domingo, 4 de agosto de 2013

A vingança do espelho (RJ)

Betty Goffman em cena: imperdível
Foto: divulgação

A versatilidade imperdível de Betty Goffman: uma linda homenagem à Zezé Macedo

“A vingança do espelho” é um espetáculo muitas vezes especial. Primeiro, porque é uma linda homenagem a uma das maiores estrelas do teatro e do cinema nacional, a atriz Zezé Macedo (1916-1999). Segundo, porque é uma oportunidade de conhecer um trabalho de interpretação que é excelente em sua vasta versatilidade. Betty Goffman, no papel de Zezé, é um prazer imperdível. Depois, pela força com que a história é contada em cena pela dramaturgia, pela forma como a cena dirigida por Amir Haddad está bem construída, como todos os elementos bem se articulam. Idealizado pelo produtor Eduardo Barata, o espetáculo está felizmente de volta a cartaz no Teatro Leblon, na zona sul carioca. Que tenha vida longa! 

Zezé Macedo estrelou 108 filmes nacionais, comédias que, embora desprezadas pela crítica, tiveram grande público. “A vingança do espelho” diz respeito ao seu sucesso. Ainda criança, na pequena cidade fluminense de Silva Jardim, seu sonho de ser atriz foi abafado por ela não ser considerada “bonita” o suficiente. Dona de uma carreira deslumbrante, sua vida é uma prova de que os presságios não foram (são) invencíveis. Uma prova para si e uma prova para os outros, para quem, plateia desse espetáculo, assiste à essa vida cheia de desafios, com muitos fracassos, mas incontáveis vitórias. 

O texto de Flávio Marinho está bastante bem articulado com a direção de Amir Haddad e com o cenário de Afonso Tostes. A questão é a seguinte: no início do espetáculo, o espectador se vê diante de uma dúvida perigosa. Sobre o quê é “A vingança do espelho”? Sobre atores ensaiando uma peça sobre Zezé Macedo ou sobre Zezé Macedo? O público tem várias marcas, as araras de figurino, as rotundas e bambolinas levantadas, os diálogos de discussão entre os personagens-atores, a repetição da palavra “ensaio”, para estar certo (leia-se: seguro) da primeira opção. Acontece que, com o público bem posicionado diante da obra, a catarse está pronta para acontecer, isto é, o acordo de acreditar no contrato estabelecido com a narrativa pode, então, acontecer. E acontece. A história de Zezé Macedo brota das entranhas do teatro e se materializa na relação palco e plateia. O resultado é excelente. 

Todo o elenco, de um modo geral, apresenta bons trabalhos. Marta Paret, Antônio Fragoso e Tadeu Mello, em papeis menores, contribuem com potência, com força, com riqueza de detalhes, com profundidade na sucessão de personagens que o trio interpreta. Mohamed Harfouch tem o grande desafio: o de a) dar unidade para os elementos cênico-dramáticos e b) conduzir a fruição, mantendo suspensa a atenção do público na história que está sendo contada. O objetivo é plenamente atingido haja vista a sinceridade bonita com que o ator dá vida ao personagem do Diretor Omar. Betty Goffman tem aqui um dos melhores trabalhos de sua carreira, situando a produção como um dos grandes acontecimentos da produção teatral carioca dos últimos anos. Na mesma peça, a atriz consegue fazer o público gargalhar (em especial, na cena da plateia) e, logo em seguida, ir às lágrimas. As difíceis cenas de debate entre os atores do grupo de Omar fazem refletir, os sensíveis quadros de declamação de poesia são sustentados com dignidade, tempo, detalhes e contornos. Goffman dá forma para a personagem de jeito que não é possível quem não se apaixone por ela: pela história de Macedo, pela própria Macedo e, também, pela atriz Goffman. 

“A vingança do espelho” tem excelente uso de movimentação dos atores, de acessórios, de vídeos, de trilha sonora e de iluminação. O desenho de luz de Paulo Denizot cria quadros cujo lirismo ressaltado faz dupla com os poemas escritos por Zezé e publicado em seus quatro livros. São grandes momentos da peça a ser destacados. 

Conhecida pela interpretação do personagem “Dona Bela” no programa humorístico da TV Globo “A escolinha do Professor Raimundo”, Zezé Macedo foi desprezada pela crítica ao longo de sua carreira, recebendo um único troféu, o kikito de melhor atriz (Festival de Cinema de Gramado/RS) em 1986 pelo filme “As sete vampiras”, de Ivan Cardoso. Aplaudir essa homenagem a ela, além de ser um prazer espontâneo, é um dever. Espetáculo imperdível! 

*

FICHA TÉCNICA
Texto: Flávio Marinho
Direção: Amir Haddad

Elenco: Betty Gofman, Mouhamed Harfouch, Tadeu Mello, Marta Paret e Antonio Fragoso

Cenário: Afonso Tostes
Figurino: Fernanda Fabrizzi
Programação Visual: Luiz Stein Design
Iluminação: Paulo Denizot
Trilha Sonora: Alessandro Perssan
Idealização: Eduardo Barata
Produção: Barata Comunicação

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