quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Antes da chuva (RJ)

Luan Vieira e Bruna Portella em excelentes trabalhos
Foto: divulgação

Belíssimo!!!

“Antes da chuva”, novo espetáculo da Cia Cortejo, vêm para a Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana com um ator e uma atriz, um belo desenho de luz, uma trilha sonora discreta e “nada mais”. A aparência de simplicidade, forte e definitiva, é, na verdade, um grande e poderoso muro que esconde uma carga imensa de complexidade que o espectador mais atento poderá contemplar. Atrás desse vazio aparente, há uma concepção bastante bem estruturada que é responsável pelo belíssimo trabalho diante do qual o público do Rio de Janeiro agora pode estar. Dirigido por Rodrigo Portella, o espetáculo parte de duas obras literárias: os livros “O Leitor” (Bernhard Schlink) e “O amor nos tempos do cólera” (Gabriel Garcia Márquez), além das histórias pessoais do casal de atores Bruna Portella e Luan Vieira. O lugar onde ele chega, porém, é único e totalmente seu, dividindo apenas com a história do teatro os méritos do uso de sua linguagem. 

Ana e Aramis (Portella e Vieira) são dois jovens de uma cidade pequena do litoral, esquecida por todos. Conheceram-se um dia em que ele passou embaixo da janela dela e, desde então, um sempre esteve presente na vida do outro. O amor da juventude quase se tornou casamento não fosse a obrigatoriedade dele do cumprimento do serviço militar. Ao voltar, descobriu-a casada com outro e as décadas que se seguiram foram de espera. A espera é o material de que é feito as duas obras literárias citadas, em que seus autores aprisionam seus protagonistas, fazendo-os gastar os anos a construir planos para quando a liberdade chegar. E ela chega acompanhada de algumas surpresas pelas quais o leitor e, aqui no caso, o espectador espera com ansiedade. 

Em uma determinada cena do espetáculo, quase no fim, Aramis, o herói que esperou por Ana durante toda a sua vida, fica sabendo de algo essencial a respeito de sua amada idílica. Quando isso acontece, para Ana, o golpe também é mortal, já que ela fica, então, sabendo que nem mesmo por Aramis fora amada de verdade. Descrevo esse momento ao meu leitor para chamar a atenção para o abismo que Rodrigo Portella faz nascer no curto espaço entre os dois atores no palco completamente vazio. De um lado, vemos uma pessoa completamente estática diante da própria vida e, de outro, temos outra pessoa sem meios de alcança-la. Todos os sentidos que levam até esse ponto são os responsáveis por esse momento de pura poesia cênica. 

No início da encenação, Bruna Portella parece estar interpretando negativamente “uma oitava a mais” que Luan Vieira. A atriz parece estar forte demais, intensa demais, com gestos e expressões largas em excesso. A impressão felizmente logo se mostra falha. Faz parte de Ana essa grito interno por viver a vida em sua plenitude e é preciso que ela seja expressa assim para fazer oposição a Aramis, interpretado por Luan Vieira. Esse é tímido, franzino, gosta de poesia, sente-se mais confortável dentro dos próprios sonhos do que na vida real, como mais tarde descobriremos em totalidade. Os movimentos de proximidades e de distanciamentos entre os dois, ao mesmo tempo em que exibem suas diferenças, expõem o material necessário para o avanço da história, os conflitos que fazem a narrativa girar. 

Na encenação dirigida por Rodrigo Portella, como já se disse, não há troca de figurinos e nem de maquiagem. O casal de jovens atores, assim, permanece com as mesmas características apesar das décadas que se passam na história de seus personagens. O problema é resolvido de um jeito sutil e bastante inteligente. Na dramaturgia, os personagens se multiplicam em si, sendo que os narradores usam sempre o tempo verbal futuro do pretérito (faria, cantaria, beijaria,...). A escolha mostra uma intenção do falante que não se concretizou no presente e talvez também não se concretize no futuro, o que, ainda que situe os vários personagens outros em um lugar de ficção paralela, situa antes os narradores em um ponto fixo, ali, diante do público. O gesto é simples, mas os efeitos significativos são grandiosos, o que prova o talento da Cia. Cortejo em bem usar as ferramentas acumuladas pela história do teatro e construir esse muro que esconde a complexidade para convidar o público a participar de seu "jardim".

São extremamente positivos também os usos da iluminação e da trilha sonora. Junto com os excelentes trabalhos de interpretação, o palco se preenche de cores e de formas, mas mais que isso: de intensidades. O ritmo da música, mas também seu volume, é usado de forma múltipla inteligente, enquanto a iluminação faz centrar a atenção na poética das formas que os atores desenham no palco vazio. Vazio aliás é metáfora excelente para o momento final que já, arbitrariamente antecipamos. 

Carregado de poética, “Antes da chuva” exibe, sobretudo, duas excelentes interpretações. A força e a criatividade de Bruna Portella equilibra-se com a delicadeza e a minuciosidade de Luan Vieira, os dois em grandes trabalhos de atuação. Dos usos das expressões corporais e dos tempos à forma como as embocaduras dão a ver um texto em perfeita dicção, temos aí um espetáculo que merece ser visto em muitas temporadas. Obrigado! 

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FICHA TÉCNICA

Texto: Rodrigo Portella | Direção: Rodrigo Portella e Leo Marvet | Elenco: Bruna Portella e Luan Vieira | Figurinos: Bruno Perlatto
| Trilha Sonora: Cia Cortejo | Músicas Originais: Felipe Chernicharo | Iluminação: Rodrigo Portella | Preparação Vocal: Jane Celeste Guberfain | Assistente de Figurino: Camila Domingues | Produção: Trilhos Produções Artísticas | Produção Executiva: Larissa Gonçalves | Realização: Cia Cortejo

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Garagem (RJ)

Gustavo Falcão e Luiz Carlos Miele em cena
Foto: divulgação

Redemoinho de acontecimentos: a boa dramaturgia de Gustavo Paso

“Garagem” tem vários méritos, mas talvez o texto seja o maior deles. Juan, um advogado falido, tem como única alternativa a de morar em uma vaga de garagem no prédio onde morava com a esposa e com os filhos. O fato é perturbador: os moradores do prédio, cujo síndico é seu ex-sogro, não se conformam a situação; a ex-esposa ainda não acredita que esse é o fim do seu casamento de vinte anos; a mídia quer disso tirar vantagem. Protagonizado pelo ótimo Gustavo Falcão, a peça, que tem texto e direção de Gustavo Paso, acontece em uma garagem de verdade (a do Shopping Rio Sul), com cenas intercaladas com a passagem de carros e a chegada de elevadores. O elenco, que é numeroso, entre bons e maus trabalhos, se alterna na construção de figuras que expressam um interessantíssimo ecossistema, ponto de partida para muitas reflexões. Vale a pena ver e refletir sobre a proposta. 

