sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Espelunca (RJ)

Adriano Pelegrini e Roberto Rodrigues em espetáculo
dirigido por Breno Sanches
Foto: divulgação

Nada menos que excelente

Depois de Beckett, a figura de Carlitos, personagem de Charlie Chaplin, nunca mais foi a mesma. O espetáculo “Espelunca”, do Grupo Milongas, traz o que há melhor na atualização do gênero clown: tão contemporâneo, tão humano, tão sublime. Engraçado e ao mesmo tempo profundamente enternecedor, essaa comédia proporciona identificação direta: há uma situação que existe além da vontade daqueles que nela estão envolvidos. Há ações, mas as reações geram acontecimentos sem que esses retirem os personagens do contexto em que estão tragicamente envolvidos(ou presos). “Espelunca”, em cartaz no Bar Barthodomeu, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, nas segundas-feiras de agosto, é como uma história que foi muito triste quando aconteceu em nossa vida, mas que hoje nos faz rir. E é aí que está toda a complexidade da vida do homem de hoje. Vale muito a pena ver! 

O Garçon (Adriano Pellegrini) vive para servir e sem servir sua vida não faz sentido. Atirado às moscas, o restaurante onde trabalha não permite que ele seja ele mesmo. O asseamento, o cuidado com os clientes, o cardápio, a adega, o histórico do lugar fundado por seus antepassados, tudo está esperando para ser algo além do mero existir. E o tempo passa inevitavelmente sem que nada que se faça pareça fazer com que a história mude. Então, talvez por acaso, há uma redenção: chega um Cliente (Roberto Rodrigues), um pobre músico acordeonista, faminto e errante. Esse “nada”, esse “zero à esquerda” é tudo aquilo que poderá fazer o Garçon ser alguém, mas o Cliente não sabe que tem toda essa responsabilidade. Em uma sucessão de peripécias e reconhecimentos aristotélicos, reviravoltas, atrapalhadas, pastelonadas e momentos dramáticos, “Espeluca” desvenda a alma humana em um corte muitíssimo afiado. Gargalha-se como opção para não chorar. 

Pellegrini e Rodrigues, dirigidos por Breno Sanches, em dramaturgia assinada por esse último, estão excelentes em suas construções, vencendo, no caso da produção vista no Barthodomeu, o terrível desafio da luz e do ambiente local disponível para a apresentação. (O teatro carioca sofre o grave problema de espaços adequados para se apresentar. Os espaços cênicos disponíveis, sejam públicos ou privados, estão constantemente com agendas lotadas, embora nem sempre suas plateias estejam cheias dialeticamente.) “Espelunca” careceria de um lugar cujo infinito fosse mais marcado no ótimo cenário previsto por Arlete Ruas e por Thaís Boulanger. Um desenho de iluminação privilegiaria a obra houvesse no espaço meios para isso. Se, apesar desses desafios, “Espeluca” agrada tanto, quanto melhor seria se visto em um lugar realmente teatral. A obra tem excelente ritmo, ótimo uso da trilha sonora (Adriano Pellegrini, Breno Sanches, Matheus Rebelo e Roberto Rodrigues), essa plenamente articulada com a movimentação dos atores, e trabalhos de interpretação cujas expressões (Rodrigues melhor que Pellegrini nas marcas faciais) são potentes para contar a história e, ao mesmo tempo, falar sobre ela. 

Sai-se do Barthodomeu, muito melhor do que se entrou: mais feliz, mas também mais humano. É Carlitos, mas é também Winnie ou Gogo (Beckett), Cabíria (Fellini) ou Pedro Malazartes (Mazzaropi), ganhando sua versão carioca cada vez e cada vez mais conectando o homem com sua essência. Nada menos que excelente. 

*

Ficha Técnica
Direção e Dramaturgia: Breno Sanches
Elenco: Adriano Pellegrini e Roberto Rodrigues
Trilha Sonora: Adriano Pellegrini, Breno Sanches, Matheus Rebelo e Roberto Rodrigues
Edição de Som: Léo Brasil
Cenografia, Figurinos e Adereços: Arlete Rua e Thaís Boulanger
Assessoria de comunicação: Lyvia Rodrigues

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