segunda-feira, 16 de abril de 2012

Vestido de Noiva (RJ)

Foto: Fábio Nagel

Por que vale a pena ver?

                 “Vestido de Noiva”, encenado pela primeira vez no fim de 43 é o texto/encenação que mudou os rumos do teatro brasileiro. Dirigido, naquela oportunidade, por Zibgniew Ziembienski, a peça foi produzida pelo grupo amador Os Comediantes e apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro (grupos de teatro amador ainda se apresentam no Teatro Municipal? Grupos de teatro profissional ainda se apresentam no Teatro Municipal?), sendo o segundo texto do ainda garotão Nelson Rodrigues (1912-1980). Vale a pena ver “Vestido de Noiva”, em cartaz no CCBB/Rio, por vários motivos. A seguir, a lista de alguns.
                Tida como uma das peças psicológicas de Nelson Rodrigues, “Vestido de Noiva” guarda em si uma gorda pitada de expressionismo de forma que a encruzilhada rodrigueana - personagens realistas naturalistas em tramas melodramáticas – seja mais difícil de ser identificada, embora esteja presente. Eis a história: Alaíde roubou o namorado (Pedro) da irmã (Lúcia) e casou-se com ele. Na casa onde foram morar, ela encontra um diário de uma antiga moradora, a prostituta Madame Clessi, que morreu assassinada décadas antes, e descobre que seu marido continua se encontrando com sua irmã. A peça começa com um acidente de carro. Alaíde está no hospital inconsciente. Estamos, os leitores/ o público, dentro da mente de Alaíde e vemos três situações: os encontros dela com Madame Clessi, as suas brigas com a irmã e o coma, ou seja, alucinação, memória e realidade. Vale a pena ver esse “Vestido de Noiva”, porque, diferente de outras montagens, Caco Coelho, assistido por Beto Russo, aumentou a força do expressionismo a partir de dois mecanismos, um da ordem da estética e outro da ordem da fruição. Esteticamente, Coelho e Russo mobilizaram um coro que reverbera as frases, fazem com que os diálogos e as ações ecoem, repliquem, climatizem o ambiente, aumentem a possibilidade de sensações, alterem definitivamente as formas. Além disso, o público está deitado, assistindo às cenas que acontecem em uma meia bolha sob a abóbada do CCBB/Rio, vendo os três níveis que, embora não comportados, possam ser lugar para os três planos.
                A concepção de Coelho e de Russo é hedonista e o prazer, quando é conseqüência do instinto, é marca realista naturalista.  Vale a pena ver “Vestido de Noiva” para ver Alessandro Brandão em ponta (repito: em ponta) durante quase todo o segundo ato, cantando ópera e alargando a sensualidade da obra. Também para ver Sandra Alencar (em sua pequena participação como Lígia) forte, pontual e segura. Para ver Felipe de Paula e Sara Antunes, defendendo os personagens Lúcia e Pedro nos embates travados com Alaíde, usufruindo da liberdade que as sete décadas nos deram em relação à separação rígida dos três planos de NR/Ziembinski. Vale a pena ver “Vestido de Noiva”, sobretudo, para ver Renata de Lélis (Alaíde) totalmente entregue à lascívia, evoluindo naturalmente de um plano ao outro com as intenções claras, com o tom de voz e os gestos coerentes - chorosos, sedutores, carentes e, ao mesmo tempo, traiçoeiros, felinos.
                Quando a dramaturgia cênica altera a dramaturgia literária, conseqüências ocorrem e, nem todas são positivas. Nesse “Vestido de Noiva”, a personagem Madame Clessi foi reduzida a alguém que sorri embriagada e é escada para que Alaíde narre suas visões. Desapareceu toda a influência que Clessi exerce sobre Alaíde no texto original, facultando à participação de Vivianne Pasmanter um lugar inferior. Outra conseqüência negativa é o esvaziamento do drama. Coelho e Russo elevaram fortemente a importância visual da obra: os figurinos bucólicos de Beth Filipecki, de Edi Galvão e de Renaldo Machado, aproximam a obra do paraíso irresponsável árcade, a iluminação cheia de movimentos surpreendentes de Ricardo Fujii aguça os sentidos e o cenário de Daniela Thomas e André Cortez dá força à concepção expressionista. Com tudo isso, a evolução das cenas fica mais lenta, mais fraca, resultando numa obra que não exige do espectador que ele seja fisgado, mas vale a pena pelo seu convite à contemplação.

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Ficha Técnica:

Patrícinio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural do Banco do Brasil
Autor: Nelson Rodrigues
Direção: Caco Coelho
Direção de Produção: Charles Asevedo
Elenco: Vivianne Pasmanter (Madame Clessi), Renata de Lelis (Alaíde), Sara Antunes (Lúcia), Felipe de Paula (Pedro, o Namorado, Homem de capa, Limpador), Charles Asevedo (pai de Alaide), Stela Guz (mulher inatual), Luciana Belchior, Alessandro Brandão, Beto Russo, Dai Fiorati e Dai Bomfim
Participação especial: Flavia Pucci (mãe de Pedro) e Sandra Alencar (mãe de Alaíde)

Participação em vídeo: Gabriel Testa Coelho
Supervisão cenográfica: Daniela Thomas
Cenário: Andre Cortez
Figurinos: Beth Filipecki, Edy Galvão e Renaldo Machado
Iluminação: Ricardo Fujii
Música original e preparação de voz: João Schmid
Video: Lucas Lins e Willian Keffer
Coreografia: João Carlos Ramos
Projeto Gráfico: Roberta de Freitas e Natália Quinderé
Visagismo: Carmen Bastos
Assistente de Direção: Beto Russo
Assistente de Produção: Daí Fiorati e Daí Bomfim
Operador de Luz: Allan Rodrigues
Contrarregra: Alexandre Fumaça e Helio Onilis

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