domingo, 22 de julho de 2012

Eu é um outro (RJ)


Foto: divulgação

As imagens de Rimbaud: um ótimo espetáculo

            “Eu é um outro”, com direção de Isabel Cavalcanti e dramaturgia de Pedro Brício, é um espetáculo baseado na obra do poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891). Não muito longe de ser mais uma peça biográfica (e o Rio de Janeiro está cheio delas), o ponto alto da produção é não dispensar o que de melhor tem o artista: a sua arte. Assim, detalhes da vida de Rimbaud interessam pouco ao trabalho encenado, mas a sua poesia vale muito. Cavalcanti e Brício, eis o maior mérito da dupla, não têm medo de poesia. As palavras continuam sendo palavras, e palavras lidas, o que é melhor. Foge-se de tentativas sempre frustradas de dar ação às palavras dos outros, mas encara-se a celebração dos textos desse outro, um dos mais comemorados poetas simbolistas, com galhardia.
            A obra de Rimbaud encontra nessas últimas décadas o seu lugar. Nunca a imagem fez tanto sentido para a humanidade: o cinema, a internet, celulares com câmeras, ônibus com anúncios de propaganda, álbuns de fotos compartilhados em redes sociais, avatares. No momento em que esse aspecto é pego pela produção para tratar do poeta, o que ele escreveu na França na segunda metade do século XIX dialoga como o homem de hoje de igual para igual. Duas outras histórias são contadas em paralelo a de Rimbaud: numa delas, no Rio de Janeiro de 1972, o livro “Uma estadia no inferno” é censurado. Na outra, em Paris de 2005, um professor é assaltado por um ex-aluno, convidando-lhe para fazer parte em uma encenação. Se, na primeira, a imagem fica impossibilitada de ser vista, na segunda, ela precisa causar impacto. Se nós somos uma parte do outro que não é o outro, então, até mesmo a imagem é fluída, pois ela também se mostra em parte a uma parte de nós mesmos. Rimbaud está nesse caminho, nesse processo de fazer ver que os cenários que se parecem com a nossa realidade são, na verdade, apenas passagem. É nesse princípio que se encontra o argumento da produção tão bem vinda no teatro carioca. Eis a liberdade e o amor de Rimbaud.
            Alcemar Vieira e Lorena da Silva lideram positivamente o elenco também composto por João Velho, Ana Abbott e André Marinho. De um modo geral, todos oferecem um belo trabalho de interpretação, dosando com complexidade a ironia, as emoções, as passagens mais leves e aquilo que é mais delicado. Na interpretação de Rimbaud, João Velho oferece ao personagem a inconstância de que ele precisa, parecendo jovial e irresponsável, mas não menos comprometido consigo próprio e com suas visões. Fernando Mello da Costa, Rui Cortez, Tomás Ribas e Tato Taborda assinam cenário, figurino, iluminação e direção musical como se fossem apenas uma só pessoa no projeto de direção de arte da obra. Em todos os elementos, e nisso resssaltam-se as participações das perigosas, mas bem feitas, projeções de Paola Barreto e Lucas Canavarro, “Eu é um outro” se apresenta como um espetáculo cuidadoso e nobre, inteligente, profícuo e, por tudo isso, bastante interessante. O ritmo, que se dá através das quebras entre os diversos momentos da dramaturgia, não cai em nenhum momento, mas deixa, para o final, um de seus melhores ganhos. É a hora de voltarmos à questão inicial: por que Rimbaud largou a literatura e foi se aventurar no interior da África?
            “Eu é um outro” é um espetáculo sobre imagens: há quem as valorize a ponto de não querer se desfazer delas, a quem as valorize a ponto de ir em busca de novas, mas não há, sobretudo hoje, quem viva sem elas.

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Ficha técnica:
Direção: Isabel Cavalcanti
Dramaturgia: Pedro Brício

Elenco:
Alcemar Vieira
Ana Abbott
André Marinho
João Velho
Lorena da Silva

Cenografia: Fernando Mello da Costa
Figurino: Rui Cortez
Iluminação: Tomás Ribas
Direção Musical: Tato Taborda
Direção de Movimento: Cristina Moura
Projeções: Paola Barreto e Lucas Canavarro
Preparação Vocal: Letícia Carvalho
Design Gráfico: Sônia Barreto
Assistente de direção: Érika Riba
Assistente de figurino: Rodrigo Abreu
Operador de Luz: Wallace Furtado
Operador de Som e contrarregra: Bárbara Montes Claros
Operador de Imagem: Rodrigo Lopes
Gerente de Projeto: Rodrigo Gerstner
Produção Executiva: Bárbara Montes Claros
Direção de Produção: Celso Lemos e Lílian Bertin
Idealização: André Marinho e Christiane Braga

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