sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Moringa Quebrada (RJ)


Foto: divulgação 

Adaptação equivocada, encenação difícil



Em cartaz na Sala Paulo Pontes do Theatro Net Rio, “A Moringa Quebrada” é uma adaptação mal feita de “A bilha quebrada”, texto do dramaturgo alemão Heinrich von Kleist (1777-1811), escrito em 1806 e encenado pela primeira vez dois anos depois. Dirigido por Gustavo Paso, que também assina o excelente “Em Nome do Jogo”, o espetáculo tem apenas um ponto realmente positivo, além, claro, do mérito universal de ser produzido: a interpretação de Claudio Tovar. Claramente disposto a atualizar o texto original para Ariano Suassuna, o resultado fica paralelo a “As Conchambranças de Quaderna”, sem, nem de longe, se aproximar da fluidez do dramaturgo paraibano. Falta ritmo na versão escrita traduzida por Marcelo Backes e escrita por Paso.
Resistindo ao romantismo alemão, em voga no teatro e na literatura na época do seu lançamento, a obra se apresenta como uma comédia ainda com bastante influência do gênero farsesco. Com isso se quer apontar que a situação dramática privilegia a cristalização das figuras que, estando enrijecidas, são responsáveis pela evolução rápida da narrativa no processo de desenredamento das tramas e subtramas em que a história se estrutura. Na versão original, em um tribunal, o Juiz, seu Escrivão e o Meirinho aguardam a chegada de um Desembargador. Quando esse chega, atende-se ao primeiro caso do dia: o caso da bilha (jarra) quebrada. Dona Martha é mãe de Eva que é noiva de Ruprecht que é sobrinho de Brígida. A peça de cerâmica se espatifara no chão quando Ruprecht encontrou um homem no quarto de Eva em certa noite passada. Não se sabe quem é esse homem, mas, desde então, o noivado foi desfeito. Eva, então, está triste pelo fim do namoro, Martha, por sua vez, está revoltada com a sua relíquia quebrada e Ruprecht afirma não ser o responsável pelo desastre, mas quer saber quem o foi. Brígida, enfim, é chamada para testemunhar e o Desembargador acompanha a resolução no intuito de avaliar o procedimento do Juiz, cujo cargo é ambicionado pelo Escrivão. Como se vê, trata-se de um texto em que todos os personagens são movidos por conflitos internos que os ligam ao todo da narrativa por sua própria natureza (egoísmo, sensibilidade, ambição, avareza, etc), essa de aparência independente da situação específica em que todos se encontram. “A bilha quebrada”, assim, está próxima, enquanto farsa, de sua ascendente Commedia Dell Arte, uma vez que, no texto de meados do século XIX, os personagens do gênero moderno-renascentista podem ser facilmente encontrados: o casal de Enamorados (Eva e Ruprecht), o Brighella (o Escrivão Licht), a Colombina (o Meirinho), o Dottore (o Desembargador Walter) e o Pantaleão (o Juiz Adão e a Dona Martha), todos pertencentes à tradição teatral italiana. Codificados e com muitas indicações que são necessárias (e bem vindas) à boa fruição de uma obra desse tipo, a condução nesse sentido “facilita” a vida do espectador na medida em que o dispensa de maiores apresentações acerca de quem participa da história, convidando a plateia para que se vá direto ao ponto, ou seja, a história em si.
A adaptação para “A Moringa Quebrada” diminui prejudicialmente a distância entre os diálogos originais e o público. Diante do texto de Kleist, o espectador sabe que está lendo/assistindo a uma comédia, mas sabe também o traço cômico não está nos diálogos, mas no aparecer, desenrolar e concluir das tramas. Paso leva os diálogos para a fictícia cidade de Upa Cavalo, no sertão nordestino, desenhando com detalhes ricos cada frase e as sonoridades das palavras dela. Sem dúvida, o esforço é valoroso, mas, em cena, resulta numa fruição pesada, cansativa, que prejudica as situações, faz arrastar toda a narrativa.
De um modo geral, as interpretações são sofríveis. Há muito grito, muita força e pouco movimento. Com mais técnica do que verdade, falta leveza em Samir Murad (Conselheiro Magno). Apresentando um bom trabalho, o elenco conta com a participação de Felipe Miguel (Robério Cacimba), mas o grande nome do grupo é mesmo Cláudio Tovar (Juiz Adão), porque, com muito esforço, ele consegue driblar o embaraçoso texto, mantendo uma excelente dicção, e oferecendo um certo ritmo.
O cenário do diretor Gustavo Paso e de Teca Fichinski é interessante em vários pontos e negativo em outros. Sua riqueza se mostra no fundo de caixas de arquivo, púlpito e mesa do escrivão, oferecendo vários níveis de altura e de profundidade. Na parte direita, no entanto, os bancos prejudicam uma possível movimentação, diminuindo as alternativas da direção. Junto com a adaptação e as interpretações, o figurino e a trilha sonora são os piores elementos da encenação. Concebidos por Fichinski, não se justificam a larga exploração do verde em quase todas roupas, repetindo o tom dominante do cenário, e a maquiagem carregada que colabora negativamente no peso já dado pelo texto. Não se entende também porque os homens usam vestidos ou porque as mulheres estão com os cabelos desgrenhados. A iluminação de Paulo David Gusmão é boa porque oferece alguns supiros interessantes ao público em meio à narrativa. A trilha sonora de Luciana Fávero e de Felipe Miguel, sobretudo no momento final, é igualmente injustificável na proposta de adaptação.
Dada a liberdade de alterações que todo artista tem na hora de transpor uma obra (o texto de Kleist é literatura) de uma origem para outra, há que se analisar o caso pensando no público. Se “A Bilha Quebrada” é considerado difícil para o público de hoje, “A Moringa Quebrada” não é nada fácil.

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FICHA TÉCNICA

Texto: Heinrich von Kleist | Tradução: Marcelo Backes | Direção e Adaptação: Gustavo Paso | com Claudio Tovar, Samir Murad e CiaTeatro Epigenia: Antonio Barboza, Barbara Werlang, Felipe Miguel, Luciana Fávero, Monica Vilela, Suzana Castelo, Thalita Vaz e Thiago Detofol | Cenário, Figurinos e Caracterização dos Personagens: Gustavo Paso e Teca Fichinski | Iluminação: Paulo David Gusmão | Trilha Sonora: Gustavo Paso e Caique Botkay | Assessoria de Imprensa: Ney Motta | Direção de Produção: Luciana Fávero | Produção Executiva: Júnior Godim | Realização: PASO D'ARTE e CiaTeatro Epigenia

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