segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tobari (Japão)

Foto: divulgação

O meio

Um espetáculo como Tobari, do grupo japonêsSankai Juku(fundado em 1975 por Ushio Amagatsu) tem sete atos que se apresentam para recriar o ciclo do dia do anoitecer ao amanhecer, ou da vida do nascimento até a morte. Pode também ser da criação do universo, do início de um relacionamento e seu fim, a abertura de um projeto até a sua realização, a saída de casa e a chegada ao trabalho, um tic e um tac. Ao espectador do teatro Butô, um gênero que nasce na passagem dos anos 50 para os 60 naquele Japão destruído no pós-guerra, fica o jeito alternativo de dizer o já tantas vezes dito. O novo aqui não está no conteúdo, mas é uma nova oportunidade para nos darmos conta do que, talvez, ainda não nos apercebemos: o dia tem que nascer. E nasce sempre: é só esperar.

É lento. É pesado. É desgastante. Não é para quem espera ver saltos, fumaças e emoções fortes, mas para quem abdica disso tudo para apenas esperar. Os movimentos são precisos e carregados de energia, essa intensa, organizada, potente. Cada gesto é preciso: um presente do 17º Porto Alegre em Cena a todos nós. É para quem sabe sentar e olhar as rugas, as texturas, as dobras e amá-las com a paixão de quem descobre no dia a dia a beleza da novidade já velha.

Tobari é tanto uma cortina como a passagem do dia pra noite e da noite pro dia. Tobari é um intervalo curto em que o sol se põe no Guaíba e as pessoas aplaudem junto de seu chimarrão e de sua Selma. Sankai Juku distende o instante sem perder-lhe o brilho.

Sempre penso que o bom não é estar muito feliz, nem estar muito triste, mas o equilíbrio. O meio-dia me cansa de calor e de fome e a meia-noite me enerva na decisão sobre sair ou dormir. Os meios, embora menos intensos por natureza, são mais constantes e seguros. E é possível encontrar neles novidades motivadoras para os extremos que se aproximam sempre cheios de êxtases criativos.

Assim, é esse espetáculo: oito atores, entre eles o próprio diretor num solo pra lá de especial em que ele grita mudamente como um primeiro raio de sol gritaria diante do seu medo de tornar-se dia. As composições horizontais me dizem sobre as primeiras estrelas e a luz dourada do alvorecer enquanto conteúdo. E, enquanto forma, me apontam a quase inexistência de monólogos, o apagamento do sujeito, o homem enquanto ser que se repete nas horas que são sempre as mesmas, mas, mesmo assim, não podem ser desprezadas. A areia sobe e ocupa o lugar do calor e do frio que se espalha diante da vinda do sol ou da noite. O figurino que esconde o indíviduo e faz ver a natureza.

Tobari é um daqueles espetáculos que nos faz orgulhosos de pertencer a um grupo de pessoas seleto que tem a oportunidade e a graça de refletir sobre essas propostas. Não é permitido fotografar, nem filmar e silêncio (que deveria impedir até mesmo de tossir) é fundamental. E tudo isso para quê? Para que seja preservada a intimidade do espectador e dos oito bailarinos, do homem que assiste ao homem, do Brasil que ouve o Japão, na noite que ouve o dia. Um presente que há.

*
Ficha Técnica:
Estreia Mundial em 2008 – Théâtre de La Ville / Paris
Direção, Coreografia e concepção - Ushio Amagatsu
Música composta por Takashi Kako, YAS-KAS, Yochiro Yoshikawa

Elenco:
Ushio Amagatsu
Semimaru
Sho Takeuchi
Akihito Ichihara
Ichiro Hasegawa
Dai Matsuoka
Nobuyoshi Asai
Norihito Ishi

Direção tecnica: Kazuhiko Nakahara
Iluminação: Genta Iwamura
Chefe de palco: Tsubasa Yamashita
Som: Akira Aikawa

Co-produção:
• Théâtre de la Ville Paris, France,
• Kitakyushu Performing Arts Center, Fukuoka Pref. Japon
• Sankai Juku, Tokyo, Japon

Turnê brasileira realizada com com a ajuda da ACA (Agency for Cultural Affairs), governo do Japão - 2010
O Sankai Juku conta com o apoio da Shiseido.


* Texto escrito em setembro de 2010 por ocasião do 17º Porto Alegre em Cena.

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