Juan faz uma ótima dupla com o príncipe Michkin, de “O idiota”, de Dostoiévski. Depois de anos passados em uma clínica para a cura de sua idiotia (epilepsia), o russo volta a sua terra natal a fim de receber a herança deixada por seu pai e recomeçar a vida. Ingênuo, não percebe as muitas tramas que são feitas em seu entorno após a sua chegada. Nesse sentido, a presença de Michkin, e não propriamente um ato seu, em Petesburgo é o que causa a ação. Em “Garagem”, algo similar acontece: Juan apenas está na garagem, mas sua presença ali faz emergir uma série de acontecimentos a que assistimos através dele: casais se dissolvem, casais se formam, crimes são cometidos, pessoas se aposentam e outras começam em suas carreiras. Juan é a raiz desse redemoinho, aquele que dá sentido para esse desfilar de tantas histórias no ótimo texto de Paso. Nenhum fato é concretamente o motivo do subsequente, mas todos se unem, como em “efeito borboleta”, por estarem, de alguma forma, ligados a Juan: do cachorrinho que teve seu pelo queimado na última ida à Petshop ao encontro do antigo porteiro com sua velha namorada. Em cena emblemática, há uma boa referência ao filme “Casablanca”. Na obra de Michael Curtiz, Rick (Humphrey Bogard) reencontra Ilsa (Ingrid Bergman) no Marrocos. Ela e seu atual marido estão lá para conseguirem vistos ilegais e com eles fugirem para América, longe de onde está acontecendo a guerra. O encontro faz reacender o amor vivido tempos antes em Paris e a conclusão célebre é a de que “We`re always have Paris” (Nós sempre teremos Paris). A capital francesa, nesse contexto simbólico do filme, deixou de ser apenas uma cidade, mas um lugar na memória e no coração onde os dois sempre estarão juntos. Em “Garagem”, a garagem é esse lugar onde tudo parece acontecer: pessoas ficam nuas, cantam, choram, dormem, fazem jantares românticos, entrevistam e são entrevistadas, reveem o passado, os parentes e decidem o futuro. O golpe final, que talvez fosse melhor acontecer antecipadamente no início, vem após um belíssimo ápice, em que Juan, 18 anos depois de ter parado de beber, resolve tomar um porre. Nessa cena, o personagem parece, enfim, ter se tornado metáfora do que vê: a vida é fluída, líquida, sem causa e nem efeito, mas apenas uma justaposição de acontecimentos nem sempre uns subordinados a outros. 

Entre os dezessete atores que compõem o elenco (em tempos de “vacas magras”, a união de um elenco tão numeroso é outro ponto positivo da produção), destacam-se positivamente alguns trabalhos. É o caso de Eduardo Tornaghi (o síndico Sr. Ávila), de Elea Mercurio (Alicia Ruiz), de Felipe Miguel (Nícolas e Ladrão), de Luiz Carlos Miele (o porteiro Santiago), mas principalmente de Luciana Fávero (a ex-esposa Rosa) e de Gustavo Falcão (Juan). Neles é possível ver verdade nas cenas que, propositalmente, acontecem em uma garagem que existe além dessa narrativa. Ao público, estão dadas marcas que fazem ver decisões sendo tomadas ao longo das conversas e não apenas a fria execução de marcas. Destaca-se positivamente também a rápida, mas definitiva participação de Cecília Lage (Tia Yolanda), cujo carisma torna em horas os poucos minutos que ela fica em cena. Dody interpreta o crossdresser Teodoro Tavarez, mas infelizmente, sua presença é fria apesar das roupas, das cenas musicais e da relação com a filha. Ao lado de André Poyart (Diego), ele é quem menos se relaciona com o protagonista cenicamente, ou seja, seu personagem parece ser pouco ou nada afetado pela presença de Juan e, portanto, desnecessário na narrativa ou apenas ilustrativo. 

São excelentes as concepções de cenário (Teca Fichinski e Paso), de figurino (Fichinski) , de iluminação (Paulo César Medeiros) e de trilha sonora (André Poyart e Felipe Miguel), dando a ver um todo bem articulado, construído de forma potente e bem estruturada: com realismo, com possíveis metáforas, com fácil identificação. O mérito como um todo porém é da direção de Gustavo Paso que, apesar de alguns momentos de queda de ritmo, mantém regularmente o ritmo. Vale dizer, para exemplificar, que as cenas em que Gloria (Dai Bomfim) e Diego (André Poyart), e Jaime Berenguer (Lacerda) e Thalita Lippi (Mila) discutem a relação estão longas demais, porque há pouco envolvimento com Juan. Por outro lado, estão longas igualmente as entre Juan e Rosa e entre Juan e Santiago, essas, talvez, devido ao certo desconforto sofrido pelo público não instalado tão confortavelmente como estaria em um tradicional teatro. 

Projeto interessante, cujos alguns méritos foram citados, “Garagem” faz boa participação na programação de teatro carioca. Evoé. 

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Ficha técnica:
Texto e direção artística: Gustavo Paso
Figurinista: Teca Fichinski
Cenário: Teca Fichinski e Gustavo Paso
Iluminador: Paulo Cesar Medeiros
Trilha: André Poyart e Felipe Miguel
Desenho de som: Rossini Maltoni
Atores: Gustavo Falcão, Luciana Fávero, Eduardo Tornaghi, Luiz Carlos Miele, Nina Morena, Thalita Vaz, Thalita Lippi, Antonio Ysmael, Cecília Lage, Daí Bonfim, Dody, Eléa
Mercúrio, Ericka Bayerl, Felipe Miguel, Jaime Berenguer e Letícia Lobo
Operação de som: Jaqueline Winter
Operação de luz: Boy Jorge
Operação de vídeo: Tomas Gravina
Contrarregra: Eugenio Brodbeck
Direção de produção: Luciana Fávero
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Participação Especial em vídeo: Lucinha Lins
Realização: Paso d`arte & CiaTeatro Epigenia

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Elefante (RJ)

Igor Angelkorte, Chandelly Braz,
Samuel Toledo e Lívia Paiva em cena 
Foto: divulgação

De Igor Angelkorte, “Elefante” é excelente

“Elefante”, de Igor Angelkorte, fala sobre a beleza da velhice com coragem, com profundidade, de forma sensível e bela e, o melhor, sem pretensões. Para quem não leu a sinopse, o tom coloquial da abertura da peça causa um estranhamento, porque estamos diante de um cenário em que mesa e bancos se referem a grandes ossos abandonados. Em seguida, a opção estética por esse tom de voz é justificada: o tema não é alguma abstração teórico-acadêmica, mas de uma recorrência que é cotidiana. Todos, hoje em dia até os jovens, estamos diante da velhice, fugindo dela com academias e suplementos alimentares, regras de não-fumar, não beber, não jantar após às 18horas, e com uma gama de cremes, de cirurgias plásticas e potencialidades no uso do photoshop. Em cartaz no Sesc Arena Copacabana, eis um espetáculo tocante, cujos valores estéticos são alcançados pela limpeza de diálogos rápidos e bem ditos, cenas curtas e bem escritas (literária e cenicamente) e pelas boas interpretações. Uma produção marcante, porque inteligente e, talvez por isso, necessária. 

