domingo, 17 de junho de 2012

O beijo no asfalto (RJ)


Foto: Carol Beiriz

Com pontos positivos e negativos

            Mesmo no caso de Nelson Rodrigues, não há jeito certo ou jeito errado de fazer teatro, ao contrário do que frequentemente se apregoa por aí. Nesse ano, em especial, muitas são e serão as montagens do mais aclamado dramaturgo brasileiro do século XX e, talvez, de todos os outros. Em 2012, ele completaria 100 anos se não tivesse falecido no fim de 1980. Deixou uma vasta obra literária, além de suas peças, a saber crônicas e romances, que merece ser lida. Há alguns meses, no Rio de Janeiro, houve a apresentação de Vestida de Noiva e, em cartaz também, está por esses dias Dorotéia. Agora, a Canampo Produções Artísticas apresenta “O Beijo no Asfalto” de uma forma mediana, mas valorosa. Dirigida por César Rodrigues com codireção de Roberto Bomtempo, a peça oferece os mesmos desafios que qualquer texto a qualquer encenador. Personagens realistas-naturalistas em trama melodramática é o jeito mais confortável no caso aqui, isto é, o caminho que permite melhores resultados mais facilmente. Há diretores que fogem dessa opção e produzem trabalhos inusitados, mas elogiáveis. Há outros que não. Aqui, nessa montagem, uma concepção não de todo amarrada merece elogios em alguns aspectos e ressalvas em outros não a partir de qualquer inexistente receita pronta, mas pela forma como sugere seu olhar por sobre a obra rodriguiana.
            Os personagens de Nelson Rodrigues, quando postos além de qualquer julgamento, quando vistos como tais porque não lhes coube outra alternativa que não ser como são (realistas-naturalistas), encontram-se em enredos repletos de relações de causa e efeito, purgando seus males, cumprindo seus destinos, admirando atos heróicos e tendo muito claro o que é certo e o que é errado (melodrama). A direção de César Rodrigues atinge ótimos resultados nas interpretações do jornalista Amado Ribeiro (Xando Graça), de Aprígio (Roberto Bomtempo), da Viúva e da D. Judith (Fernanda Boechat), do Chefe Weneck (Cristiano Garcia) e de Dália (Mariah Rocha), porque elas exibem construções fortes, limpas, com a profundidade realista e as emoções à flor da pele, indicando o caminho escolhido pela concepção, embora nem de todo seguido enquanto linguagem. Nesse grupo, se destaca positivamente Graça pela ardilosidade na sua composição, ganhando, não só por isso, importância de protagonista. Caetano O’Maihlan constrói no corpo o Delegado, mas não o viabiliza a contento na voz, essa frágil para o personagem. O problema maior, porque incoerente, está em Selminha (Letícia Cannavale), cujo jeito coloquial de dizer o texto e cuja despretensão com que se movimenta, arruma o cabelo e gesticula aproxima a peça da comédia de costumes ou do drama realista, que é muito próximo do real além da narrativa e, por isso, fica aqui sem força. O personagem Arandir é um desafio para o intérprete e Augusto Garcia o vence bem, mas não com excelência. Anti-herói, a figura nega o que dizem dele, foge do caminho que lhe propõem, não reage. A vitimização requer nuances para não ser óbvia, mas inteligente. Esse é o ponto que falta nessa construção.
            Aurélio de Simoni criou com seu desenho de luz os limites que marcam o espaço cênico, sem fecha-lo, de forma que, no palco, se vêem esquinas, ambientes internos e externos, além de ambientes dentro de outros ambientes. No entanto, há alguns problemas de ordem prática. Não há nem gerais e nem black-outs, isto é, à meia luz, vemos as cenas serem construídas e desconstruídas e, em alguns momentos, não vemos os personagens com plenitude. Diminuídas as possibilidades de total envolvimento com a narrativa, o ritmo permanece regularmente mais lento do que poderia, restando ao texto a responsabilidade de fazer a peça “ir mais rápida”. O figurino de Thiago Mendonça acrescenta pontos positivos sem grandes destaques.
            De todas as sugestões estéticas, o cenário de Daniele Geammal é o ponto alto da produção. Com cada vez mais fardos de jornais em cena, a situação parece se afundar no disque-disque midiático, produzindo a sensação de sufocamento tão cara ao realismo-naturalismo.  A opinão alheia, as verdades paralelas, a versão sensacionalista parece valer mais que o próprio homem ou que os próprios homens, outra razão para o protagonismo do personagem Amado Ribeiro. A sinalização, no programa da peça, de que tudo isso, mesmo grandioso hoje, poderá apenas enrolar “peixe” no dia de amanhã coroa significativamente a produção como meritosa.

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Ficha técnica
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: César Rodrigues
Codireção: Roberto Bomtempo

Elenco:
Augusto Garcia - Arandir
Caetano O'maihlan - Delegado Cunha
Cristiano Garcia - Werneck
Fernanda Boechat - D. Judith/Viúva
Giordano Becheleni - Investigador Aruba/Barros
Letícia Cannavale - Selminha
Mariah Rocha - Dália
Roberto Bomtempo - Aprígio
Thiago Mendonça - Pimentel
Van Loppes - D. Matilde
Xando Graça - Amado Ribeiro

Assistente de direção: Leandro Baumgratz e Van Lopes
Iluminação: Aurélio de Simoni
Cenário: Daniele Geammal
Figurino: Thiago Mendonça
Arte gráfica: Tarcísio Lara Puiati
Produção executiva: Camila Fernanda Maia
Direção de produção: Ana Paula Sant'Anna
Gestão do projeto: Augusto Garcia, Letícia Cannavale e Roberto Bomtempo
Realização: Canampo Produções Artísticas Ltda.

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