quinta-feira, 22 de março de 2012

O menino que vendia palavras (RJ)

foto: divulgação

 Emociona, faz pensar e aplaudir

                “O menino que vendia palavras” é um daqueles espetáculos que ficam no coração e na mente por muitos dias, porque consegue fazer com que, por algum momento, sinta-se vontade de ser criança outra vez (ou, pelo menos, criança pela primeira vez). Belamente construído por e construtor de um universo idealizado, com crianças em roupas coloridas e com muito tempo para brincar com os amigos, a obra fisga o público infantil pelos recursos sensoriais que mobiliza e é capaz de prender a atenção dos adultos pela sua coerência interna que evolui desde cenas inteligentes à sequências divertidas, cheias de conteúdo, mas com muita ação. Faz pensar e emociona: do texto à encenação, dos recursos visuais e sonoros às interpretações. Se o significado de parietal, tetragonóptero, catáfora, epísio, nacele, gorgolão, hoste, matroca e de alforje não ficam, sem dúvida, fica o sabor dessas e de outras palavras.
                Baseado na obra homônima (Prêmio Jabuti de 2008 como melhor livro de ficção) de Ignácio de Loyola Brandão, é possível,também, fazer pontes entre esse texto de Pedro Brício com a crônica de Fábio Reynol, “O vendedor de palavras”, de setembro de 2006 (cujo mote, também serviu para um espetáculo que eu escrevi, hoje apresentado pelo Grupo Mototóti em várias cidades do país.). Em comum, está a banca de vendas de palavras e o conceito de que cada palavra vale um pensamento, ou seja, quanto mais palavras se souber, mais pensamentos se terá. O protagonista, interpretado por Paulo Verlings, discute com os amigos para ver quem tem o melhor pai. Eduardo Moscovis intepreta, além de outro personagem, esse pai, um homem jovial, que gosta muito de ler e, por isso, é muito inteligente. Nasce no grupo de crianças, uma espécie de clube - os amigos se reúnem para perguntar/descobrir porquês e o quês dos mais óbvios aos mais cabeludos. Ambicioso, o Menino almeja um lugar de destaque entre os amigos. Além de ter um pai “famoso”, ele quer conquistar uma menina e, por fim, ser conhecido por aquele “que tem todas as respostas”, abrindo, inclusive, uma banca de venda de palavras, em que troca o significado delas por objetos de coleção (bolas de gude, por exemplo). Reconhecidamente bom dramaturgo, Pedro Brício não deixa as coisas fáceis para o seu herói e é, no traçar de suas metas e nas tentativas de alcance de seus objetivos, que o espectador vai se identificando, lembrando de seu próprio passado e assistindo ao espetáculo que acontece na plateia: crianças interagindo com as cenas, animadas, mas não menos atentas.
                O cenário de Vera Hamburguer e Flávio Graff (com projeções em vídeo de Paola Barreto) se compõe basicamente por grandes pilhas de livros (três mil!) pesam o palco para o lado esquerdo pela sua força estética, pelos nichos interessantes que ele propõe, pela redução do espaço livre que ele impera. A decisão constitui um desafio para a direção: há que se fazer muito do lado direito para não perder o equilíbrio. Felizmente, o muito é feito. Cenas com retroprojetor, projeções, skate, jogos de mímica e de estátua, sorteio, bicicleta, coreografias, bola, programas de auditório, além de uma bolha de ar de Franklin Cassaro, representando o universo criativo da mente do Pai do Menino. O figurino de Thanara Schonardie é extremamente rico e impõe à encenação a mesma dificuldade. O resultado final é que cenário, figurino, além da riquíssima escolha da trilha sonora e direção musical (Domenico Lancelotti e Pedro Sá), e de um ótimo uso da iluminação (Tomás Ribas), impregnam a produção de valores estéticos extremamente benéficos, porque, antes de tudo, muito corajosos. Impresso pela firme direção de Cristina Moura, o ritmo vertiginosamente rápido não desfavorece as cenas em que é preciso atenção do público. A dosagem dos momentos - hora de prestar a atenção, hora de se emocionar, hora de torcer, hora de descobrir e de conhecer, hora de gargalhar – é efetuada com maestria. Sem exceção, todas as participações do elenco são positivamente contribuitivas dos protagonistas (Paulo Verlings e Eduardo Moscovis) aos coadjuvantes (Letícia Colin, Renato Linhares, Luciana Froés e Raquel Rocha), de forma que os mesmos aspectos positivos cujas responsabilidades são das questões técnicas são também mérito do conjunto de atores. A sensibilidade (Linhares), a ternura (Moscovis), a competividade (Verlings), a alegria (Colin), a comicidade (Rocha) e a obstinação (Fróes) são expressas pelos personagens que, em conjunto, criam ambiente para uma reflexão sobre a importância dos laços na família e entre amigos, o gosto pelo estudo e pela descoberta das palavras e, principalmente, a difícil tarefa de conhecer-se e aceitar-se em suas sublimes limitações. Muita agilidade, perfeita dicção (sobretudo em Verlings) e uma contagiante alegria são o que se vê no palco.
                O único problema de “O menino que vendia palavras” é da ordem da produção (a primeira para o público infantil da Turbilhão de Ideias). Além do horário da tarde, deveria haver também uma sessão à noite, em que as crianças seriam proibidas e os adultos pudessem ocupar os seus lugares, voltando-se sem vergonha para dentro de si mesmas, bem vindas as suas catarses.

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FICHA TÉCNICA
Classificação etária: livre
Baseado na obra de Ignácio de Loyola Brandão
Direção: Cristina Moura
Colaboração: Mariana Lima
Assistente de direção: Fernanda Félix
Dramaturgia: Pedro Brício
Elenco:
Eduardo Moscovis
Paulo Verlings
Leticia Colin
Renato Linhares
Luciana Froés
Raquel Rocha
Cenário: Vera Hamburger
Direção Musical / Trilha Sonora Original: Domenico Lancelotti e Pedro Sá
Figurino: Thanara Schonardie
Iluminação: Tomás Ribas
Vídeos: Paola Barreto
Direção de produção: Gustavo Nunes

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