Em um tempo que é daqui há uns cem anos, os pais são convidados para jantar na casa do filho e de sua namorada. Francisco, o filho, acabou de chegar de uma viagem a um lugar distante chamado Sêneca, trazendo um peixe pescado por ele próprio. É quando os convidados se assustam com o achamento de uma espinha dentro da comida, temendo o perigo de morrerem engasgados. (Se hoje a prática de comer filé de peixe é mais difundida do que há dez anos, o que se dirá a respeito de daqui a um século?) Potente, a cena inicial apresenta as bases da excelente dramaturgia assinada por Walter Daguerre a partir do argumento de Angelkorte. Nesse contexto fictício, o mundo já desconhece os alimentos puros, preferindo os industrializados apenas. As pessoas têm um terrível medo da morte. Remédios, como calmantes, têm seu uso bastante vulgarizado. A natalidade é assunto controlado pelo governo, de forma que, para engravidar, é preciso uma demorada autorização. E mais: nesse tempo, a morte é combatida com uma política governamental de uso de uma pílula que aumenta bastante a longevidade. Francisco, personagem interpretado por Angelkorte, cuja forma física aparenta estar entre os 20 e 30 anos, está prestes a fazer 65 anos. Seus pais, interpretados por Samuel Toledo e por Chandelly Braz, os dois atores também entre 20 e 30 anos, já passaram dos cem anos. Assim, a idade dos intérpretes versus a idade de seus personagens é marca fantástico-realista que irá movimentar a roda do discurso que “Elefante” propõe. Francisco quer parar de tomar a pílula e mudar-se para Sêneca, lugar onde ele se encontrou, pela primeira vez, com a velhice, com a valorização da própria história descrita nas rugas do corpo, com um novo olhar por sobre as relações humanas e dos homens com os processos naturais de vida e de morte. Sua decisão de partir, porém, não ficará impune. De um lado, seus pais e sua namorada (Lívia Paiva) o rejeitarão para sempre. De outro, seu corpo entrará em decomposição e esse jovem sexagenário encontrar-se-á com a doença, com a fraqueza, com a debilidade física. 

Dirigido por Igor Angelkorte, “Elefante” usa o aparato sígnico-teatral com maestria. Em primeiro lugar, coloca em xeque a oposição entre a idade dos atores e a idade dos personagens, fazendo vir à luz informações e questionamentos que são essenciais à fruição. O tom coloquial dos diálogos, que em nada são fracos, mas, ao contrário, cheios de vida e com ótimas intenções, finca a narrativa no realismo (positivamente ao lado dos figurinos de Ronald Teixeira), deixando sobrar para o fantástico a proposição de um mundo localizado daqui há cem anos. Nesse sentido, pode-se dizer que, no seu ferramental estético, o gênero realismo fantástico, quase sempre usado de forma superficial, encontra aqui uma atualização excelente.

O belíssimo cenário de André Sanches, fazendo referência a ossadas, une “Elefante” à cena dos coveiros em “Hamlet”, quando o príncipe da Dinamarca, com uma caveira entre as mãos, se pergunta sobre a necessidade dos enfeites se todos nós, um dia, acabaremos daquele jeito. 

“Onde foram parar as sutilezas, os equívocos, os casos, as enfiteuses, todas as suas chicanas?”(...) “Onde estão agora os chistes, as cabriolas, as canções, os rasgos de alegria que faziam explodir a mesa em gargalhadas? Não sobrou uma ao menos para rir de tua própria careta? Tudo descarnado! Vai agora aos aposentos da senhora e dize-lhe que, embora se retoque com uma camada de um dedo de espessura, algum dia ficará deste jeito.” (Shakespeare. Hamlet. Ato V. Cena 1) 

Dessa forma, temos as partes da narrativa sendo apresentadas aos poucos, mas o tema sempre presente, imanente, exposto.

Excelente também é o desenho de luz de Renato Machado, cuja criação complementa o cenário na arena do Sesc Copacabana. Os recortes de foco de Machado, centralizam as cenas, concentram a atenção em meio à amplitude do espaço cênico. Em determinado momento, além disso, ratifica o protagonismo do personagem Francisco, fazendo com que assistamos à peça à meia luz, situando o espectador no ponto de vista dele sobre o mundo, em um excelente uso desse elemento visual. 

Quanto às interpretações, todos os trabalhos são bastante positivos, mas merece especial destaque o trabalho de Fernando Bohrer. A sensibilidade com que o ator dá a ver sua participação é tocante, contagiante, carismática. A partir dos seus ótimos usos dos tempos, das entonações, da movimentação, a catarse é imediatamente estabelecida, unindo “Elefante” às vidas além da peça. Promovendo uma confluência entre a arte, o tempo presente e o futuro da humanidade e de cada um de nós em nossa velhice, Bohrer é símbolo da excelente articulação que essa produção da Probástica Companhia de Teatro traz. 

“Elefante” tem como maior mérito a impressão de simplicidade. Sabemos que a movimentação de uma estrutura artística é sempre algo complexo no âmbito de todas as suas partes, mas a sensação de simplicidade, às vezes, é fundamental. Com uma encenação rápida e profunda, um jogo entre elementos visuais e interpretações econômico e pujante e um tema cada vez mais essencial, a peça só tem méritos. Tem que ver! 

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FICHA TÉCNICA

ELENCO: Fernando Bohrer, Chandelly Braz, Igor Angelkorte, Lívia Paiva, Samuel Toledo, Julia Lunnd e Pedro Nercessian

DIREÇÃO E ARGUMENTO: Igor Angelkorte
DRAMATURGIA: Walter Daguerre
ASSISTENTES DE DIREÇÃO: Paula Vilela e Philipp Lavra
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Marcela Casarin
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Renata Stilben
CENOGRAFIA: André Sanches
ILUMINAÇÃO: Renato Machado
FIGURINO: Ronald Teixeira
DIREÇÃO MUSICAL: Felipe Storino
FOTOGRAFIA: Phillipp Lavra
COMUNICAÇÃO VISUAL: Paula Vilela
REALIZAÇÃO: Probástica Companhia de Teatro
PRODUÇÃO: Mãe Joana Filmes e Produções

sábado, 14 de setembro de 2013

Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares (RJ)

Anna Machado é uma grata surpresa
como atriz em "Paraíso Agora!"
Foto: divulgação

Tem que ver!

