segunda-feira, 11 de junho de 2012

Vazio é o que não falta, Miranda (RJ)


Foto: Thaís Grechi

Um experimento de linguagem nada vazio

            “Vazio é o que não falta, Miranda” é uma experiência de linguagem teatral produzida pelo Grupo Teatro Inominável que estreou em 2010. Dirigido por Diogo Liberano, o espetáculo se apresenta como uma “tentativa”, o que reforça positivamente o seu caráter de experimento. Em cena, Adassa Martins, Carolina Helena, Flávia Naves e Natássia Vello apresentam o resultado de um trabalho visível e propositalmente em processo e que só pode ser julgado como tal.
            A ideia do processo surgiu como uma representação de um outro processo: o de construção do espetáculo “Esperando Godot”, de Samuel Beckett. O resultado parece querer ser uma obra paralela não apenas no aspecto formal, mas também na ordem do seu conteúdo (Miranda sendo uma versão de Godot), o que não acontece. Beckett atualiza a tragédia, uma vez grega e outra vez clássica, para o drama contemporâneo do pós-segunda guerra. Há quem diga que ele escreve uma versão própria do teatro do absurdo, há quem escreva que ele cria o teatro adramático. O fato é que o contexto do dramaturgo irlandês mais celebrado do século XX é a tragédia, ou seja, a prisão. Na Grécia, presos ao destino divino; no classicismo, presos aos padrões burgueses, os personagens de Beckett, no século passado, sobretudo em “Esperando Godot”, estão presos ao tempo que insiste em passar. É dessa incapacidade de lutar contra isso que vêm os diálogos quase dissociáveis, o superficial esvaziamento do sentido, a fluidez plena da narrativa que, para alguns, é a marca de uma não-narrativa. Para quem não leu o programa de “Vazio é o que não falta, Miranda”, as cenas iniciais do espetáculo aqui em questão se aproximam desse universo nonsense. A intenção, no entanto, não tem continuidade na evolução das cenas (e a palavra “evolução”, em relação a Beckett, já prenuncia um distanciamento). Quando, para o espectador, começa a ficar claro que tratam-se de atrizes em processo de ensaio e que há um diretor a fazer anotações (quase um espetáculo a parte, como em Tadeusz Kantor), controlar o desenho de luz e as entradas das trilhas sonoras, além de fazer alterações no roteiro, ou seja, que tudo tem uma lógica que consiste justamente na busca/fuga de sentido, então, cai por terra o interesse sobre o experimento de produzir algo naturalmente sem sentido. Em cena, estamos assistindo a um ensaio marcado, ou melhor, a uma apresentação que tem como resultado de opções estéticas marcas que o fazem parecer um ensaio.
            A cena em que conflitos surgem entre as atrizes levanta a curva dramática e aponta para um clímax. Depois, uma sequência em que os atores participam de uma entrevista sobre “Esperando Godot”, novamente, mexe na narrativa e prepara para um fim. No entanto, de forma negativa, o encerramento demora mais tempo do que deveria para chegar sem perder o ritmo. 90 minutos de inconstância é fatalmente tempo demais para um exercício de linguagem, apesar das ótimas participações das quatro atrizes e também do diretor, um ator em cena.
            Toda “peça contemporânea” tem: a) um microfone no pedestal que será usado para os atores se dirigirem diretamente ao público; b) um ou mais momentos em que os atores se dirigem diretamente ao público; c) personagens cujos nomes são idênticos aos nomes dos atores que os interpretam; d) um violão, uma flauta, um piano ou um instrumento musical qualquer e um ou mais momentos em que um ou mais atores tocam uma canção em outra língua que não a vernácula; e e) projeções em vídeo. O mérito estético claramente observável de “Vazio é o que não falta, Miranda” é o fato de não ter todas essas marcas negativamente fortes no teatro que se diz contemporâneo, apesar das atrizes se chamarem pelos seus segundos nomes ou sobrenomes, o que poderia ser qualificado como uma variação do vício, e ter, sim, momentos em que as atrizes compartilham da participação do público. Fica, por fim, o louvável interesse em apresentar uma pesquisa, em mostrar o trabalho que vem à cena, com os devidos aplausos, de forma digna e, principalmente, mais séria do que parece.

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Ficha técnica:
Direção e Dramaturgia: Diogo Liberano
Elenco: Adassa Martins, Caroline Helena, Flávia Naves e Natássia Vello
Assistência de direção: Thaís Barros
Cenário: Rafael Medeiros
Figurinos e visagismo: Adassa Martins e Natássia Vello
Iluminação: Diogo Liberano e Flávia Naves
Direção musical: Philippe Baptiste
Direção de movimento: Dan Marins
Preparação vocal: Verônica Machado
Registro audiovisual e fotográfico: Thaís Grechi
Design: Diogo Liberano
Assessoria de imprensa: Carolina Calcavecchia
Marketing cultural: Davi Palmeira
Produção executiva: Dan Marins
Direção de produção: Caroline Helena e Diogo Liberano
Realização: Teatro Inominável e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)           

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