quarta-feira, 5 de junho de 2013

Jumbo (RJ)

Fernanda Bastos (no centro) se destaca em um elenco
cheio de grandes intepretações

Foto: divulgação

Documentário sobre os laços que existem apesar das grades

“Jumbo” é um ótimo espetáculo-documentário sobre mulheres de presidiários. Sua dramaturgia, tanto literária quanto cênica, surgiu de uma intensa pesquisa sobre aquelas que vão (ou foram) até a carceragem para visitar algum homem: um marido, um filho, um pai, um irmão, um desconhecido... O resultado é um riquíssimo trabalho de pesquisa realizado durante um ano pela Companhia Baú da Baronesa, dirigido por Joana Lebreiro a partir de roteiro de Cilene Guedes. Tendo estado em cartaz no teatro da Companhia dos Atores, o espetáculo reúne várias histórias cujo limite entre ficção e realidade é positivamente impossível de se evidenciar. Em cena, sete histórias se misturam, todas elas unidas por um tema que é bastante forte: o laço que une alguém que está livre a alguém que está preso.

Rebeca (Cilene Guedes), Tamar (Nina Pamplona), Lia (Fernanda Huffel), Chiara (Heloísa Lazzari), Carlota (Naiana Borges), Cibele (Fernanda Bastos) e Mary (Letícia Milena) ora contracenam entre si, ora com o público, fazendo desse último os personagens que elas vêm visitar. Em alguns momentos, a cena está concentrada em um só ponto de forma que toda a assistência está focada em um único acontecimento. Em outros, a plateia se divide e, cada pessoa, tem acesso à história de uma personagem. Nesse jogo, a fruição parte de ritmos diferentes, de ganchos diferentes de jeito que a peça, como um todo, não se mostra igual para todo mundo. Como acontece em qualquer documentário que une histórias diferentes a partir de um único tema, cabe a fruição dosar o valor que dá a cada uma delas. Mesmo assim, considerando o poder da audiência em organizar hierarquicamente o que vê e como vê o que está dado, vale dizer que “Jumbo” parece se alongar um pouco além da conta em função de sua própria estrutura: são sete mulheres, sete personagens. Logo, o público pode contar nos dedos quantas histórias já conheceu e quantas histórias ainda lhe falta conhecer durante a fruição, liberdade essa que inevitavelmente emperra o ritmo. 

Embora todos os trabalhos de interpretação sejam positivos, não é difícil notar que algumas atrizes partiram de lugares mais ricos que outras. A história de uma mãe que perde seu filho para a prisão ou de uma irmã cujo irmão está preso porque ele a defendeu de um estupro não têm a mesma força narrativa que a da filha que vai visitar um pai que sempre fora ausente ou de uma professora que se corresponde com um homem desconhecido. Os desafios que pesam sobre algumas personagens não são, assim, os mesmos que recaem sobre outras. O ponto positivo é que todas as atrizes apresentam bons trabalhos, apesar de estar em Fernanda Bastos (Cibele) o mérito maior. Mais que em todas, está mais acessível à avaliação a forma harmoniosa com que os movimentos corporais, os gestos, o tom de voz, a direção do olhar, a retórica, enfim, todos os elementos cênico-narrativos estão engendrados e dados a ver.

Joana Lebreiro, assistida por Ricardo Libertini, assina um quadro que, embora não coerente em função das diferentes histórias, seja coeso pela forma como elas se articulam. A peça não é apenas sobre as visitas, mas sobre os desafios que esses momentos trazem: a autorização para a visita, a questão dos encontros sexuais, a revista, a escolha dos alimentos, a evolução dos processos de liberdade, os motins que acontecem dentro das celas, etc. Ao lado de um breve histórico sobre a realidade carcerária do Brasil e sua história, "Jumbo" tem sua dramaturgia organizada em forma de galeria, informando e formando um posicionamento sobre um aspecto da sociedade com a qual se convive, mas do qual pouco o grande público sabe. Apesar dos desafios do roteiro, a direção mantém o ritmo regular na medida do possível. A direção de movimento de Nathália Mello preenche o espaço e dribla a evolução das histórias sem forçar uma linha ascendente, o que é positivo. Cenário e figurino (Karla Pê) são bastante interessantes por providenciar o espaço e a profundidade necessária à narrativa que precisa ser contada. São, no entanto, dentre os elementos estéticos, da luz (Imianowski e Lara Cunha) e da trilha sonora (Daniel Carneiro) o grande mérito desse espetáculo pela forma pontual e equilibrada com que articulam o todo numa só estrutura.

“Jumbo” é, antes de tudo, sobre o ser humano e sobre o que liga ou pode ligar dois ou mais deles apesar dos desafios que possam surgir ou sempre haver. Quando vão presas, as pessoas não deixam de existir. Quando deixam de existir nesse mundo, igualmente não deixam de existir no coração de quem continua existindo. Além de tudo, é preciso falar sobre o sistema carcerário no Brasil e o teatro é uma forma alternativa de dizer a verdade alternativa. “Jumbo”, por sua estrutura, por seu existir, é uma força potente no teatro carioca. E muito bem-vinda!

*

Ficha técnica:
Dramaturgia: Cilene Guedes
Direção: Joana Lebreiro

Elenco:
Cilene Guedes
Fernanda Bastos
Fernanda Huffel
Heloísa Lazzari
Letícia Milena
Naiana Borges
Nina Pamplona

Direção musical: Daniel Carneiro
Direção de movimento: Nathália Mello
Direção de arte (Figurino e Cenário): Karla Pê
Assistência de direçãoo: Ricardo Libertini
Iluminação: Allan Imianowski e Lara Cunha
Cenotécnico: Beto Silva
Operação de som e de vídeo: Arthur Manhães
Operador de Luz: Ramon Alcântara
Programação visual: Fernanda Bastos e Fernanda Huffel
Fotos: Guilherme Maia
Assessoria de Imprensa: Octopus Comunicação e Cultura

Vídeos:
Direção: Thiago Lima
Direção de fotografia: Lucas Saldanha e Lucas Storck
Produção e Arte: Amanda Lima
Edição: Débora Índio do Brasil e Lucas Storck
Direção de produção: Amanda Lima

Realização: Baú da Baronesa

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