sexta-feira, 3 de maio de 2013

As coisas que fizemos e não fizemos (RJ)

"Inteligente" é a palavra que define nova comédia de
Matheus Souza
Foto: divulgação

Enfim, um Woody Allen brasileiro

É como se Woody Allen tivesse escrito, dirigido e atuado em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (Michel Gondry, 2004) . “As coisas que fizemos e não fizemos”, nova peça de Matheus Souza, tem o frescor de 2013 em uma história que poderia ser de qualquer época, de Camelot ao Afeganistão. O meta-humor de Allen (o clown derrotado e sem vida, rindo do mundo justamente porque o mundo ri dele) surge coberto de referências próprias do seu tempo, estabelecendo um diálogo profícuo com quem comunga do mesmo universo mas, ao mesmo tempo, não tão intraduzível com quem é de outras gerações. As falas dão impulso para mais uma história de relacionamentos como tantas que se veem e como ainda mais que se verão: duas pessoas se conhecem, começam a namorar, o namoro termina e fica a vontade de voltar. A trama batida não é problema estético desde que não seja vista de forma superficial, como de fato não o é aqui. O mérito maior, então, é falar de algo que todo mundo vive, já viveu ou está passível de viver, mas apresentando um novo ponto de vista. Eis aí a Inteligência, palavra que resume a obra, deste excelente espetáculo em cartaz no Teatro Sesc Arena Copacabana. Quem está interessado em novos dramaturgos brasileiros tem que conhecer o trabalho de Matheus Souza.

No Brasil, o Rivotril é o sexto remédio mais vendido nas farmácias (dados de 2012), perdendo para anticoncepcionais. Daí que a história de uma empresa chamada 100Vagalumes, criadora de uma máquina em que o cliente tem o prazer absoluto enquanto durar o plano, tem total conexão com uma sociedade cujo vazio existencial cresce na medida em que diminuem as coisas capazes de preenche-lo. O cenário (Carolina Camargo, Isabel Pedrosa e Laura Landau) basicamente composto por malas concretiza um mundo não disposto a criar raízes, mas propenso a mudanças, novidades, a novos instantes de novas sensações. O jogo dramatúrgico de dublagem, em que o protagonista Eduardo (Matheus Souza) canta utilizando-se da voz de outras pessoas, tem manifesta referência com o mundo virtual em que as fotos disponíveis nas redes sociais pouco têm de fato tem a ver com o real além do computador. (As canções da peça são versões brasileiras das  das canções da banda The Magnetic Fields, uma banda americana de indie pop. Os músicos as interpretam ao vivo no palco. São eles: João Telles, Jonas Hammar, Pablo Paleologo e Rique Meirelles). Nesse sentido, de uma ponta a outra, “As coisas que fizemos e não fizemos” tem como principal mérito o de ser espelho da realidade, pronta para refletir quem sinceramente colocar-se diante dela. 

Matheus Souza (Eduardo), Lua Blanco (Paula) e Giselle Batista (Vendedora) têm excelentes interpretações. O jogo rápido dos diálogos, que precisa ser rápido para fazer referência com a virtualidade do mundo em vivem a) os personagens; e b) o público alvo da produção; pode, sim, fazer ver um certo problema da ordem da dicção. Compreender o todo, som por som de cada palavra, no entanto, não parece ser o objetivo da produção, essa mais disposta a narrar a história do que propriamente falar dela. A movimentação, principalmente em Souza, é bastante coerente com o todo, dando agilidade para a relação proxêmica assim como o dado no discurso oral. A voz de Blanco é belíssima, marcando os momentos mais líricos. O carisma de Batista faz um justo contraponto com o de Souza, levando positivamente a peça para um ápice, esse seguido de uma peripécia aristotélica (quando tudo leva a crer que algo vai acontecer, mas o que se dá é outra coisa inusitadamente). Eis aí cem minutos de uma história bem contada no palco, dado o ótimo uso do ritmo da direção assistida por Pedro Cadore

Cenário, figurino (Elisa Faulhaber) e iluminação (Rodrigo Belay) agem corretamente no sentido realista, isto é, apontando para o drama sem entraves. A concepção de figurino apenas tem o senão de não deixar claro o porquê de Paula e da Vendedora usarem exatamente os mesmos tons do início ao fim da peça. 

“As coisas que fizemos e não fizemos” tem um público alvo: pessoas entre 15 e 30 anos, conectadas com a internet. Como toda boa obra de arte, no entanto, seu valor está em criar, por si só, sem posologia, uma estrutura discursiva capaz de incluir qualquer pessoa, seja de qual idade, lugar ou época for, dentro do seu universo. Foi-se o tempo em que era preciso ser criança para gostar de contos de fada, adolescente para ler Harry Potter e velho para ter sabedoria. Tal como está apresentado, o espectador desse espetáculo tem bases suficientes para deixar vir de dentro de si as ferramentas necessárias para se encontrar dentro do contexto, gargalhar e se emocionar com as histórias dela e de si próprias. 

*

FICHA TÉCNICA
Texto e Direção: Matheus Souza
Elenco: Lua Blanco, Giselle Batista e Matheus Souza
Assistente Direção: Pedro Cadore
Direção Musical: Pablo Paleologo
Direção de movimento: Rafaela Amado
Cenografia: Carolina Camargo, Laura Landau e Isabel Pedrosa
Figurino: Elisa Faulhaber
Assistente de figurino: Anouk Van Der Zee
Iluminação: Rodrigo Belay
Assistente de Cenografia: Ana Bial
Visagismo: Vivi Gonzo
Designer de som: Marcelo Claret
Preparação vocal: Danilo Timm
Stand-in: Mariah Viamonte
Operador de Luz: Rodrigo Miranda
Operador de Som: Raul Ribeiro
Contrarregra: Luiz Caieiro
Canções origianais: The Magnetic Fields
Interpretação das canções: João Telles, Jonas Hammar, Pablo Paleologo e Rique Meirelles
Artes Gráficas:Tiago Elcerdo
Direção de produção: Renata Paschoal-Forte Filmes
Assistentes de Produção: Janaína Santos e Leila Meirelles
Assessoria de Imprensa: Leila Meirelles

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!