segunda-feira, 29 de abril de 2013

Prazer (MG)

O novo espetáculo da Cia Luna Lunera não agrada
Foto: divulgação

Pretencioso

Prazer”, o novo espetáculo da Companhia Mineira Luna Luneira é pouco além de pretencioso. Ou seja, com ares de contemporaneidade e de modernismo (para alguns, sinônimo automático de profundidade), trata-se de um drama coberto de clichês a partir de um entendimento equivocado da obra de Clarice Lispector (1920-1977) “Uma aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” (1969). Quatro amigos. Um resolveu sair para viajar pelo mundo com uma mochila nas costas. Os outros três, brasileiros como o primeiro mas moradores de Paris, são um médico, uma artista plástica (ex-esposa do médico) e um comissário de voo. Na noite em que os quatro se reúnem, cozinham uma sopa e, enquanto isso, conversam sobre a vida, deixando vir à tona, com dificuldades, seus dramas pessoais. A noite avança e a bebida sobe, os assuntos triviais vão dando lugar para confissões mais profundas. Conflitos aparecem e o sol também. Por fim, conclui-se que a contemporaneidade não está nem na narrativa e muito menos na estética que a enquadra. Se ela estivesse presente, estaria no como a história foi e é contada. Mas ela não está. Em cena do Teatro 1 do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, uma hora e meia de imagens bonitas, forte apelo sensorial e grande monotonia são o que se vê.

O cenário lembra um bunker: as pareces são negras e os objetos saem de dentro do interior delas. Com um giz branco, várias palavras ou trechos da obra de Lispector são escritos enquanto o público vai entrando na plateia. As janelas não abrem (sua altura faz uma sutil referência a "Fim de Jogo", de Beckett), há quatro cadeiras negras e uma mangueira de gás. Os figurinos são pretos, brancos ou cinzas há alguns detalhes em vermelho, mas poucos. A aridez concretista da direção de arte é possível ser vista também no visagismo: um dos atores tem o cabelo platinado, o outro usa kilt e há quem use sobretudo. Os diálogos também não são justamente lineares em vários momentos, principalmente no início. Ou seja, nota-se que há um esforço em imprimir uma aparência divergente, talvez disposta a vincular a obra ao modelo pós-dramático. A opção infelizmente não se resolve. 

Para que o melhor jeito de ler “Prazer” fosse o pós-dramático, seria necessário haver, de forma mais clara, um convite ao público para dar sentido do que está no palco. Não é isso o que acontece. Apesar dos disfarces, o sentido se encontra pronto no palco: há quatros seres prestes a entrar em ebulição e eles, de fato, entram. Nesse sentido, a dramaturgia é previsível e, por escolher tantos entraves que possam deixar-lhe com cara de “nova”, acaba perdendo a oportunidade de ser simplesmente boa: falar sobre o homem e seus conflitos em um bom drama segue sendo uma boa opção quando bem executada. Recusar o drama para se pintar de pós-drama carece de justificativas que, nessa peça, não são encontradas. 

Apesar de terem aberto o seu coração para seus amigos, todos os personagens terminam do mesmo jeito que começaram. Nesse contexto, mas não apenas por ele, Clarice Lispector é nada mais que um rótulo inteligente tão mal usado quanto em frases anônimas no Facebook. Sem intencionar reproduzir o livro da escritora ucraniana naturalizada brasileira no palco, a Luna Luneira também não trouxe a sua estrutura simbólica. A contemporaneidade de Lispector não está tanto nas referencias do além da obra que ela cita, mas principal e definitivamente na construção de personagens ou de situações trágicas, isto é, os seres humanos como vítimas de uma situação imutável a qual não é responsabilidade deles. Dialogando com Kafka, os personagens de Lispector cumprem o destino que lhes é traçado e colhem os frutos que eles não plantaram com sofrimento, sim, mas principalmente com abnegação. Nada disso aparece em “Prazer”, que exorta os sentidos ao preparar uma comida, tomar banho de mangueira, beber, comer e chorar e apresenta personagens que, de maneira geral, são responsáveis por suas atitudes ou abstenções em relação às suas próprias vidas. 

Com interpretações medianas em que não se sabe o limite entre a dramaturgia supervisionada por Jô Bilac e as improvisações, a trilha sonora é melodramática na medida em que realça sentimentos e cria, junto com a iluminação, algumas imagens. A força na criação desses quadros imagéticos, o que marca a contemporaneidade, acaba por ficar no superficial, pois não ecoa no conteúdo, permanecendo apenas na forma. É positivo do uso do videografismo, mas bastante negativo o controle do ritmo na narrativa. 

Sem dizer a que veio, “Prazer” parece ser uma coisa, mas é outra. Não é vergonha ser tradicional, dramático, contar uma história com início, meio e fim bem definidos se é isso que ela pede. É, no entanto, bastante inconveniente querer forçar uma convenção estética que não nasceu para aquele objeto. Vazio. 

*

FICHA TÉCNICA:
Concepção e dramaturgia: Cia. Luna Lunera
Atuação e codireção: Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva e Odilon Esteves
Codireção: Zé Walter Albinati
Orientação dramatúrgica: Jô Bilac
Núcleo de Colaboradores Artísticos: Éder Santos, Jô Bilac, Mário Nascimento, Roberta Carreri
Preparação corporal: Mário Nascimento
Residência artística: Roberta Carreri - OdinTeatret
Pesquisa em artes digitais: Trem Chic
Direção: Éder Santos 
Coordenação geral de produção videográfica: André Hallak 
Edição: Leandro Aragão 
Produção: Barão Fonseca 
Concepção cenográfica: Ed Andrade 
Assistente de cenografia: Morgana Mafra 
Execução do cenário: 100 Pregos
Figurino: Marney Heitmann 
Assistente de figurino: Alexandre Frade 
Confecção de figurino: Maria Vieira

Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho
Assistente de Iluminação: Jésus Lataliza
Participação afetiva: Cláudia Corrêa
Programação visual: 45 Jujubas - Marcelo Dante e Juliano Augusto
Registro videográfico: Léo Pinho
Vídeos adicionais para divulgação: Guilherme Reis
Fotografia: Adriano Bastos e Carlos Hauck

Cia. Luna Lunera: Cláudia Correa, Cláudio Dias, Fernanda Kahal, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves e Zé Walter Albinati

Assessoria de comunicação: Ethel Braga
Coordenação de produção: Cris Moreira
Estagiária da produção: Juliana Antunes
Administração: Sílvia Batista
Contabilidade: Ricardo Silva
Assessoria jurídica: Drummond &Neumayr Advocacia
Serviços gerais: Valmira Nascimento da Silva
Produção: Cia. Luna Lunera (Belo Horizonte/MG)

3 comentários:

  1. Também discordo. A peça me levou ao êxtase. Me emocionei várias vezes e a montagem está perfeita.
    Há anos eu não assistia uma produção tão bem elaborada. A dinâmica dos textos, como se estivessem respondendo e-mails, as verdades que precisam ser ditas e acima de tudo, o verdadeiro valor da amizade.

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  2. Considero a crítica ao espetáculo pertinente e bem fundamentada. O espetáculo decepciona se comparado à peça anterior do grupo ("Aqueles dois") e compartilha em muito ao fraco "Nesta data querida".

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