A Cia. Guerreiro marca a sua participação na programação teatral carioca com um dos melhores espetáculos já vistos em 2013. Na plateia de “Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares”, o espectador sabe que está assistindo a uma produção rara na oferta de espetáculos da capital do Rio de Janeiro. Eis um "espetáculo de grupo”, com a força, a visceralidade, com uma estrutura forte e potente que se manifestam por vias cênicas na narrativa de uma história. Adaptação do célebre longa metragem brasileiro “Prata Palomares”, de 1971, do Teatro Oficina, dirigido por André Faria, com roteiro dele e de José Celso Martinez Corrêa, a peça tem dramaturgia assinada por Íttala Nandi e por Jorge Farjalla, com direção do segundo. Trata da história de dois revolucionários brasileiros a caminho clandestinamente de uma frente de batalha. No caminho, passam por Porto Seguro (não necessariamente a capital nordestina) e se escondem em uma igreja cujo padre acabou de morrer. Enquanto aguardam por um sinal que será transmitido via rádio (ou “Eu vou pra Maracangalha” ou “As curvas da estrada de Santos” será tocada. Cada uma delas indica informações diferentes a respeito da luta), um deles resolve ocupar o lugar do padre morto e, assim, ganhar tempo para a construção de um barco que os levarão até o destino e obter mais informações sobre a revolução. Começa o conflito: mesmo machucados, cansados e famintos, deverão dar continuidade à manifestação ou servir-se das estruturas sociais (e comodidades) já estabelecidas para promover a mudança? Mais emocional, um dos revolucionários quer partir. Mais racional, o outro quer ficar. Por esses momentos, ambos entram em contato com a comunidade local – um prefeito fraco, uma família oligarca, uma polícia burra, um povo que convive entre o catolicismo e o candomblé, os prazeres e os ideais, as necessidades do todo e do indivíduo. O filme foi censurado por anos porque fazia óbvia referência à ditadura militar do Brasil (1964-1985). A peça, por sua vez, encontra eco claro e inevitável nas manifestações de junho último, quando o “Gigante acordou” e o pedreiro Amarildo ainda não apareceu. Nesse sentido, ver “Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares”, além de ser um dever estético, pela beleza de sua construção, torna-se também um dever social, pois a peça sugere a reflexão sobre que tipo de manifestantes somos, os dos milhões de compartilhamentos de imagens e de notícias via redes sociais, os que acampam na frente do palácio do governador, os que se pautam pela mídia estabelecida ou os que vão ao Rock In Rio, à Jornada Mundial da Juventude e à Copa das Confederações como forma de esquecer do que está acontecendo na política nacional? Todos, afinal, temos responsabilidade e o conhecimento não nos dá outra opção. Em cartaz no Galpão das Artes, no Jardim Botânico, além de excelentes interpretações, sobretudo de Anna Machado e de Ipojucan Dias, o espetáculo tem excelente articulação de cenas pela direção firme e criativa de Jorge Farjalla na viabilização da narrativa. É imperdível. 

“Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares” se constrói a partir de uma simbologia potente. A peça se passa, quase toda ela, dentro de uma igreja, lugar onde os homens se encontram com deus e em que Deus, no caso dos católicos, se faz homem (corpo e sangue). Assim, em termos narrativos, o lugar cênico é metáfora para o conflito entre os dois revolucionários (Jorge Farjalla e Ipojucan Dias). Nossa Senhora das Dores (Anna Machado), padroeira da Igreja, é também uma prostituta que tinha filhos do padre agora falecido, sendo ela quem narra a história, primeiro exortando a chegada dos rebeldes, depois expulsando-os dali. O branco que marca A Família de Branco é a irônica menção à burguesia do telefone branco, do cinema neorrealista italiano, aficionada por televisão, língua inglesa, cristianismo e por posses. Os Homens de Preto, soldados, servem à polícia e também fazem relação às regras do comportamento em espaçonaves aéreas e todo o esquema politicamente correto do século XX. O sacristão efeminado, o cego que tudo vê, a índia currada, o prefeito de cetim, o embaixador americano sequestrado, tudo é referência nessa montagem alegórica que a Cia. Guerreiro oferece ao público carioca (e brasileiro). Farjalla, na direção, dá a ver um excelente uso do tempo no jogo das cenas com o espaço e entre os atores. O público, sentado em bancos de igreja, está parcialmente virado para o altar, sem ficar totalmente de costas para o fundo. Cenas acontecem em todos os ambientes de forma que a troca de um quadro para o outro é líquida, fluída, extremamente bem articulada. A quantidade de informações e a potencialidade significativa de cada signo posto em cena são tão grandes que gera-se o sufocamento. Esse, por sua vez, dá a sensação amoral de realismo naturalismo, em que não se julga nada sem considerar o contexto, estando os personagens dentro um ecossistema, nem vítimas, nem culpados, mas seguidores do próprio instinto. O resultado é o julgamento não desse ou daquele personagem, mas do público, atrasando a catarse, mas mantendo a identificação perfeitamente. 

Temos aqui excelentes trabalhos de interpretação. Já citados, Anna Machado (Santa Prostituta) e Ipojucan Dias (Revolucionário) são fortes em cena, corajosos, íntegros. Seus corpos estão disponíveis, seus desenhos de diálogos e de movimentação gestual/corporal conduzem a história com firmeza, sensibilidade. Dias dá a ver um misto de romantismo e de masculinidade que é carismático, vivo, admirável, porque representante do idealismo. Machado, cuja voz tem uso magnífico, é delicada e, ao mesmo tempo, fundante nas cenas de diálogo e de canto. Ao lado deles, temos outras figuras menores, mas definitivamente marcantes. Ana Débora Goal (Índia e Devota de Branco), Eval Fídias (Sacristão), Jaqueline Farias (Mulher Ensanguentada) e Claudio Albuquerque (Tonho), com expressões bem claras, mas não menos sutis, dão ritmo na narrativa, porque mudam de personagens, sem tirar-lhe nem a força, nem a profundidade. Vale um destaque também para Diogo Pasquim e para Mathias Schmeisser (os soldados) que, ao lado do grupo responsável pela trilha sonora (executada ao vivo) são grandes “colunas” para esse todo artístico. 

Jorge Farjalla interpreta o revolucionário que se veste de padre. Como a maior parte do elenco, sua construção é forte, seus usos dos tempos e dos movimentos de olhar são bons, sua presença é firme, importante sobretudo porque é ele quem movimenta a história na medida em que é seu personagem que passeia pelas “galerias sociais” expostas na dramaturgia. Há, no entanto, uma força equivocada na sua interpretação. Farjalla sustenta um personagem uma oitava acima de todos os demais, tomando para si um protagonismo que não é seu. Como apresentado no parágrafo de abertura, o conflito aparece pela oposição entre os dois revolucionários. Ao manifestar um personagem cuja curva dramática praticamente não se vê, temos uma “briga” injusta. Em outras palavras, Farjalla, em seu trabalho como ator aqui, esbarra pouco na situação limite do seu Revolucionário, coloca-o pouco em situação problema, em dúvida, infelizmente. O resultado dessa concepção pesa a narrativa e faz da peça um flerte com a descrição galerista do teatro alegórico medieval, que pode ser referência, mas é meramente museológico enquanto atualização. 

