terça-feira, 26 de junho de 2012

O trem, o vagão e a moça de luvas (RJ)

Foto: divulgação

Quando o teatro fala bem

                “O trem, o vagão e a moça de luvas” foi escrito há dez anos por Xico Abreu, conhecido pelos musicais infantis “O Cravo e a Rosa”, “O Espetacular Circo das Pulgas Elétricas” e “Minha mais que amiga árvore”. O texto, agora montado pela Pyramo Proarte e pela XA Realliz não tem nada nem de musical, nem de infantil. Trata-se de uma comédia romântica, com todos os clichês com os quais convivemos nos últimos vinte anos principalmente. Duas pessoas desconhecidas se encontram num vagão do metrô/trem, o último da noite. Estão sozinhos. Ele puxa conversa, ela desconversa. Ele insiste, ela reage. Os dois brigam, os dois se beijam, os dois se descobrem um na vida solitária do outro. De olhos e ouvidos fechados, marcando no relógio, podemos descrever tudo o que acontece a partir da dada situação inicial. Não há nada de errado nisso. Ao contrário, quem gosta do gênero quer justamente ver isso. E vê com uma certa qualidade destacável tanto no texto, passando pelas ótimas interpretações e chegando no cuidado visual de extremo bom gosto. Abreu enche o texto de boas perguntas e muitas perguntas como respostas, dando um falso ar de contemporaneidade a uma história nem tanto assim.
                A produção, dirigida por Renato Rocha, da Intrépida Trupe, da Os Inomináveis, da Cia Bufômecânica e da Royal Shakespeare Company, tem dois grandes méritos: a interpretação dos atores Babú Santana e Flávia Pyramo e o cenário de Flávio Papi. Tanto Santana como Pyramo, ambos atores conhecidos por seus trabalhos no cinema e na televisão, além de uma sólida carreira, no caso dela, no teatro, deixam marcas profundas de realismo, algo absolutamente essencial para o gênero cênico-narrativo em questão. Há reflexões, há emoção, há pausas bem dadas e há tergiversações, de forma que o que se diz é crível, porque parece ser real, ou melhor, próximo do mundo além da ficção. O realismo no tom do discurso deixa a poética ainda mais impactante, a saber, os momentos em que a relação dos dois fica mais intensa a ponto de praticarem atos proibidos para viajantes de e no trem. Essa equilibrada dosagem de sentidos, prevista pela concepção da direção de Rocha, é o que faz o espectador pular da pasmaceira comum da trama e descobrir algo que diferencie a história e, consequentemente, torne o encontro teatral mais sublime. A dupla de atores, no seu falar macio, mas potente, no gestual cambaleante e sinuoso e na sua disposição de fazer desse encontro algo marcante para os seus personagens, apresenta um trabalho cuja excelência vale aplausos.
                Flávio Papi constrói um universo urbano em miniatura no palco e em volta dele que seria melhor fruído fosse o espetáculo apresentado em uma arena. No italiano do Teatro Serrador, cuja reabertura é honra e é mérito do Grupo Alfândega 88, apenas parte da potência da instalação é vista. Mesmo assim, a forma como os personagens ficam grandiosos em meio à turbulência e ao caos da vida cotidiana, essa cheia de carros, prédios e buzinas, tem algo a dizer. E o dito é mais um elemento que torna especial ir assistir a essa peça. Complementam-se aí os figurinos de Gabriella Marra, que dão aos personagens o direito de esconder-se contra o frio, mas também contra outros seres humanos; a iluminação de Paulo César Medeiros, que dá ritmo à trama, juntamente com a trilha sonora original de Pedro Bernandes, ambos lembrando o espectador de que estamos em um local público, um trem, um metrô em que os desvios não são possíveis e as decisões de ficar nessa estação ou seguir viagem pode ser definitiva.  Saber que, ao fim da apresentação, o espectador pode subir ao palco e contemplar mais de perto a instalação de Papi é um alento.
                As relações humanas é tema de todas as boas histórias. O grande ganho que essa montagem traz não é o de falar sobre o homem ou sobre o homem contemporâneo, mas o de falar bem, isto é, usar o teatro de forma enriquecedora para a arte, para o gênero, para os artistas e para o público.
               
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FICHA TÉCNICA

Texto: Xico Abreu | Concepção: Flávia Pyramo e Renato Rocha | Direção: Renato Rocha | Co-Direção: Pierre Santos | Elenco: Babú Santana e Flávia Pyramo | Cenografia: Flávio Papi | Iluminação: Paulo César Medeiros | Trilha Sonora Original: Pedro Bernardes | Videomaker: Bruno Queiroz | Figurinos: Gabriella Marra | Preparação de Elenco: Miwa Yanagizawa | Preparação Corporal: Paulo Mantuano | Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Projeto Gráfico: Alexandre de Castro | Fotos do Programa: Priscila Villas Bôas | Fotos de Divulgação: Guto Muniz | Assistente de Cenografia: André Santinho | Cenotécnicos: André Santinho e Equipe Papi Maquetes | Pesquisa Sonora e Técnico de Gravação e Mixagem: Ramiro Mart | Operador de Som e Vídeo: Pierre Santos | Operador de Luz: Wendel Barros | Equipe Montagem de Cenário e Luz: André Santinho e Wendel Barros | Contra-Regra: André Santinho | Assistente de Produção: Sandra Fonseca | Administração e Prestação de Contas: Luciana Fávero | Produtor Executivo: Leandro Vieira | Diretor de Produção: Paulo Mattos | Coordenação do Projeto: Flávia Pyramo | Realização: Pyramo Proarte | Patrocínio: Rede Ponto Certo, Caixa Econômica Federal e Governo Federal, Conprem, Tiisa, GE Transportation, Alstom, Supervia e Pifer.


4 comentários:

  1. Eu assiti...lindo !!! Parabens a todos.

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  2. Entrei aqui para ver a critica do Pinocchio, mas quero dar meus parabens tbem a esta linda, maganifica peca que e da Moca de Luvas...linda interpretacao dos dois artistas e o cenario super convidativo a uma viagem de Trem. Parabens, amei...adorei !!! " Deveria chamar Historia na Vida Real" Vou assistir novamente. Parabens a todos.

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  3. RODRIGO, AMEI SEU COMENTARIO, PERFEITO.CONGRATULATION !!!

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  4. Ja assisti 4 vezes e a cada dia gosto mais e mais. O segundo ator e muito interessante, tbem!!! Sou vendedora de telemarketing e sei perfeitamento do sofrimento da Moca de Luvas.Parabens a toda equipe.

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