segunda-feira, 1 de julho de 2013

Valsa n.6 (RJ)

Premiado figurino de Teca Fichinski é negativamente
hermético demais
Foto: divulgação

Morta Sônia, o teatro está vivo

Sai-se do monólogo “Valsa n.6”, de Luisa Thiré, dirigido por Claudio Torres Gonzaga, entendendo outra coisa que não o que Nelson Rodrigues se propôs a dizer. No texto, há muitas personagens, todas elas “pedaços de memória” que chegam à cabeça de Sônia, personagem que acabara de falecer. Tão logo assassinada, a primeira coisa que lhe vêm à mente é a Valsa n.6, de Chopin. A segunda é o nome Sônia. Assim, as memórias vão chegando, ganhando forma, se tornando mais bem estruturadas, mais consistentes. A peça é, então, a aventura de Sônia por sobre si mesma. Não é isso que se vê em cena infelizmente e informando quem as vive de sua atual situação. Em se tratando dessa montagem, esteve em cartaz no palco do Teatro Dulcina uma concepção teatral do texto que se utilizou da farsa para enrijecer os personagens, para mostrar o talento da atriz em interpretar várias figuras e para fazer rir, tudo isso infelizmente. Ao final, o espectador não tem instrumentos para identificar que a narradora desse percurso é a própria Sônia que auto-reconhece e sai perdendo. 

É interessante ver o quão bem Thiré tira proveito do texto rodrigueano para expor seu talento em construir personagens. Assiste-se ao médico, à mãe, ao pai, a Paulo, à Sônia e, também, a essa personagem que não se sabe quem é. O jogo é cômico, o espetáculo é, até certo ponto, divertido. No entanto, o texto não oferece justificativas para a farsa ou para a comédia, mas para, como é de costume em Nelson, um personagem realista psicológico em uma situação melodramática. É fácil identificar que estamos dentro de Sônia, colhendo aqui e ali pequenos rastros de memória, cujo sentido se constrói aos poucos. Também é possível entender sem entraves, lendo o texto, que Sônia, uma menina de 15 anos, acabou de ser esfaqueada pelas costas por um homem que ela não sabe quem é, mas cuja voz ela escuta até desfalecer: “Toque! Toque mais! Sempre!” O que é difícil de explicar o porquê Claudio Torres Gonzaga dispensou todos esses motivos que dão coesão e coerência e permitem ver o todo de forma plenamente articulada, preferindo, infelizmente, investigar o texto, experimentando-o a partir de conceitos não tradicionais e, que pena!, inconsistentes. 

A Sônia de Luisa Thiré é pouco vista e, quando sim, está mais para alguém que recebe a presença de outras pessoas do que para alguém que se lembra de si própria. O jogo não tem profundidade, embora evolua a partir do momento em que esses encontros vão acontecendo. O cenário de Sergio Marimba é uma coleção de objetos que, espalhados pelo palco, apenas ilustram, piorados por notas musicais suspensas que, pelo modo como estão postas, é difícil de identifica-las como tais. O figurino premiado de Teca Fichinski critica a peça na medida em que impõe à encenação uma movimentação que lhe é fria. A impressão é de que a concepção de figurino veio antes da peça, de jeito que o espetáculo justifica a roupa e não o contrário. Tomás Gonzaga tem excelente participação nessa montagem de “Valsa n.6”, pois é o único ponto em que, talvez porque mais coerente com o texto original, oferece mais confortabilidade à assistência. Os sons dissonantes que parecem “afogar” a valsa de Chopin apontam para um universo em cujo centro está uma pessoa perdida em uma nova vida (ou em uma recém morte). 

Escrita em 1951, “Valsa n.6” é um texto teatral que, a cada nova montagem, oferece possibilidades diversas ao encenador, afinal, se Sônia está morta, o teatro está vivo. Sem tratar de erros e de acertos, porque nesse caso estaríamos comparando uma produção ou com outras ou com um suposto manual de “como fazer”, é possível dizer que eis aqui uma investigação mal sucedida, mas que tem méritos enquanto exercício artístico. E só. 

*

Ficha técnica:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Claudio Torres Gonzaga
Atuação: Luisa Thiré
Figurino: Teca Fichinski
Trilha Sonora: Tomás Gonzaga
Iluminação: Luiz Paulo Nenén
Cenário: Sérgio Marimba
Direção de movimento: Kika Freire

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