O figurino e os adereços de Rogério França são um dos pontos altos de “Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares”. Das roupas cheias de detalhes estético-significativo-comunicacionais, aos banhos de sangue que também vestem, aos chapéus e sapatos, não há um só detalhe que mereça passar despercebido. Por si só, sua obra conta uma história cuja potência diegética é especialmente magnifíca. No mesmo bom sentido, a trilha sonora interpretada pelo grupo (e não presente na obra fílmica) é excelente em termos de escolhas musicais, mas também de reprodução ao vivo, com destaque para a direção musical e preparação vocal de Mimy Cassiano. São positivos o cenário de José Dias, do qual faz parte a concepção dos bancos onde o público senta e o cheiro de incenso do ambiente, e a iluminação de David Israel e de Farjalla: ainda que com participações mais discretas, os dois elementos formam quadros belíssimos. 

Apesar de alguns discursos serem longos demais e, por isso, se perderem em meio aos sons das palavras e de todos os detalhes com que a peça se dá a ver, o texto (dramático e cênico) de “Paraíso Agora! – Ou Prata Palomares” deve ocupar um lugar bastante especial na lista dos melhores espetáculos do ano. Seu vigor, além de todos os detalhes estéticos já apontados, fazem dessa produção um caminho obrigatório para quem gosta de bom teatro, mas sobretudo para quem está interessado em pensar a cultura de um jeito mais responsável além de se entreter. Aplausos efusivos!

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Ficha técnica
Direção e roteiro musical: Jorge Farjalla
Texto original: André Faria e José Celso Martinez Corrêa
Dramaturgia: Ittala Nandi e Jorge Farjalla

Elenco: Ana Debora Goal, Anna Machado, Claudio Albuquerque, Diogo Pasquim, Eval Fídias, Helio Souto Jr., Ipojucan Dias, Jaqueline Farias, Jorge Farjalla, Matthias Schmeisser, V. Murici, Victor Vaughan e Zímara 

Direção musical e preparação vocal: Mimi Cassiano
Supervisão musical: João Paulo Mendonça
Cenografia: José Dias
Figurinos e adereços: Rogério França
Iluminação: David Israel e Jorge Farjalla
Músicos: Bruno Scantamburlo (violão, guitarra e baixo), Julia Ludolf (percussão), Rodrigo Viegas (violão) e V. Murici (rabeca)
Direção de Produção e Produção Executiva: Edmar Caetano
Assessoria de Imprensa: Debs Comunicação
Realização: Cia Guerreiro e Nandi Produções

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Memória inventada no sonho de alguém (RJ)

Marianna Pastori e Bruno Quaresma em cena
Foto: divulgação

Excelente dramaturgia!

É uma alegria muito grande para quem torce pelo teatro encontrar tão excelente dramaturgia recentemente escrita, como é o caso de “Memória inventada no sonho de alguém”. A peça escrita por Iuri Kruschewski começa como o título: dura, inóspita, pretensiosa, com tudo para ser chatíssima. A situação proposta, afinal, é mesmo difícil: Um dia, uma mulher passou por um homem enquanto corria. A imagem dela ficou gravada na memória dele de forma que ele começou a sonhar com essa desconhecida todos os dias. Inventou para ela uma vida, hábitos, caminhos, motivos, contextos e tentou entrar no ambiente consciente dela através do seu próprio sonho. Então, descobriu-se (ou achou-se) participante, também, do sonho dela. Enquanto essa história é narrada para o público, o personagem narra de si próprio, desvenda-se para si mesmo e se mostra em um lugar em que, de fato, não sabe bem o que é ele realmente e o que ele é em seus próprios sonhos. Kruschewski, com coragem e habilidade, enfrenta o desafio que ele mesmo se fez e nos presenteia com uma linda história de amor, cheia de graça e de complexidade, repleta de lugares não comuns no gesto de sonhar que, por sua vez, é tão humano. Dirigido pelo próprio autor, com assistência de Ana Beatriz Macedo, o espetáculo é interpretado por Bruno Quaresma, Mariana Pastori, Pedro Emanuel e por Rosa Iranzo, e está em cartaz no Teatro Glaucio Gil. 

Kruschewisky joga bem com a contemporaneidade na medida em que cria um universo fluído para a narrativa. As cenas não são estanques, mas se misturam umas com as outras, mini-cenas dentro de outras cenas. Neta dos três planos de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, “Memória inventada...” convive com um público que é capaz de notar as mudanças sem entraves. Os sonhos do protagonista, assim, podem invadir sua vida ou a narrativa de sua vida diante do interlocutor (nós, o público) e é assim que outros personagens, cachorros, ações e lugares tomam parte da cena sem pré-anúncio. O mérito como diretor pode ser exemplificado pela descrição de um fato: a presença do pianista João Medeiros. Na primeira parte do espetáculo, quando a situação quase limite entre sonho e realidade está sendo construída, o pianista chama muito a atenção pelos seus comentários faciais às cenas que estão sendo apresentadas. Mais para o final, quando um outro momento da trajetória do protagonista está em questão, o pianista segue em cena, no mesmo lugar que outrora, mas já não é visto.  A direção de Kruschewsky hábil em hierarquizar a entrada dos símbolos, oferece um contorno narrativo cujo ápice está no lugar e do jeito certo: em potência criativa na direção do olhar do público.

O elenco está bem, sem grandes destaques. Os tempos são muito bem usados, de forma que o tom realista oxigena o surrealismo pulsante e imanente da história. Os gestos, principalmente os de Pedro Emanuel, fazem bom desenho tanto em relação ao corpo dos intérpretes e de seus personagens como nas relações proxêmicas. A voz é bem usada (menos em Rosa Iranzo) e os diálogos que acontecem tanto na cena quanto na quebra da quarta parede também acontecem positivamente. 

O cenário de Carlos Augusto Campos é feito em formas verticais brancas em fundo preto. O concretismo, tão sóbrio, é afinal uma boa metáfora para a peça em questão: de um lado, temos duas realidades – a do sonho e a do não-sonho – e, de outro, temos a vontade do personagem de ir além do que suas possibilidades podem. As formas geométricas no claro e escuro, sendo um lugar trágico para a cor e para a forma, é também, sem moldura, uma arte paralela, um objeto paralelo que existe além do museu. A iluminação de João Gioia e a trilha sonora de João Medeiros marcam bem essas situações que convivem com a cena na dramaturgia de Kruschewsky. Faz boa articulação o figurino de Tiago Ribeiro, que conserva as cores do cenário, deixando para mostrar-se em um segundo momento em palheta mais rica (o que é uma excelente curva dramática no uso desse elemento), com o resto da estrutura da peça, essa bem amarrada positivamente. 

