domingo, 20 de novembro de 2011

Pra Nhá Terra (MG)




Foto: Kika Antunes

Cats brasileiro

Musical é o gênero cênico narrativo mais difícil de se manifestar em todos os seus potenciais aspectos em termos de produção cênica. Seus entraves não são de ordem da estética, mas daquilo que dá a ver a estética, ou seja, a questão técnica: bons atores, bons músicos, bons atores, bons bailarinos, cenários, figurinos, maquiagem, iluminação de primeira linha. O que se conhece por musical hoje foi cristalizado em “Show Boat”, espetáculo de Florenz Zigfield, na Broadway de 1927. Por musical se entende um espetáculo que é um misto de quatro outros gêneros: o vaudeville norte-americano (o espetáculo burlesco), a extravaganza, a revista e a opereta. “Pra Nhá Terra”, novo espetáculo do grupo mineiro Ponto de Partida, é um exemplo de musical da melhor qualidade porque herda do primeiro a união de diferentes habilidades em um só engendramento objetivo: há quem saiba dançar, há quem jogue capoeira, há quem mobilize bastões, há quem toque instrumentos e todos cantam excelentemente bem. Com cinqüenta pessoas no elenco, a produção herda do segundo gênero citado a grandiosidade em que cada cena se torna um cenário pela movimentação dos artistas no palco, pela beleza dos figurinos e da maquiagem de Alexandre Rousset e Tereza Bruzzi, pelo especial uso dos recursos de iluminação de Jorginho de Carvalho. O teatro de revista empresta a comicidade, a leveza, a crítica aos costumes, no caso, os malefícios da desatenção às questões relacionadas ao meio-ambiente. E a opereta trouxe a beleza das composições de Pablo Bertola, Lido Loschi, Júlia Medeiros e Leandro Aguiar e perfeita execução ao vivo das canções que, nesse espetáculo, são trinta e duas dirigidas por Gilvan de Oliveira. O resultado são oitenta minutos de assistência de uma obra que nos faz orgulhar de sermos brasileiros, de estarmos vivos e diante de tão valorosa obra estética.

Ponto de Partida se une ao Grupo Meninos de Araçuaí e apresenta um espetáculo que parte dos poemas de Manuel de Barros (Cuibá/MT, 1916), um dos mais importantes poetas vivos da nossa literatura. Embrenhados na mata, um grupo de pesquisadores encontra-se com os guardiões da natureza que estão empenhados em fazer voltar ao trabalho o Tatu, fiel escudeiro da Nhá Terra, a mãe dos seres vivos, também triste por tantos maus tratos. Cada um, então, começa a participar da construção de uma lista de coisas belas que a natureza oferece. Essa lista será ofertada ao Tatu, jururu em seu buraco. Nesse sentido, a dramaturgia da também diretora do grupo e do espetáculo Regina Bertola faz a produção ficar longe dos pesados espetáculos sobre o meio-ambiente em que, ou necessitam de um interlocutor desqualificado, ou negativizam o tema por tratarem dele de forma moralista, retrógrada, chata, obsoleta. “Pra Nhá Terra” vai direto ao coração, mas faz a emoção transbordar à mente que, essa sim, percebe as árvores, o ar puro, os rios, os pássaros já na saída do teatro, na volta para casa, na vida que segue além da fruição da peça. Na apresentação no Theatro São Pedro (Porto Alegre/RS), qual morador do Rio Grande do Sul não foi pego pela canção “Ipê Amarelo”, esse tão lindamente florido em todos os parques da capital do Estado e em vários dos seus pontos? Quando o texto fala em plantações de girassóis, como não lembrar da paisagem amarela do planalto rio-grandense perto da cidade de Santa Rosa que margeia as estradas para os Sete Povos das Missões? Em cada região do país, e também do mundo, onde o grupo tem se apresentado, as palavras do poeta e dos artistas têm feito o mundo parecer melhor e consideravelmente menor, o que, de fato, faz com que nos sintamos mais responsáveis por ele e, consequentemente, com desafios mais palpáveis e convidativos.

Dramaturgia simples, figurinos leves, cenário maleável, a concentração de “Pra Nhá Terra” está nas canções como também acontece em “Cats” (de Andrew Lloyd Weber), um dos espetáculos de teatro musical mais conhecidos da história do teatro contemporâneo, produzindo uma verdadeira “festa sincera na alma dos seres”. Sobre esse sentimento, não é a toa que “Edelweiss”, música composta para o espetáculo “The Sound of Music” (Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II) se tornou, ao longo dos anos, um hino austríaco e “Do you hear the people sing?”, de “Les Miserables” (Claude-Michel Schömberg, Alan Boublil e Herber Kretzmer), tem sido cantada por manifestantes patrióticos em seus protestos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos nas últimas décadas. Quando encontra um objeto que o manifesta no melhor da sua plenitude, o musical, enquanto gênero, une a assistência e, nesse caso, o país: mineiros e gaúchos, negros e brancos, seres alados e humanos, gerações muitas, atores, músicos e simples plateias. Todos filhos da Mãe Terra e, por isso, responsáveis pela volta do Tatu.

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Ficha Técnica
Concepção: Ponto de Partida
Dramaturgia e Direção Geral: Regina Bertola
Assistente de direção: João Melo
Texto: Manoel de Barros e Ponto de Partida
Manifesto de Nhá Terra: Regina Bertola
Músicas originais: Pablo Bertola, Lido Loschi, Júlia Medeiros e Leandro Aguiar
Direção musical e Arranjos: Gilvan de Oliveira
Preparação vocal: Babaya
Iluminação: Jorginho de Carvalho
Assistente de iluminação e Operação: Rony Rodrigues
Cenário: João Melo, Lido Loschi, Lourdes Araújo
Equipe de cenário: João Melo, Lido Loschi, Lourdes Araújo, Renato Neves e Ronaldo Pereira
Construção do cenário: Sergio Barbosa
Consultoria e tratamento dos bambus: Lúcio Ventania - Bancruz
Figurino: Alexandre Rousset e Tereza Bruzzi
Assistente de figurino: Beth Carvalho
Confecção de adereços: Ana Vaz, Fábio Rodrigues, Renata Cabrall, Sâmara Evangelista e Sarah Miller
Confecção dos figurinos: Vera Viol
Equipe de produção: Fátima Jorge e Júlia Medeiros
Produção executiva: Eloíza Mendes e Soraia Moraes
Administração: Fernanda Fróes
Patrocínio: Natura
Parceria: Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento - CPCD
Produção e realização: Grupo Ponto de Partida

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