segunda-feira, 29 de julho de 2013

O patrão cordial (SP)

Ney Piacentini em excelente trabalho de interpretação

Foto: divulgação

A excelência da delicadeza

Talvez a principal qualidade do belo espetáculo “O patrão cordial” seja a sua simplicidade aparente. Quanto mais simples o teatro parece, mais sabemos o quanto ele é complexo e é nisso, e não na forma, que está o ideal do teatro épico de Brecht. Dirigido por Sérgio de Carvalho, esse novo espetáculo da Companhia do Latão, de São Paulo, surge a partir de duas obras literárias: “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda; e “O Senhor Puntila e seu criado Matti”, do dramaturgo e diretor alemão Bertolt Brecht. Vale ver o quanto os recursos cênicos são poucos mostrados, o que faz com que as relações que unem os personagens através do espaço e do tempo sejam tão essenciais. Vale aplaudir também a interpretação do conjunto de atores, mas sobretudo de Ney Piacentini (Cornélio) e de Helena Albergaria (Vidinha). A peça está em cartaz até o próximo domingo (28 de julho) no CCBB do Rio de Janeiro onde estreou. 

Alguns estrados, lona verde no piso, figurinos sem grandes marcas aparentes, trilha sonora comentando as cenas sem chamar muito a atenção. Muitos silêncios, olhares fortes, pausas cheias de palavras não ditas. As relações de cordialidade e de tirania se misturam assim, construindo os personagens humanos cuja história se conta. Cornélio (Piacentini) é dono de uma fazenda com muitas cabeças de boi. Quando bebe, faz promessas, afaga os empregados, contrata pessoas. Quando sóbrio, a barbárie impera e a divisão das classes se faz ver. Quando ele é ele mesmo e quando está interpretando um personagem? Essa dúvida paira sobre estruturas muito sutis e, por isso, tão belas. Eis aí um cristal muito delicado. 

A direção de Sérgio de Carvalho pontua a cena com muita segurança e sem nenhum histrionismo. A história forte parece se contar sozinha: movimentos leves, gestos bem postos, excelente articulação entre trocas de cenário e de luz e entre evolução da trilha sonora e dos diálogos. Carlos Escher interpreta o sensível Descalcinho, Rony Koren dá delicadeza ao rústico Chalton, Renan Rovida, com muita sutileza, faz múltiplos personagens, cada um repleto de fortes características. Ricardo Monastério (Noivo), Adriana Mendonça (Criada), Rogério Bandeira (Motorista) e principalmente Helena Albergaria (Noiva) dosam bem as informações que “soltam” ao público a respeito de seus personagens, contribuindo, dessa forma, com o bom ritmo e a ideal sustentação para a narrativa. Ney Piacentini está excelente na construção de Cornélio, figura em torno da qual gira toda a história. Ele é o homem ao qual devemos amar e que também odiar, de quem temos que nos defender e o qual devemos fazer surgir. Diferente do épico literário, o épico teatral de Brecht é a manifestação da cruzada que o espectador faz diante da história a que se assiste (e não a aventura do herói na trama que se lê). E atravessar esse tortuoso caminho, porque muito cheio de contradições, é a delícia de se ver essa peça, de participar desse medo do chefe e de vibrar com esse carinho do patrão. 

Os demais elementos - trilha sonora (Martin Eikmeier), iluminação (Melissa Guimarães), elementos cenográficos e figurinos (Cássio Brasil) - são todos bem articulados justamente porque se apagam com a força das relações e se deixam ver quando é necessário respirar para um novo ato. O teatro assim se faz todo em uma só peça. Brilhante!

*

FICHA TÉCNICA

Encenação e dramaturgia: Sérgio de Carvalho

Elenco:
Adriana Mendonça
Carlos Escher
Helena Albergaria
Ney Piacentini
Renan Rovida
Ricardo Monastero
Rogério Bandeira |
Rony Koren

Direção musical e composição: Martin Eikmeier
Execução musical: Alessandro Ferreira e Martin Eikmeier
Cenografia e Figurinos: Cassio Brasil
Assistência de Cenografia: Ana Rillo e Tarsila Martins Maia
Cenotecnia: Waldomiro Paes
luminação: Melissa Guimarães
Operação de iluminação: Larissa
Assistência de direção e dramaturgia: Paula Bellaguarda e Sara Mello Neiva
Produção: João Pissarra

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