segunda-feira, 8 de julho de 2013

Nenhum (RJ)

Felipe Vidal, Talita Oliveira e Higor Campagnaro
Foto: divulgação
Vergonha alheia


“Nenhum” é o pior espetáculo visto nos últimos tempos na programação do Rio de Janeiro. Simplesmente, não há nenhum elemento e, menos ainda, uma articulação entre dois ou mais que seja digno de algum elogio. Com direção de Renato Carrera, o texto é do inglês Edward Bond (1934), escrito no ano 2000 e traduzido para o português por Felipe Vidal. A situação é a seguinte: estamos em 2077 na sala de jantar de um casal, Jams (Vidal) e Sara (Talita Oliveira). Há algumas semanas, Sara tem ouvido pessoas baterem a sua porta, mas ela não abre. Então, ela resolve contar ao marido, que trabalha no serviço de segurança público. Ele fica preocupado. Um dia, sem antecedentes, chega um homem, Grit (Higor Campagnaro), dizendo-se irmão de Sara. Ele traz uma fotografia do tempo em que Sara e ele eram crianças. A chegada dele traz à tona uma série questões mal resolvidas entre o casal que, aparentemente, vivia bem até então. Ou seja, se espetáculos sobre marido e mulher discutindo a relação já são batidos (e, em sua maioria, chatos!) quando o público tem acesso a algum tipo de identificação com algo da história, o que diremos de uma discussão de relacionamento em 2077?! “Nenhum” é, assim, um desperdício de tempo e, mais ainda, de palco, pois a peça está em cartaz na Sala Rogério Cardoso, da Casa de Cultura Laura Alvim. 

Algo mais sobre o contexto para justificar avaliação tão negativa: estando em 2077, os personagens nasceram por volta de 2050, ou seja, daqui a 37 anos. A ideia de mundo destruído no futuro já foi tratada a ponto de ser vulgarizada pelo cinema zilhões de vezes. Nesse sentido, o teatro, arte bem menos “de massa” que o cinema, tem pouco a fazer. O texto foi escrito na ocasião da troca de milênios e, na época de sua primeira produção, os atores escolhidos eram comediantes. Assim, o sucesso obtido naquele momento valeu-se do tema do bug do milênio, quando as pessoas tinham medo de perder todos os dados armazenados em seus computadores. No contexto da situação dramática, o passado foi abolido nesse novo tempo do mundo e é por isso que a fotografia trazida por Grit causa tanto alvoroço. Nesse tempo ficcional da peça, não há computadores, quase não há móveis, a comida é rala. Hoje, 13 anos após 2000, nada disso faz sentido. (Houve, em 2012, uma montagem sem sucesso do mesmo texto em Londres.) O resultado é que os diálogos, frase após frase, estão focados na preocupação de informar ao leitor sobre a situação, suas regras, suas estruturas, esforçando-se para, ciente disso tudo, esse possa “entrar na história”. O esforço é inútil. A situação é tola demais. Os aplausos vêm como uma obrigação.

As interpretações são péssimas. Felipe Vidal (o marido Jams) e Talita Oliveira (a esposa Sara) andam como se fossem robôs na direção cênica de Renato Carrera que, em nada, facilita a fruição, e, ao contrário, lhe traz mais entraves. As vozes vão do normal ao grito, sem exploração de nuances, de entonações, mas negativamente sempre lineares nos dois tons escolhidos. Os olhares são sem expressão, o gestual é pobre. Higor Campagnaro (o visitante Grit) é quem tem as melhores oportunidades do texto, se aproveitando positivamente delas. Como ele vem trazendo o passado, seu personagem poderia ser a possível porta de entrada do público nesse universo de Bond e de Carrera. Não o é. A construção dada a ver pelo ator é enrijecida dentro de um referencial de vítima que não lhe dá nem cor, nem possível história futura. As discussões entre os três são uma ofensa ao bom gosto: tempos mal postos, vozes mal dirigidas, volumes alterados. 

Os demais elementos são mal usados igualmente. A iluminação de Tomás Ribas causa uma sensação burocrática que pode manifestar uma intenção de dar coerência ao todo mas, em função da proximidade do público em relação ao espaço cênico, acaba por ser irritante. Em outros momentos, ela é melodramaticamente ilustrativa (vermelho) ou sem explicação (as luzes quentes da rotunda). O figurino de Flávio Souza tem referências fortes com o século XX, já abandonado há 77 anos, sobretudo “porque o passado foi abolido”. O cenário de Aurora dos Campos (mesa cadeiras, talheres) igualmente. A trilha sonora de Felipe Vidal, com um piano tentando dar o ar de suspense a la Hitchcock, é óbvia, fortalecendo os pontos negativos das articulações sem, nem mesmo, dar margem para a comédia. E, como todos os elementos estão mal postos, há aí o sinal de que tudo parte de uma concepção equivocada da direção. 

“Nenhum” faz dupla com “Garras curvas e um canto sedutor”, ambas produzidas pela Complexo Duplo. A segunda é bem melhor felizmente. Fique com ela. 

*

Ficha técnica:
Texto: Edward Bond
Tradução: Felipe Vidal
Direção: Renato Carrera

Elenco:
Felipe Vidal
Higor Campagnaro
Talita Oliveira

Preparação corporal: Felipe Khoury
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurinos: Flávio Souza
Direção Musical: Felipe Vidal
Programação visual: Fernando Nicolau
Ilustração: Arthur Santiago
Assessoria de imprensa: Bianca Senna – Astrolábio Comunicação
Fotos: Daniele Avila Small e Raphael Cassou
Assistência de cenografia: Ana Machado
Operação de luz: Raphael Cassou
Operação de som: Débora Grün
Contrarregra: Alan Lima Mendonça
Produção executiva: Dâmaris Grün
Direção de produção: Daniele Ávila Small e Talita Oliveira
Administração: Fomenta Produções
Realização Complexo Duplo e Projéteis – Cooperativa Carioca de Empreendedores Culturais
Idealização do projeto: Daniele Avila Small, Felipe Vidal e Talita Oliveira

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