quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Mão na Luva (RJ)

 Foto: divulgação

Para onde levam as discussões?

“Mão na Luva”, de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), foi finalizado em 27 de julho de 1966 ainda como “Corpo a Corpo”, que dá nome também a um outro texto do mesmo autor. O título oficial foi dado pelo diretor Aderbal Freire Filho na ocasião da sua primeira montagem, 18 anos depois, quando o texto foi encontrado pela viúva do dramaturgo. O engavetamento tem sentidos possíveis. Vianninha era um autor engajado politicamente, de mesma cepa que Plínio Marcos, e “Mão na Luva” trata, em linhas superficiais, de um casal (“Ele” e “Ela”) que, depois de nove anos, se separa. Além disso, logo depois de tê-lo escrito, Vianninha foi trabalhar na TV Globo e “Lúcio Paulo”, o personagem marido de “Sílvia”, vive justamente o conflito de vender-se ou não para quem não concorda, entregar-se ou não ao sistema. Com uma desordem cronológica em que o presente da discussão se mistura com as lembranças do passado de ambos, homem e mulher trazem à tona as suas inseguranças, os seus medos, as suas frustrações. “Mão na Luva” pode decepcionar quem vai esperando o mesmo tom de “Rasga Coração” e outros textos de cunho ideológico, mas oferece, para os mais atentos, a questão política como pano de fundo para um debate sobre a vida a dois. Essa é, aliás, uma de suas maiores belezas.

Dirigida por Rubens Camelo, que recentemente assinou “Navalha na Carne”, a peça coloca o espectador no mesmo lugar realista naturalista de Plínio Marcos, embora não seja esse o gênero que melhor propicie uma leitura para esta obra de Vianinha. Se Neusa Sueli, Vado e Veludo não possam ser entendidos como livres de sua natureza e responsáveis por seus atos, se o sufocamento lá é essencial para a fruição do ecossistema dramático (o puteiro), aqui a trama, um drama de costumes, é justamente construída por personagens diante de encruzilhadas: separar ou permanecer junto? Vender-se ao sistema ou permanecer fiel às convicções ideológicas? A prejudicial ausência de distanciamento, opção estética de Camelo, faz com que as cores aumentem de tamanho, os animais fiquem mais ferozes, os traumas sejam mais tensos. Nesta encenação de “Mão na Luva”, fazem falta o distanciamento (o público lê os personagens de fora da situação) e a quarta parede (grande número de marcas cênico-narrativas que fazem com que o público sinta-se como voyer e não como testemunha), dois instrumentos necessários para a catarse através da qual a assistência seja mais positiva. Há que se dizer, no entanto, que o espaço da Galeria de Daniel Senise garante uma boa narração. É amplo e cheio de possibilidades espaço-cênicas que foram de forma rica e inteligente bem aproveitadas por Jorge de Tharso Ramos, que assina a direção de arte. Os quadros na parede, o carpete vermelho, os móveis pesados, a luz pontual de Paulo Denizot com fontes específicas, a escolha pelos tons escuros para os figurinos, enfim, tudo é coerente com os personagens e com a narrativa apresentada por eles: a) Sílvia é artista plástica e Lúcio escreve sobre arte; b) a cena acontece na madrugada, enquanto as crianças dormem.

A dinâmica estabelecida por Camelo na composição dos personagens e na sua contracenação é bastante interessante. Os pontos nervosos dos personagens são opostos: enquanto Marta Paret deixa ver uma Sílvia que não consegue relaxar os ombros, está nos pés de Isaac Bernat a insegurança de Lúcio Paulo. O jogo permite, então, pensar que o chão em que o homem pisa é quente na mesma medida em que fervente está o ar que a mulher respira. E ambos clamam por alívio, um descanso que talvez só seja encontrado fora dessa situação. Os movimentos são certeiros: nenhum gesto é irresponsavelmente desperdiçado, o que é bastante positivo, considerando o fato de que está nesses personagens a responsabilidade única por seus destinos. Os olhares exibem um estudo da cena e a relação proxêmica (distância de um ator para o outro) providencia um dos poucos ganhos em relação ao ritmo da encenação.

É, pois, o ritmo o maior de todos os problemas de “Mão na Luva”. Sem uma dosagem de tons, a encenação passa a ter apenas duas intensidades: baixa, quando a conversa é amena, e alta, quando eles brigam. Uma vez que o texto se alonga na sucessão dos momentos conversa-briga, o espectador tem dificuldades de que se encontrar aprofundando as relações percebidas e tem a sua disposição meios de pensar que, nos primeiros vinte minutos, já viu tudo o que tinha para ver. Em outras palavras, se os gritos da primeira discussão são iguais aos da última, qual é a novidade/importância desta em relação a primeira? Se a encenação circular é benéfica no realismo naturalismo de Plínio Marcos, em que a base conceitual é a auto-preservação pela reciclagem das relações, aqui, neste específico texto de Vianninha, a evolução é aspecto positivo que pouco se encontra na encenação proposta por Camelo.

Com belas, boas e elogiáveis interpretações e uma direção de arte valorosa, “Mão na Luva”, como está, só perde por ratificar a tese nem sempre verdadeira de que discussões não levam a nada. E, nesse caso, muito pouco.



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Ficha técnica:
Texto: Oduvaldo Vianna Filho
Elenco: Isaac Bernat e Marta Paret
Direção: Rubens Camelo
Direção de Arte: Jorge de Tharso Ramos
Iluminação: Paulo Denizot
Diretor Assistente: Rodrigo Hinrichsen
Cenotécnicos: Leandro Ribeiro e Carlos Augosto Campos
Contrarregra: Washington Marques
Direção de Produção: Marcelo Cabanas
Produção Executiva: Camila Martins e André Rocha
Assistente de Produção: Marcela Cavalcanti
Produtoras Associadas: Sete Sóis Produções Artísticas e Bateia Cultura
Realização: Sete Sóis Produções

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