No final de “Memória inventada no sonho de alguém”, temos uma visão muito clara do personagem e de sua história, como também do seu futuro. Entreteve-se, assim, com uma narrativa bem contada e no melhor uso de suas potencialidades: uma linda história de amor, inteligente, graciosa, rica. Parabéns a todos! 

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Ficha técnica
Texto e Direção: Iuri Kruschewsky

Elenco: Bruno Quaresma, Marianna Pastori, Pedro Emanuel e Rosa Iranzo

Assistência de direção: Ana Beatriz Macedo
Iluminação: João Gioia
Cenário: Carlos Augusto Campos
Músico em cena: João Medeiros
Direção de movimento: Eléonore Guisnet
Figurino: Tiago Ribeiro
Assistência de iluminação: Ana Luzia de Simoni
Assistência de cenografia: Samanta Toledo
Trilha original: João Medeiros
Programação visual: Agência EGX
Contrarregra: João Batista da Silva
Fotógrafo: Bruno Brasil
Produção: Cia. Sala Escura de Teatro
Direção de produção e idealização: Iuri Kruschewsky
Assessoria de imprensa: Smart Mídia (André Gomes)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Talvez uma história de amor (RJ)

Cynthia Reis e Eduardo Pires em cena

Foto: divulgação

A literatura de Martin Page

O maior mérito de “Talvez uma história de amor” é trazer para o teatro a literatura do escritor francês Martin Page (1975). Lançado em 2008, o livro que deu origem à peça homônima, traz Virgile como protagonista. Ele é resultado e expressão da contemporaneidade: o homem em busca de um sentido que 1) lhe explique e lhe traga um pouco de lógica para entender o mundo; e 2) lhe ocupe diante da liquidez das relações e da rapidez da internet e das comunicações. Dirigida por Vinícius Arneiro, a peça conta a história de quando Virgile, que é solteiro e mora só, chega em casa depois do trabalho e ouve um estranho recado na sua secretária eletrônica: “Virgile, aqui é Clara. Sinto muito, mas prefiro que a gente pare por aqui. Vou me separar de você, Virgile. Não quero mais.” Quem é Clara? É, então, que inicia um percurso pelo passado recente atrás dessa pessoa de quem ou ele não conhece ou não se lembra. Idealizado por Pablo Sanábio, o espetáculo em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal é interpretado por Eduardo Pires e por Cynthia Reis e tem dramaturgia de Rafael Gomes. 

O espectador acompanha Virgile (Pires) na sua trajetória em busca das peças que poderão formar essa paisagem que falta e que poderá dar sentido para o recado recebido. Em um mundo em que relações são rapidamente feitas e desfeitas, em que ex-namorados são facilmente esquecidos e pequenos encontros são para sempre lembrados, em que a carência parece dominar em um paradoxo da grande oferta do que fazer e do com quem estar, o fluxo de consciência do protagonista corre livre ao mesmo tempo em que as identificações. A peça, sendo metáfora para o mundo além dela, é também um universo coeso e coerente que sobrevive em paralelo na boa dramaturgia de Gomes. As pistas recolhidas por Virgile na visita a suas ex-namoradas, amigas e terapeuta são analisadas, organizadas, fruídas como partes essenciais de um todo ao qual ele poderá se apoiar para não afogar em meio ao caos. Essa, no entanto, é uma reflexão que surge apenas a partir dos diálogos travados e dos solilóquios do personagem e não, infelizmente, necessariamente uma sugestão do espetáculo (cênico). 

Eduardo Pires apenas o diz o texto, variando no ritmo e oferecendo poucas impressões. Seu personagem chega no final quase que do mesmo jeito como entrou, de forma que a paisagem resultou em inútil, analisando as múltiplas possibilidades interpretativas que o intérprete dispensou. O caos é expresso apenas pela prosódia, sem cor, sem estrutura, sem marcas que sejam propriamente teatrais. É quase como se não houvesse conflito sendo que esse é justamente a situação inicial da peça. Na encenação de Arneiro, as taças de vinho espalhadas pelo palco constroem um quadro bonito, mas que não tem referências claras com a narrativa. A roupa preta de Reis, cuja neutralidade auxilia a atriz na construção das diferentes personagens que ela interpreta, e a roupa em tons pastéis de Virgile igualmente contribuem mais para a estética do que para a diegese. A pobreza nas escolhas da encenação, assim, é oposta à riqueza do universo conturbado do personagem, sem que esse diálogo de oposições diga algo realmente válido. 

Pela multiplicidade de oportunidades, Reis apresenta um trabalho bem melhor que Pires. O jogo de troca de cenas, ponto positivo da direção, é facilmente compreensível para o público graças às sutis mudanças de tom da atriz, tendo ela aí o seu maior mérito. Por outro lado, a regularidade da composição do ator – ombros para dentro, cabeça curvada, olhos baixos – deixa para longe a construção de um “herói”, palavra usada na apresentação da peça. (Aliás, a expressão é “anti-herói” que, menos ainda, diz respeito ao que se vê. Por esse termo, chama-se os protagonistas que ou agem em prol do reestabelecimento do conflito inicial ou são vítimas da trama que lhes invade a existência. Nenhum desses casos é o de Virgile.) 

“Talvez uma história de amor” usa pouco do teatro infelizmente. A vontade de descobrir a obra primeira, a literária, sobrevive felizmente. 

*

FICHA TÉCNICA
IDEALIZAÇÃO: PABLO SANÁBIO, CYNTHIA REIS E EDUARDO PIRES
DIREÇÃO: VINICIÚS ARNEIRO
AUTOR: RAFAEL GOMES

ELENCO: CYNTHIA REIS, EDUARDO PIRES

CENOGRAFIA E FIGURINOS: FLAVIO GRAFF
ILUMINAÇÃO: PAULO CESAR MEDEIROS
MÚSICA: TATO TABORDA
PREPARADORA VOCAL: ISABEL SCHUMANN
PROJETO GRÁFICO: RAQUEL ALVARENGA
PRODUÇÃO EXECUTIVA: KAKAU BERREDO
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: TATIANNA TRINXET
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: PATRICK SAMPAIO
ASSISTENTE DE FIGURINOS E CENOGRAFIA: CLARICE BUENO
ASSISTENTE DE ILUMINAÇÃO: JULIO MEDEIROS
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: ANDRESSA CAZEIRO
FOTÓGRAFO: ANTÔNIO GARCIA
MAQUIAGEM: DÉBORA QUEIROS
COMERCIAL DE TV: DUDU CHAMON
VISAGISMO: CARLOS BORGES E EZEQUIEL BLANC
MARKET ON-LINE: ALÊ FÉLIX
CENOTÉCNICO: HUMBERTO SILVA E HUMBERTO OLIVEIRA JR
COSTUREIRA: ODÍLIA ALMEIDA
BORDADEIRA: MARIA DE FÁTIMA
MONTAGEM DE LUZ: EQUIPE ART LIGHT
ASSESSORIA JURÍDICA : WALTER FONSECA
CONSULTORA CULTURAL: SANDRA HELENA PEDROSO
PRÉ-PRODUÇÃO: JUNIOR GODIM


