terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Chagall (RJ)

Foto: divulgação

Cor e história

                Muito bem escrito por Eduardo Rieche, “Chagall - O poeta com asas de pintor” é um espetáculo musical infantil que, entre muitos méritos, está a sua proposta concretizada de homenagear o pintor Mark Chagall, contando parte de sua vida. Em termos de sua espetacularidade cênica, a mobilização dos signos visuais e o enlaçamento deles com as possibilidades cênicas produz uma obra de grande valor que encanta as crianças e diverte também o público adulto.
                O maior acerto de Rieche (também autor do elogiado “Oui, oui – A França é aqui”) está no recorte. Mark Chagall (1887-1985) viveu 97 anos. Uma vida centenária oferece a um pesquisador de sua obra muitas possibilidades e optar por umas, muitas vezes, significa abdicar de outras. A escolha aqui foi providenciar um olhar do teatro por sobre o pintor. Redonda e, por isso, adequada pela segurança que a opção propicia, a narrativa começa com personagens de pinturas de Chagall, conversando a respeito do seu criador, e também terminará com eles, agradecendo por tê-los dado vida em suas cores. Assim, o espectador tem possibilidades de saber quem está olhando para o artista que viveu além da sua representação agora teatral e encontra nessa informação campo propício para fazer as relações de que, nós, os adultos, precisamos para analisar a obra como um todo. Os personagens são leves, ágeis e sua superficialidade é bastante positiva porque permite rápidas identificações: o pai é pai, a mãe é mãe, os colegas de escola são os colegas de escola. Mark Chagall nasce Moyshe Segal numa cidade da Bielorrússia chamada Vitebsk (A Bielorrússia é um país independente do leste europeu, cuja capital é Minsk. Ao contrário do que se pensa, ela nunca pertenceu à Rússia, embora tenha sido parte da União Soviética entre 1939 e 1990.), essa dominada em parte pelo povo judeu. A família do futuro pintor era pobre e o conflito inicial é alimentar o talento artístico do menino gago versus a necessidade de trabalhar diariamente para garantir o próprio sustento numa família de gente bastante simples. A evolução da narrativa segue o rumo tradicional sem medo de errar: os obstáculos vão sendo vencidos até que, depois de ir e voltar de Paris, o jovem pintor se encontra com o teatro e com a fama enquanto artista plástico.
                Dirigidos por João Batista, o elenco está bastante coeso, de forma que não há grandes destaques nem positivos, nem negativos. Certamente que as figuras do protagonista (João Velho) e de sua mãe (Sônia Praça) chamam a atenção pelas forças de seus personagens em relação ao enredo, mas há que se fazer justiça ao dizer que, visualmente também o Bode (Sérgio Kauffmann) e Bella (Cristina Lago), sua namorada, são bastante fortes pelas relações que ambos mantém com os quadros parcialmente expostos em cena. Em todos os intérpretes, a dicção é perfeita e os movimentos são ágeis e claros de forma que, nesse quesito, nada deixa a desejar.
                Os figurinos de Mauro Leite e a pontualidade da iluminação de Renato Machado são elementos cuja beleza é impar. Além de evidenciar a importância da cor para a obra de Chagall, embelezam, enaltecem e são úteis à narrativa, propiciando momentos de deleite ao público de todas idades. As músicas, a criação musical é de Marcelo Alonso Neves, tantas vezes já elogiado por seus trabalhos (“Amor Confesso”, “Emilinha & Marlene”, “As Conchambranças de Quaderna”, ...) são vibrantes, bem interpretadas e coerentes com a proposta estética, vinculando o pintor à sua origem eslava, essa, também, tema de muitas das obras do referido artista. Nos elementos estéticos, as projeções bem postas garantem o lugar da obra original na obra simbólica, estabelecendo a ponte entre o Chagall personagem e o Chagall artista, cujos quadros existem e merecem apreciação. O único porém é o cenário de Dóris Rollemberg que, sem justificativas, posicionou um trilho circular no centro no palco que atrapalha o movimento dos atores (no público, fica a sensação de que, a qualquer momento, alguém vai tropeçar no maquinário), é pouquíssimas vezes mal usado e faz apenas distante relação com o painel também circular na rotunda, em que são feitas as projeções, de forma que não favorece a produção.
                Carece a direção de Batista de cenas mais ilustrativas que equilibrem a narrativa cênica,deixando os momentos finais tão bons como o início do espetáculo. Em teatro, ilustrar é redundar e o público infantil poderia se sentir mais agradecido por isso, uma vez que, por motivos óbvios, relações temporais (troca de séculos, primeira guerra mundial, revolução russa,...), geográficas (sai de Vitebsk e vai pra Paris e, em algum momento, para a Alemanha) e da ordem dos valores capitais (ser convidado para uma exposição em Berlim é sinônimo de sucesso profissional) lhes faltem. “Chagall” se torna um espetáculo mais difícil no final do que mostrou ser no início, prevalecendo felizmente, cenas marcantes como a pintura do quadro de Bella, o casamento (em que há uma noiva de véu branco) e a supervisão do oficial socialista (um homem de uniforme marchando). Felizmente, o final enternecedor acontece, garantindo os merecidos aplausos ao sucesso do pintor de Vitebsk, por ter vencido as dificuldades que a vida narrada lhe impôs, mas também ao grupo Ciadramáticadecomédia, pelos méritos de seu empreendimento.
                Patrocinado pelo Banco do Brasil, o espetáculo prova que teatro infantil de qualidade tem o lugar especial no Rio de Janeiro, mas a plateia lotada prova que o público sabe disso e o valoriza.

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Ficha técnica:

Patrocinador: Banco do Brasil
Realizador: Centro Cultural Banco do Brasil
Encenação: Ciadramáticadecomédia
Texto e pesquisa musical: Eduardo Rieche
Direção: João Batista
Elenco: João Velho,Cleiton Rasga, Cristina Lago, Eduardo Rieche, Sérgio Kauffmann e Sônia Praça
Cenografia: Doris Rollemberg
Figurinos: Mauro Leite
Iluminação: Renato Machado
Criação Musical: Marcelo Alonso Neves
Preparação Vocal: Paula Leal
Direção de Movimento: Márcia Rubin
Assistente de Direção e Preparação Corporal: Dani Cavanellas
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Design Gráfico: Letícia Rumjanek e Diogo Cadaval
Ilustrações: Letícia Rumjanek
Fotografia: Dalton Valério
Produção Executiva: Valério Lima
Argumento, Idealização e Coordenação de Projeto: Doris Rollemberg
Adminstração, Coordenação de Produção e Prestação de Contas: Verônica Prates
Produção: Quintal Rio Produções Artísticas e Ciadramáticadecomédia
Cenotécnica: Moisés Cupertino
Equipe de Montagem de Luz: João Gioia, Rodrigo Bastos, Felipe Medeiros e Giba Oliveira
Operador de Luz: Felipe Medeiros
Maquinista: Renato Silva
Operador de Som: Diogo Camargos
Camareira: Lia Moreira

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