segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas (PE)

Foto: Priscilla Buhr

O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas

Talvez uma das contribuições estéticas mais interessantes do chamado circo-teatro seja a aproximação do melodrama (filho) à farsa (pai) em objetos (peças teatrais que atualizam o gênero) que manifestam toda uma gama de ações consideradas parte do que conhecemos como cultura brasileira. Tem teatro? Tem, sim, senhor! Tem palhaços? Tem, sim, senhor! Tem músicas, colorido, ironia, perversão? Tem, sim, senhor! O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas vai começar: uma comédia simples, sem pretensões e que ganha a plateia logo de início.

Produzido pela Trupe Ensaia Aqui e Acolá (Recife/PE), o espetáculo começa com a apresentação dos atores e os personagens que esses interpretarão ao longo da encenação. Há também o oferecimento da apresentação para alguém em especial na plateia: a peça acontecerá numa semi-arena, mas se estenderá além desse círculo, no meio do público (sem que haja a participação desse na narrativa), no espaço ocupado pela plateia. O abrir e fechar de cortinas faz parte do relato da história, uma vez que o pano é integrante do cenário, funcionando, em alguns momentos, como base para o teatro de sombras.

A dramaturgia foi composta a partir do romance A emparedada da Rua Nova, de João Maria Carneiro Vilela (Recife, 1846-1913) e viabilizada cenicamente pelo Prêmio Miriam Muniz de Incentivo às Artes Cênicas. O diretor Jorge de Paula, que interpreta o personagem “Pai”, uma das melhores construções em cena, lidera a equipe nesse projeto que nasceu entre ex-alunos do professor-pesquisador Marco Camarotti (1947-2004), hoje nome de um teatro na capital pernambucana, que tinha como ideal a valorização, através da produção de espetáculos, gêneros teatrais marginalizados, tais como: o teatro para a infância e juventude, o teatro folclórico e, como no caso dessa peça, o circo-teatro. A história de uma menina que é emparedada (“enterrrada” em uma construção de tijolos vertical) ganha cores do universo kitsch (músicas dubladas e coreografadas com inspiração, entre outras fontes, no programa oitentista Qual é a música?, do SBT), maquiagens, figurinos e cenários que lembram o circo e uma encenação irônica que lembra a velha e boa farsa popular. A narrativa, bem definida em todos os seus termos e disposta de forma ascendente até o ápice, é um exemplo de melodrama clássico em que os personagens são bastante bem definidos, os locais e tempos não deixam dúvidas ao espectador e tudo é bastante confortável à fruição. O riso vem fácil na audiência desse espetáculo que participa do 18º Porto Alegre em Cena.

Iara Campos, que interpreta a “Emparedada”, oferece a melhor construção em cena. Seus movimentos parecem ser naturais nesse universo narrativo verossímil, os gestos são limpos, a dicção é bastante clara e as intenções são propostas com manifesta segurança. Momentos tão bons como esses se repetem em Jorge de Paula, mas poderiam acontecer mais em Marcelo Oliveira, que, em quase todas as suas aparições, não consegue estabelecer um foco para o espectador quando dispersa o seu próprio olhar por sobre a plateia. Andréa Rosa, que interpreta a “Escrava”, é a construção com menos possibilidades oferecidas pela dramaturgia. Por algum motivo infeliz, a personagem se dá a ver quase sempre atrás da cortina, na execução do recurso “teatro de sombras”, o que impede a atriz de mostrar mais do seu trabalho. Como um todo, o elenco é afinado, sendo parte responsável pelos melhores momentos da qualificada representação.

O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, do início ao fim, faz e assegura pontes com a plateia, garantindo ao espectador momentos de muito prazer: o texto bem dirigido e conduzido com muitos méritos, a trilha sonora escolhida, distribuída e interpretada ao bom serviço da narrativa, os elementos visuais dispostos em equânime exagero: tudo isso são as garantias oferecidas de um ótimo divertimento, além de ser, claro, valorosa atualização de um gênero, talvez, nem tão esquecido, mas que, com certeza, merece mais boas versões como é o caso aqui.

* Texto escrito em setembro de 2011 por ocasião do 18º Porto Alegre em Cena.

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