segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por tu padre (Argentina)

Foto: Mariano Czarnobai / PMPA

Humano

Todos temos pai, uma figura masculina que preencheu esse lugar na nossa infância. E todos tivemos a infância, lugar onde nosso caráter teve suas bases construídas. Por tu padre: dois atores, uma mão de personagens, um banco. E um dos espetáculos mais bonitos do 17º Porto Alegre em Cena.
Um homem de meia idade e um senhor discutem sobre família. Um talvez seja o verdadeiro pai biológico do outro. A discussão acontece na porta de uma capela: um outro senhor está sendo velado. Num primeiro momento, é o pai. Noutro, é o pai biológico. Em todos, há um filho, a lente pela qual o espectador entra na peça. Nem todos temos ou teremos filhos.

Construído por Adrián Navarro, o personagem do filho, mostra ser frágil como uma criança, embora já tenha quarenta anos. A partir de seu discurso, vamos tendo respostas claras ao que já se havia pressentido. Houve muito de não resolvido no passado desse homem que, agora, encontra-se em frente a si mesmo diante do pai verdadeiro e não. Como alguém que observa e purga suas emoções, o público assiste às excelentes interpretações de Navarro e, também, de Federico Luppi, que faz os dois personagens mais velhos, além do capelão. O tom é realista, os tempos são facilmente identificados como próximos ao real, as falas servem ao texto e a movimentação é discreta. O teatro, nesta montagem, acontece por dentro: nos personagens, na relação entre eles, na catarse da assistência.

Dib Carneiro Netto, o autor, trata de sedução, de perdão, de confiança. A excelência do diálogo explora as cores diversas da relação entre pais e filhos, entre homens e mulheres, cônjuges, companheiros, parceiros. Esse é um mundo em que, se quiser, você pode viver sozinho, mas é muito melhor viver acompanhado. Na plateia, surgem lágrimas, lembranças, sorrisos. A peça causa impacto em quem a assiste porque transporta para um lugar outro, um nó perdido nas vidas sentadas. A encenação de Miguel Cavia serve ao texto, reconhecendo sua importância. A capela ao fundo, grandiosa, sugere a pequenez de quem está a sua frente. Os figurinos são pálidos, sutis. Nada é exagerado.

O personagem de Navarro chora quase o tempo inteiro, gritando irado em alguns momentos, intimidando-se em outros. Considerando que é seu pai quem está sendo velado, nada fica demais. Luppi dá aos seus personagens a verdade de alguém que já viveu e que ensina naturalmente, sem a empolação de um professor. A iluminação não marca onde apareceria, a trilha sonora não se ouve nos momentos em que não deve ser ouvida. Trovões e orações são detalhes ao fundo, assim como um ou outro foco que realça o lugar discursivo de um personagem.

Por tu padre vai e deixa o que produziu pensar. Um dia também irá meu pai e também irei eu. E, nisso, o teatro é muito humano.

* Texto escrito em setembro de 2010 por ocasião do 17º Porto Alegre em Cena.

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