sábado, 16 de junho de 2012

Querida Helena Serguêivna (RJ)


Foto: divulgação

Uma peça sobre ética: divertimento de altíssimo nível

            O realismo diz coisas que, talvez, só o bom teatro contemporâneo consegue dizer. O problema é que, enquanto o segundo só diz para alguns, o outro diz para todos. “Querida Helena Serguêivna” é uma excelente produção em cartaz no Teatro Poeirinha que atualiza com puljância o gênero realismo psicológico como raramente se vê. Embora pareça, a peça não foi escrita nem por Ibsen, nem por Tchekhov, mas é o primeiro trabalho de Ludmila Razoumovskaya, uma dramaturga russa, nascida em 1946. Escrito no final dos anos 70, o texto, uma encomenda do Ministério da Cultura da ex-União Soviética, foi encenado pela primeira vez em 1981, mas censurado logo em seguida com a alegação de que os estudantes nele eram vistos de forma imoral em um desenho realista demais. Antes de ser banida, a peça foi encenada em mais de vinte teatros da antiga União e, depois da perestroika, traduzida para vários idiomas, ganhando o mundo. Filme, pelas mãos de Eldar Ryazanov, trata-se de apenas um de uma coleção de sucessos da autora: “Home!”, “End of the 80s”, “A life of Yuri Kurochkin” e “Man without Dowry” são outros títulos seus muito conhecidos na dramaturgia mundial.
            Dirigido por Isaac Bernat, assistido por Karin Dreyer, o jogo de Razoumovskaya parece ganhar regras de uma boa situação de Strindberg: as oposições, a claustrofobia, a seta ascendente cujo movimento parece não ser possível estancar. Quatro alunos, Pacha (Fábio Enriquez), Vitia (Gabriel Vaz), Volódia (João Pedro Zappa) e Liália (Marina Provenzano) aparecem à noite na casa de sua professora de matemática para cumprimenta-la pelo seu dia de aniversário. Helena (Helena Varvaki) os recebe com estranheza, mas, logo em seguida, com carinho, preparando alguns aperitivos e aceitando os presentes que eles lhe trazem. Então, ainda bem no início da narrativa, Helena entra em outro cômodo e, sozinhos, os alunos, conversando entre si, fazem o público saber que há segundas intenções nessa “festa” inesperada. O público se desconforta, o ânimo se agita e a tensão se estabelece. Pela forma não menos excelente como a cena está arregimentada, as atenções já estão fisgadas. A partir daí vêm a agonia para saber como tudo termina: calcular possibilidades, refletir sobre conseqüências, avaliar causas, assistir a cada avanço da história como um novo e crescente clímax. O final coroa a narrativa em sua estrutura dramatúrgica e cênica: méritos do texto e de todos os envolvidos na produção teatral.
            O cenário primoroso assinado por Doris Rollemberg concentra a cena, fazendo com a que a cozinha aja em direção ao centro, como também a mesa perto da janela. Bancos, poltrona, aparelho de som tudo está perfeito na construção da verossimilhança, elemento fundamental para o realismo. Com igual riqueza de detalhes, o figurino da Espetacular! garante cores, graça e movimento a história que acontece nos anos 80. Os signos estéticos, dos já citados cenário e figurino aos não menos valorosos desenho de iluminação (Aurélio de Simoni) e direção musical (Tato Taborda), são eficientemente esteira que aponta para o drama. No momento em que o olhar o do público percorre a cena atrás de falhas e não as encontra, passa a destinar toda a sua atenção para a história que é, nesse caso, tão valorosamente contada. Varvaki, como Helena, dá a ver uma construção frágil, mas lúcida; carinhosa, mas firme; simples, mas imponente. Sobre os quatro alunos, elogios apenas, embora se destaquem positivamente as presenças de Vaz, em primeiro momento, e, depois, de Zappa na viabilização de algozes tão fortes (Vitia) e tão ardilosos (Volódia). O adequado uso das pausas, as inflexões e reflexões na forma de dizer o texto, as forças e também as sutilezas  nas relações gestuais, de olhares, de se movimentar pelo espaço cênico são valores encontrados no trabalho dos jovens atores dignos de artistas mais experientes.
            Em tempos em que tanto se reflete sobre a participação da corrupção na constituição da personalidade humana, eis uma história sobre ética. Pauta para a discussão em escolas e autarquias públicas, mas sobretudo pelo público em geral em contextos quaisquer, “Querida Helena Serguêivna” serve para fazer pensar quem quer se divertir com um entretenimento de altíssima qualidade. Aplausos!

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Ficha técnica:
Texto: Ludmila Razoumovskaya
Direção: Isaac Bernat
Tradução: Tatiana Belinky
Com Helena Varvaki, João Pedro Zappa, Marina Provenzano, Fábio Enriquez e Gabriel Vaz.

Cenografia: Doris Rollemberg
Direção de Movimento: Maria Alice Poppe
Iluminação: Aurelio de Simoni
Figurino: Espetacular! (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo)
Direção Musical: Tato Taborda
Direção de Produção: Adriana Oliveira
Direção de Cena: Fred Mallet
Programação Visual: Flávio Pereira
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti e Bruna Amorim
Visagismo: Carlos Arthur de Peder
Assistente de Direção: Karin Dreyer
Assessoria Teórica: Julia Bernat
Assistente de Programação Visual: Heitor Prazeres
Assistente de Produção: Sofia Fontes
Administração do Projeto: Rosa Ladeira
Blog: Camila Moreira
Realização: Helena Varvaki - LMPR Tempo Companhia Teatral

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