sábado, 8 de junho de 2013

Pai (RJ)

Rita Elmôr é Alzira no monólogo "Pai"
Foto: divulgação

Um grande espetáculo de uma pessoa só
É verdade que a interpretação de Rita Elmôr para a personagem Alzira de “Pai” é excelente, mas, sobre essa montagem, o fato é que a excelência da interpretação brilha como uma mais uma estrela em meio a uma estrutura que é muito potente em todas as suas partes. Com texto de Cristina Mutarelli e direção de Bruce Gomlevsky, tudo na produção é de inevitável destaque, o que faz desse monólogo um grande espetáculo. Não há um só elemento que não contribua para a boa articulação da obra como um todo. Ainda em cartaz no Galpão das Artes do Teatro Tom Jobim, eis aí uma peça que vale a pena ser vista. 

Depois de anos sem ver o pai, a filha retorna para o acerto de contas. O mote é uma desculpa esfarrapada para a história se desvendar. E ela se desvenda em pequenos blocos, em um positivo evoluir de partes que, aos poucos, dão a ver o todo. As situações criadas por Mutarelli valem, assim, muito mais pelo momento e pela forma como dão a ver a personagem em tão diferentes reações do que pelo motivo que justifica o arranque inicial. Alzira (Rita Elmôr) é muitas pessoas em uma só, como se suas cores fossem reflexo surgido a partir da qualidade ou da intensidade da luz que nela se espelha.  Muda-se essa luz, muda-se o reflexo. Em crescente ebulição, é muito interessante notar que a narrativa se modifica ao longo do tempo em que essas realidades abandonam a escuridão do fundo desse oceano e vêm à luz, aos olhos desse pai, cuja vida não sabemos se ainda existe ou não, e do público que sorve a narrativa colher por colher. Sem dúvida, o personagem de Alzira é, ao mesmo tempo, um grande desafio e um presente ainda maior à atriz, mas, em se tratando dessa montagem, é a audiência que tem tudo para sair do teatro mais satisfeita. 

A direção de Bruce Gomlevsky, assistido por Glauce Gima, é inteligente, porque resgata do texto o jeito como Alzira vê o mundo: sempre a partir de suas emoções. Nesse sentido, o espetáculo é melhor lido sobre o prisma do expressionismo, gênero em que o mundo é visto deformado, torto, fora de foco justamente porque expressa não o real além da narrativa, mas o real visto pela personagem em um determinado contexto emocional. Além de engendrar o conceito que está por trás das muitas modificações de tons na interpretação de Elmôr, o ponto de vista expressionista também articula os demais elementos cênico-narrativos e aí que entra o mérito de Gomlevsky como diretor dessa concepção.

Nello Marrese e Natália Lana constroem um cenário digno de prêmios. As dunas de areias que preenchem o palco permitem evidenciar um chão não seguro, um estar de móveis não retilínio e objetos que estão enterrados e só são vistos em momentos oportunos. O guarda-roupa, que por si só já é uma figura forte, tem profundidades surpreendentes, o que exibe a capacidade, pelo uso na peça, de transportar o espectador para outros referenciais, outras bases de conhecer a personagem que, então, passa a ser outra. Elisa Tandeta vai exatamente nas mesmas intenções e consegue com igual força os mesmos excelentes resultados na criação do desenho de luz. O trabalho visto expõe os momentos diferentes do cenário, as cenas diferentes da dramaturgia, as tonalidades diferentes da interpretação, o que é bastante positivo. Marcelo Alonso Neves, em mais um trabalho de extrema delicadeza, trata o som com o mesmo respeito com que trata o silêncio, não embalando, mas fazendo ver o ritmo com que esses elementos emergem à cena e depois submergem ao possível esquecimento. O figurino vai da formalidade exagerada à sensualidade, estando ao lado desse movimento irregular e positivo que Gomlevsky conferiu à história criada anteriormente por Mutarelli e agora narrada por essa equipe de excepcional talento.

Com força, com inteligência, com sobriedade, “Pai” é um grande monólogo na programação teatral do Rio de Janeiro. Um espetáculo imenso em cujo palco há excelentes trabalhos todos eles apresentados por uma só pessoa. Uma bela metáfora para a forma como todos nós somos o resultado da convivência com tantos outros além de nós.

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Ficha técnica:
Texto: Cristina Mutarelli
Direção: Bruce Gomlevsky
Assistente de direção: Glauce Guima
Cenografia: Nello Marrese e Natália Lana
Figurinos: Rita Elmôr
Música original: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Elisa Tandeta
Assistente de iluminação: Vitor Emanuel
Contrarregra: Divany de Sousa
Operação de luz: Raíssa Teo
Operação de som: Vanessa Rodarte
Assessoria de imprensa: João Pontes e Stella Stephany
Programação visual: Platz
Equipe de produção: Bianca Siqueira, Alex Leandro e Marília Calvo
Gerência Administrativa: Andréia Fernandes
Direção de produção: Verônica Fernandes
Produção: NKV Produções Artísticas
Realização: OVO Produções Artísticas

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