sábado, 29 de setembro de 2012

Fã-Clube (RJ)


Foto: divulgação

Bom tema é tratado superficialmente

“Fã-Clube”, o novo espetáculo da Cia. Físico de Teatro, a mesmo de “Savana Glacial”, apresenta um bom trabalho dos dois atores, Igor Angelkorte e Renato Livera, e excelentes resultados estéticos no cenário, figurino, trilha sonora e iluminação. Com bons quadros, algumas frases interessantes, a dramaturgia de Keli Freitas, no entanto, é fraca em termos de sua estrutura. A direção segura de Livera garante os momentos mais positivos da encenação, mas não é suficiente para fazer da obra um grande espetáculo.
Dois homens obcecados por uma atriz desconhecida sequestram a jovem e a levam para um cativeiro. O mote, que é interessante, não se desenvolve bem, mas, por se apresentar de forma não-linear (vemos a cena 9, depois a cena 4, depois a cena inicial, depois o fim, depois da cena 6, e assim por diante), consegue alguma relevância. Assim, pode-se dizer que “Fã-Clube” baseia a sua força na sua carga visual e em um que outro diálogo mais profundo. A cena que abre o espetáculo, por exemplo, em que os dois personagens masculinos procuram uma caixa de ferramentas, é promissora. Diálogos sobre o beija-flor e o empalhamento de animais também são pontos fortes da narrativa. De resto, o que se vê é um esforço valoroso da direção de Livera em tirar “leite de pedra”, isto é, transformar em bom teatro um diálogo que, talvez, seja bom enquanto literatura. Um destaque interessante é o monólogo sobre a atriz pobre que usa moletom. A cena é boa enquanto parte independente do contexto. No meio da encenação de “Fã-Clube”, ela é explicativa, servindo para situar o espectador desavisado no que está acontecendo na história, o que é ruim.
Igor Angelkorte e Renato Livera são fortes, potentes, apresentando um ótimo trabalho de interpretação. Sustentam a tensão, dizem o texto de forma rica, usam as pausas para concentrar o sentido, mobilizam bem o próprio olhar e os gestos, movimentando-se equilibradamente em cena (a direção de movimento é de Lavínia Bizzotto), provendo o ritmo de forma lenta, mas não devagar. Camila Gama, porém, não tem o mesmo resultado, repetindo exatamente a mesma performance de Ágatha, de “Savana Glacial”: oratória monocórdia, interesse baseado na repetição, poucos gestos e forte aponte para a teatralidade, distanciando-se, mais uma vez, dos outros personagens. O resultado positivo lá não se repete aqui: “Fã-Clube”é outra peça.
Outro sinal positivo da direção de Livera, assistido por Hélio Fróes, pode ser visto na orquestração dos elementos outros integrantes da encenação: a iluminação de Renato Machado, o figurino de Bruno Perlatto, o cenário de André Sanches e, sobretudo, a trilha sonora original de Jamba. Em conjunto, mas também em separado, cada performance, além de bela, está absolutamente subordinada ao ritmo da narrativa, oferecendo oxigênio ao cativeiro, novas possibilidades de sentido, agilidade, alternativas.
O tema da coisificação do ser humano, ainda que não desenvolvido com mais profundidade, fica claro sobretudo nos momentos finais, numa espécie de ápice clássico na dramaturgia com fortes marcas contemporâneas. “Fã-Clube” perde a oportunidade de ser uma metáfora para a forma como o mundo é tornado objeto de consumo para uma plateia (a humanidade) cada vez mais consumista e, talvez, menos vivente. Fica, no entanto, além dos já méritos destacados, a intenção de discutir uma nuance tão rara nas reflexões sobre a sociedade atual.

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FICHA TÉCNICA

Direção: RENATO LIVERA
Dramaturgia: KELI FREITAS
Orientação artística: ANA KFOURI
Atuação e argumento dramatúrgico: CAMILA GAMA, IGOR ANGELKORTE e RENATO LIVERA
Direção de movimento: LAVINIA BIZZOTTO
Assistência de direção: HÉLIO FROES
Iluminação: RENATO MACHADO
Cenário: ANDRÉ SANCHES
Figurino: BRUNO PERLATTO 
Trilha Sonora original: JAMBA
Programação visual: RAQUEL ALVARENGA
Direção de produção: CAMILA GAMA
Produção executiva: RAFAEL MOSE
Fotos: ÁLVARO RIVEROS
Vídeos: GUGA MILLET
Realização: CIA FÍSICO DE TEATRO

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