quarta-feira, 20 de junho de 2012

K - Uma leitura d'O Castelo (RJ)

Foto: divulgação

As regras nas relações

            O alemão Franz Kafka (1883-1924) escreveu “O Castelo” em 1922, mas o romance só foi publicado quatro anos depois. Juntamente com “A Metamorfose” e “O Processo”, trata-se de um de seus livros mais conhecidos ao redor do mundo. Com uma adaptação excepcional de Weydson Leal, a obra literária ganhou produção cênica sob direção de Moacyr Góes pela Cia Escola 2 Bufões. O espetáculo tem dois méritos fundamentais: a reprodução do ritmo desconfortável do original e a excelente trilha sonora de Ary Sperling, que auxilia o espectador na batalha contra a peculiar passagem de tempo da narrativa kafkaniana.
            Um topógrafo chamado K chega à aldeia. Ele foi contratado pelo Conde, o dono da região e do que há nela, que mora no Castelo. O conflito começa quando não lhe chegam ordens claras do que deve ser feito. Um senhor chamado Klamm se dirige a ele através de mensagens, mas, adiante, K ficará sabendo que as missivas não são entregues no tempo necessário e que ninguém sabe ao certo quem é Klamm, nem como chegar até ele. Sem pertencer ao seleto e respeitável grupo que habita ou que tem permissão para entrar no Castelo, e nem tampouco ser bem recebido pelos moradores da aldeia, o protagonista investiga a sua situação com determinação: quer saber quem o contratou, para o quê, sob quais condições. Inicia aí a sua trajetória para dentro dos meandros de uma sociedade sem lógica, desconfortável, burocraticamente pantanosa. Eis o universo de Kafka, que pode ser considerado hoje como expressionista. O ritmo é advertidamente lento, porque interessa ao autor, seja do livro, seja da peça, a irritação do público, a insatisfação, a inadequação de alguém que quer ver soluções. Em busca de respostas, encontram-se mais perguntas e cada vez menos certezas. A metáfora dá conta da sociedade urbana do início do século XX, a massificação, a frieza das relações, os códigos que organizam (?) a sociedade.
            Góes reproduz a situação na interpretação dos atores, mas também nos signos visuais. O cenário de José Dias, uma estrutura em ferro cheia de ganchos nos quais adereços são pendurados, é baixo, de forma que os intérpretes ficam encurvados ao andar nele, além de cuidadosos para não se esbarrarem. O local é rodeado por bonecos que são similares aos atores e ficam, como tais, sempre a observar o que acontece, voyeurs.  Elenco e bonecos vestem tecidos pesados nos figurinos de Carol Lobato, têm os cabelos pintados de vermelho, excetuando o ator que interpreta K, o que o marca como um estrangeiro. A iluminação incisiva de Cezar Moraes reforça o tom angustiante da obra de forma positiva. Em se tratando da música, as composições de Ary Sperling entoam a narrativa, ajudando a história ficar mais teatral, isto é, possível de ser fruída no teatro com altos ganhos significativos.
            No elenco, composto por Carla Rosa Guidacci, Ricardo Damasceno, Daniel Villas, Sergio Kauffmann, Daniel Carneiro (Jeremias) e Leon Góes (K), destacam-se positivamente os dois últimos. Ambos sustentam a frieza kafkaniana com verdade, multitonais, com respirações críveis e apagando as marcas de construções prévias, embora no protagonista faltem nuances que definam os diferentes momentos da história como uma evolução crescente. Guidacci, que interpretada todos os personagens femininos, é quem apresenta o resultado menos positivo. Com uma construção emocional demais, a atriz constrói tipos superficiais que são bons, mas não contribuem para o realismo do gênero em questão.
            Na direção de Moacyr Góes, ocorrem dois momentos: um positivo e outro negativo. Enquanto as cenas são bem construídas, marcadas com a precisão burocrática de que trata o tema, as trocas de cenário são lentas a ponto de parecerem maiores que as próprias cenas. Uma vez que o ritmo é regular, o desconforto gerado, a partir desse aspecto, é negativo.
            A neve em papéis que expõem a carpintaria teatral na contagem da história, o texto dito de forma clara e movimentos precisos, de uma forma geral, os elementos compõem um todo visual de extremo bom gosto, caracterizando a produção como a valorizar as suas raízes teatrais e literárias. “K – Uma leitura d’O Castelo” discute as regras que norteiam as relações colocando-as sob lentes de aumento. Escrito há noventa anos, ainda tem muito o que dizer.

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Ficha técnica:

Adaptação da obra literária "O Castelo", de F. Kafka, por Weydson Leal.
Direção: Moacyr Góes
Elenco: Leon Góes, Carla Rosa Guidacci, Daniel Carneiro, Daniel Villas, Ricardo Damasceno e Sergio Kauffmann.
Ass. de Direção: Deborah Engiel e Maria Paranaguá
Trilha original: Ary Sperling
Cenário: José Dias
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: César Moraes
Visagismo: Beto Carramanhos
Preparação Corporal: Felipe Khoury
Programação Visual: Dely Bentes
Produção: Caroline Alcova
Assessoria de Imprensa: JS Pontes Comunicação
João Pontes e Stella Sthephany

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