm à superfície, o tarrafeiro, novo ou velho, se contenta.

De tão contente que está, escreve.

*

Ficha técnica:
Texto e encenação: Henrique Fontes
Elenco: Alex Cordeiro, Bruno Coringa, Doc Câmara, Paulo Lima, João Victor
Direção e preparação musical: Danúbio Gomes
Cenário e figurinos: Thiago Vieira
Iluminação: Daniel Rocha
Produção: Cristina Simon

*Texto escrito em setembro de 2009 por ocasião do 16º Porto Alegre em Cena

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