EQUIPE TEMPORADA
ADMINISTRAÇÃO: ALESSANDRA ALLEGRIA
CONTRA REGRA: JESSE ELIAS E CARLOS HENRIQUE DA SILVA
OPERADOR DE SOM : XIMENES MELO
OPERADOR DE LUZ: LUÍZA VENTURA
PRODUÇÃO ASSOCIADA: O MENINO E AS IDEIAS ENTRETENIMENTO
CO-PRODUÇÃO: ESPAÇO MOVE ENTRETENIMENTO
REALIZAÇÃO: EDUARDO PIRES PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA
ASSESSORIA DE IMPRENSA: MINAS DE IDEIAS

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A porta da frente (RJ)

Rogério Freitas (ao lado de Malu Valle) em excelente
trabalho de interpretação
Foto: João Julio Mello 

Conversa segura com o espectador

“A porta da frente” tem como maior mérito o de ser um espetáculo que promove a discussão de vários temas de forma muito acessível. Escrito por Júlia Spachini e dirigido por Jorge Caetano e por Marco André Nunes, o texto (dramático e cênico) não se esconde felizmente em pretensões, mas se disponibiliza ao público sensível e seriamente. É fácil notar as relações entre Filho (homem) e Filha (Mulher), Marido (Homem) e Esposa (Mulher) e entre Hóspede (Mulher) e Vizinho (Homem). A loucura da avó que arruma o cabelo da neta faz oposição direta à seriedade da mãe que vive uma segunda vida no ambiente virtual. A coluna enrijecida e a baixa estatura do Síndico encontra, por sua vez, relação direta com a postura ereta do Vizinho e seus sapatos altos. A paixão platônica do Irmão é olhar para fora enquanto a baixo auto-estima da irmã é olhar para dentro. Nesse sentido, em uma estrutura quadrada, funcional, apolínea, “A porta da frente” surge comportadamente para oferecer lugar seguro para uma discussão tête-à-tête sobre, principalmente, o tema das diferenças. 

Expostos os personagens e a situação central em um par de cenas  iniciais descritivas, surge o conflito. No apartamento ao lado, há um morador que se veste de mulher. De lá, vêm músicas cantadas que perturbam os moradores de cá, esses já estremecidos pela presença de uma figura andrógina. A Esposa (Malu Valle) age em prol da volta da situação inicial, sendo uma, por isso, uma anti-heroína. O Vizinho (Jorge Caetano) é invadido por aqueles que entram em seu apartamento, sendo, por isso, um personagem passivo. A chave do enredo está, assim, no Marido (Rogério Freitas), que ora vive influenciado pelo Esposa, ora pelo Vizinho. A dupla de irmãos (Felipe Haiut e Nina Reis) e a Avó (Maria Esmeralda Forte) são responsáveis pela oxigenação da trama, cujo tema é difícil de ser tratado pela maioria do público (alvo).

Como lidar com as diferenças do outro se não há lógica dentro de mim mesmo? O excesso de paridade do texto, que se dá a ver teatralmente em um cenário em três ambientes (ímpar), vem informar (e assegurar) que há lógica na falta de. Quando o Marido começa a frequentar aulas de canto, quando segredos da Avó são revelados, quando Irmão e Irmã começam a enfrentar o universo do outro e a se olhar mais atentamente no espelho, Esposa e Vizinho, consequentemente, vão se tornando cada vez mais opostos. Com habilidade, Spachini, Caetano e Nunes esticam gradativamente essa “corda” que há de arrebentar. Claro, o lado mais fraco há de sucumbir nesse momento, e esse é o golpe fundamental de “A porta da frente”. 

Com exceção do trabalho de Rogério Freitas, não há surpresas nas interpretações. De um modo geral, o resultado é positivo, cumprindo os objetivos com habilidade, embora sem destaques. Freitas, no entanto, talvez porque também tenha o maior desafio e consequentemente o maior mérito pela sua transposição, é quem consegue obter e evidenciar os detalhes mais sutis, os contornos mais específicos, os momentos mais sublimes da obra em sua atuação. Acompanhá-lo em cena é desvendar o universo complexo proposto por Spadachini, Caetano e Nunes na maioridade de suas potências criadoras. 

Bastante positivo é o cenário de Aurora dos Campos e o figurino de Rui Cortez. As escolhas estéticas, que não só ilustram, mas acrescentam informações a respeito dos personagens, agem discretamente, mas com conteúdo a aprofundar outros níveis. Os tons azuis em Sasha (Jorge Caetano) colocam em xeque o paradigma da cor e do gênero masculino enquanto os tons pastéis da Esposa e do Marido reforçam seus hábitos comuns. Por sua vez, o desenho de iluminação de Renato Machado marca o ritmo e ajuda a definir os focos narrativos positivamente.

O teatro é uma arte incrivelmente generosa e em “A porta da frente” isto está bastante claro. Além de sugerir uma discussão essencial no mundo contemporâneo em termos de comportamento humano, sai-se do Espaço OiFlamengo, onde a produção está em cartaz, cantando Frank Sinatra semana a dentro. É Sasha que não nos sai do ouvido em sua força significativa. Aplausos! 

*

FICHA TÉCNICA:
TEXTO: JULIA SPADACCINI
DIREÇÃO: JORGE CAETANO & MARCO ANDRÉ NUNES

ELENCO: JORGE CAETANO, MALU VALLE, MARIA ESMERALDA FORTE, ROGÉRIO FREITAS, FELIPE HAIUT e NINA REIS

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO : ISABEL THEMUDO
DIREÇÃO MOVIMENTO: MÁRCIA RUBIN
CENÁRIO: AURORA DOS CAMPOS
LUZ: RENATO MACHADO
FIGURINOS: RUI CORTEZ
VISAGISMO: JOSEF CHASILEW
FOTOS: JOÃO JULIO MELLO
DIREÇÃO DE VÍDEOS: GUSTAVO GELMINI
TRILHA MUSICAL : JORGE CAETANO E MARCO ANDRÉ NUNES
DIREÇÃO MUSICAL : FELIPE STORINO
PROJETO GRÁFICO: BRUNO DANTE
PRODUÇÃO : CIA CASA DE JORGE e NOSSA SENHORA DOS PALCOS PRODUÇÕES

O jardim secreto (RJ)

