sábado, 24 de novembro de 2012

Perto do Coração Selvagem (RJ)

Foto: divulgação

Embora sem força, um convite a Clarice Lispector


            Ao contrário do que diz o programa, não está em Clarice Lispector (1920-1977) a dificuldade de assistir ao espetáculo “Perto do Coração Selvagem”, dirigido por Luis Artur Nunes. O complicado ali é a má interpretação de Fernanda Thuran para a personagem Joana. O livro, o primeiro de Clarice, publicado em 1943, é um referencial na literatura brasileira por inaugurar no modernismo o neo-realismo, a prosa instrospectiva, subjetiva, distante do regionalismo vigente na época (Guimarães Rosa, Erico Verissimo, Jorge Amado). Trazê-lo para o palco, e encenado com narradores falando em terceira pessoa, a rapsódia marcante das peças dirigidas por Nunes, é um ponto positivo relevante da peça. A questão negativa, entre outras, é que a fala monocorde e o rosto sem expressão com os quais Thuran dá vida para Joana faz com que a personagem mais pareça Macabéia (de “A Hora da Estrela”) do que propriamente Joana. Nela, o ritmo do espetáculo cai, permanecendo sem curvas e, a partir daí, sem força que empurre a dramaturgia para o fim. Como um todo, a peça funciona porque a salvam a direção ágil de Nunes e outros bons trabalhos do elenco. 

Das cortinas aos objetos do cenário e peças do figurino de Teca Fichinski, o vermelho se sobrepõe de forma negativamente inexplicável (assim como foi o verde em “A Moringa Quebrada”), reduzindo o sarcasmo, o veneno, a crueldade fria e livre com que, a partir de Joana, o leitor do romance e da peça vê os demais personagens e as situações. Quanto às interpretações, as construções, de um modo geral, não expressam o que está claro na novela literária: a selvageria de Joana é nada mais que um escudo utilizado por ela para se proteger do mundo que é mais cruel do que seus olhos o veem. Destacam-se positivamente as interpretações de Andréa Couto e de Alexandre Bordalho, porque sóbrias, realistas, com boas pausas, marcas de verdade que aproximam o espectador não só da peça como de Clarice. Iuri Saraiva, já elogiado na análise de “Homens”, nessa produção, com alguns momentos de exceção não apresenta bom trabalho, porque fleumático demais, cheio de trejeitos e partituras corpo-faciais expostas. 

Luis Artur Nunes é um dos grandes nomes do teatro brasileiro, tanto como pesquisador, como artista. Sua direção é marcante, isto é, sabemos quando uma peça tem sua assinatura sem precisar ler o programa (nesse ponto, estando próximo de João Fonseca, João Falcão, Gabriel Villela, Felipe Hirsh, Cibele Forjaz, Zé Celso, Luciano Alabarse, entre outros). Em “Perto do Coração Selvagem”, vemos como a dramaturgia é manipulada de forma a encenar o romance e não um texto dramático. Os atores se dividem e proporcionam um jogo em que são visíveis o momento da narração e o da representação, esses pautados pela mudança de cenários e de figurinos, pelas alterações na iluminação de Luiz Paulo Nenen (sem destaque, mas adequada) e, sobretudo, pela movimentação criativa em que os quadros se formam. 

No próximo ano, o romance “Perto do Coração Selvagem”, escrito quando Clarice tinha apenas 23 anos, completa sete décadas. Apesar dos entraves, o espetáculo em cartaz no Shopping da Gávea, é um bom convite para descobrir Clarice ou conviver um pouco mais com seu universo ainda tão atual e enriquecedor. 

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Ficha técnica:




Direção e Dramaturgia
Luís Artur Nunes

Elenco:
Fernanda Thuran
Klaís Bicalho
Monique Franco

Atores convidados
Andrea Couto
Iuri Saraiva
Alexandre Bordallo

Cenário e Figurino:
Teca Fichinski

Iluminação:
Luiz Paulo Nenen

Trilha Sonora
Pedro Veríssimo

Direção de Movimento:
Ana Bevilacqua

Preparação Vocal:
Jaqueline Priston

Assistente de direção:
Daniel Granieri

Direção de produção:
Lucia Regina Souza

Produtores Associados
Grupo Quatro Pontas
Caravana Produções

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