sexta-feira, 27 de julho de 2012

Kaspar (RJ)


Foto: divulgação

A linguagem em um teatro raro na cena comercial

            “Kaspar” traz para o Rio de Janeiro uma leve menção à curiosa história de Kaspar Hauser (1812-1833). Na Alemanha, o garoto fora seqüestrado ainda bebê e privado do contato externo de várias formas. Aprisionado em uma cela pequena e escura, até os dezesseis anos, aprendera a ler e a falar algumas palavras sem saber o significado delas. Quando “depositado” em uma praça de Nuremberg, na Alemanha, a única frase que conhecia era: “Eu quero ser um cavaleiro como meu pai o foi.” Hauser não sabia o que a frase significava, não conhecia que os sons das palavras tinham sentido. Tendo recebido abrigo de muitas pessoas, foi motivo de numerosas investigações, morrendo aos 21 anos assassinado por desconhecidos. Nada disso, no entanto, vai encontrar que for ao Teatro Maria Clara Machado assistir à produção dirigida por Evângelo Gasos. Em cena, “Kaspar” é uma peça adramática interessante para quem tem paciência para o gênero, uma adaptação de Gasos e Rita Lemgruber para o original do austríaco Peter Handke.
            Escrito em 1967, o texto não oferece nenhuma história ao espectador. Não há personagem, não há situações, não há tramas, nem linha de tempo ou indicadores de espaço. Dentro do gênero adramático, está, por exemplo, a performance, que se difere do trabalho em questão, porque aqui há definições muito claras de movimento e não há lugar visível para improvisações. O texto versa sobre a linguagem, o poder da língua, do idioma, da fala. Não há diálogos estruturados como em uma conversa, mas frases que justapostas trazem ao tema diferentes contribuições. Vê se um ator, uma sutil referência a Kaspar, surgir de um emaranhado de roupas e outras duas figuras a interagir com ele. A situação, em todo o espetáculo, gera diferentes tipos de possibilidade de sentido e essa é a intenção desse gênero cênico. Há jogo estabelecido entre as figuras sem nome, característica ou origem, os gestos são bastante definidos e as marcações bem expressas, as intenções são neutras, resultando em uma fruição a contento. O ritmo, num espetáculo que nega o tempo, é difícil de avaliar pelo altíssimo grau de subjetividade a que se destina a produção. No entanto, pode-se dizer que a evolução dos quadros contribui postivamente para o espetáculo em quase todo o tempo da encenação.
            Os figurinos de Mariella Pimentel e os objetos cênicos de Janaína Ludka e Isabel Noronha não conferem à obra unidade, mas ampliam a capacidade do seu esforço em  não-ser. O mesmo, felizmente, não faz o excelente desenho de iluminação de Vitor Emanuel que, além de dar força para a evolução dos quadros, é elemento fundamental na constituição de cenas cujos resultados imagéticos são potentes.
            Com lugar aberto para Peter Handke e para um tipo de teatro raro na cena carioca, “Kaspar” é uma boa opção não só para quem gosta de refletir sobre a linguagem e sobre o poder do silêncio.

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FICHA TÉCNICA

Autor: Peter Handke
Adaptação: Evângelo Gasos e Rita Lemgruber
Direção: Evângelo Gasos
Elenco:  Matheus Lucena, Rita Lemgruber, Luiz Paulo Barreto, Chico Rondon, Shizue Morimoto, Zeca Carvalho,  Fernando Carvalho e Pedro Pedruzzi.
Assistência de Direção:  Lucas Calmon
Produção: Evângelo Gasos
Iluminação: Vitor Emanuel
Cenografia: Janaína Ludka e Isabel Noronha
Figurino: Mariella Pimentel (em memória) e Roberta Zdanowsky
Assistência de Figurino: Flávia Wajnbergier
Pesquisa Musical e desenho de som: Evângelo Gasos
Design: Levante Design
Foto: Luiz Oliveira
Realização: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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