Elisa Pinheiro interpreta Miranda em "O Jardim Secreto"
Foto: divulgação

O imperdível "O Jardim Secreto"

“O jardim secreto” foi publicado em 1911, sendo a obra mais conhecida da escritora inglesa Frances Hodgson Burnett (1849-1924). Agora em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil, a peça dirigida por Rafaela Amado e por Mariah Schwartz traduz bem os motivos dessa fama ao longo do último século. Lançada em plena era do funcionalismo, o livro e a peça têm como protagonista a menina Miranda que, deixada em férias na casa de um tio desconhecido, deve ir atrás do seu lugar no mundo. No universo de Burnett, a passagem do século XIX para o XX, todos têm uma função e só é permitido existir se esse existir seja consciente (e positivo). Cem anos depois, felizmente, a complexidade do “simplesmente existir” deu a esse existir uma função já bastante responsável, de forma que o caminho de Miranda é, como nunca, o nosso. Daí a importância da produção desse projeto e de sua participação na programação de teatro carioca. Embora destinado ao público infantil, eis aí mais um excelente espetáculo que é indicado para toda a família apesar do horário das 16h. 

Com texto adaptado por Renata Mizrahi, “O jardim secreto” narra o encontro de três crianças que nunca se viram em uma casa imensa de campo. Miranda e Gregório são primos e Nicolau é jardineiro na propriedade do segundo. Enquanto um traz a natureza, outro traz as ideias e um terceiro traz a emoção à essa receita repleta de mensagens que, embora muitas vezes ouvidas, jamais devem ser esquecidas. Manter vivos os sonhos, ir corajosamente em busca dos objetivos, aquecer o coração e olhar para o próximo com a mesma estima com que se olha para si são chaves que podem abrir imensos e coloridos jardins secretos. No mesmo sentido, o texto reforça a importância de cultivar a paciência de esperar pela primavera e a certeza de que, embora não estejamos vendo, a terra está trabalhando em prol das flores e dos frutos. Com um cenário rico em lugares próprios para o desenvolver da imaginação, a peça permite que nos identifiquemos facilmente com um ou com mais personagens em cada um de seus momentos narrativos. 

Apesar de haver protagonistas e coadjuvantes, isto é, papéis com mais e com menos oportunidades, o elenco apresenta um resultado bastante equilibrado em alto nível de excelência. Amado e Schwartz mantêm um ritmo firme, coeso e coerente, convidativo para a cartarse e motivador da resolução do conflito que bem nos empurra para o final, esse em um ápice bem estruturado, potente e sobretudo lindo. Elisa Pinheiro (Miranda), João Velho (Nicolau) e Arlindo Lopes (Gregório) não perdem um só momento de evidenciarem suas construções e articularem-se junto aos demais na movimentação de um todo bem amarrado. Há carisma, há excelente uso da voz, das pausas, das intenções, além de situações criativas, tais como Nicolau tentando ajudar Miranda a convencer Gregório de que ele não está doente, Miranda e Nicolau interagindo com o passarinho Fufifo, Gregório voltando a caminhar. Por outro lado, Camilla Amado (Dona Gertrudes), Luiz Henrique Nogueira (Tio Heitor e A Sofá) e Graziela Müller (Cadeira) se tornam personagens fortes porque seus intérpretes assim o dão a ver: excelentes entonações, excelente uso do tempo e dos movimentos (esses positivamente sutis) e excelente jogo cênico nos diálogos, nas entradas e nas saídas. É bastante acessível ao público de todas as idades os diversos níveis possíveis de interpretação da história contada em termos, por exemplo, da curva dramática feita por Heitor e por Dona Gertrudes e da sabedoria de A Sofá e da Cadeira. O acordeon tocado por Müller marca a poesia, reforça a concentração dos símbolos, aponta para o foco mais importante, o que define com exuberância o trabalho de direção. 

Além do já exposto, “O jardim secreto” tem um lindo cenário de Analu Prestes, um lindo figurino da Espetacular Produções & Artes, um lindo desenho de iluminação de Luiz Paulo Nenen, uma linda trilha sonora de Marcelo Alonso Neves e um lindo trabalho de videografismo de Paola Barreto, Lucas Canavarro e de Alexandre Antunes. Normalmente, em uma análise técnica de uma obra artístico-cênica, apontar como “lindo” um objeto/elemento estético é, ao mesmo tempo, apontar definitivamente para o gosto pessoal do analista. Nesse caso, aposta-se no contrário. Ser lindo já é o bastante e não necessariamente carecem-se de justificativas. 

“O jardim secreto” é uma das melhores produções em cartaz na cidade atualmente. Que tenha vida longuíssima! 

*

FICHA TÉCNICA
Inspirado na obra de Frances Hodgson Burnett
ADAPTAÇÃO– Renata Mizrahi
COLABORAÇÃO DE TEXTO – Isabel Falcão, Luisa Arraes e Mariah Schwartz
DIREÇÃO – Rafaela Amado e Mariah Schwartz

ELENCO – Camilla Amado, João Velho, Elisa Pinheiro, Arlindo Lopes, Luiz Henrique Nogueira, Grasiela Müller.

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO – Gustavo Nunes
CENÁRIO – Analu Prestes
CENOTÉCNICO – André Salles
FIGURINO – Espetacular Produções & Artes - Ney Madeira, Pati Faedo, Dani Vidal
DESIGN GRÁFICO – André Coelho
VÍDEOS - Paola Barreto/ Lucas Canavarro
ILUMINAÇÃO – Luiz Paulo Neném
TRILHA SONORA ORIGINAL- Marcelo Neves
ASSESSORIA DE IMPRENSA – Will Comunicação/ Luiz Menna Barreto
DIRETOR DE MOVIMENTO – Rafaela Amado / Mariana Baltar
MAQUIAGEM – Fernanda Santoro
CONTRAREGRAGEM – Felipe Ávilla
EQUIPE TURBILHÃOZINHO DE IDEIAS:
PRODUTOR EXECUTIVO - Márcia Goulart
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO – Gabriela Munhoz
ADMIN- FINANCEIRO - Leonor Camargos
GERENTE DE PROJETOS – Elisa Padilha
ASSESSORA DE PROJETOS – Larissa Altoé
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Ariana Teixeira
SECRETÁRIA - Geysa Seiça
COPRODUÇÃO: Turbilhãozinho de Ideias Cultura e Entretenimento Ltda e Focus Filmes
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil

Crônica de um paraíso fantástico (RJ)

Filipe Codeço é o palhaço Batatinha
Foto: Vinicius Nascimento 

O bom trabalho de Filipe Codeço

“Crônica de um paraíso fantástico” é um espetáculo de teatro-cinema de Filipe Codeço. Com direção de Breno Sanches, o todo faz fortes referências ao expressionismo alemão, com uma estética que une, em seu percurso, o clown à tortuosidade. A proposta é interessante: o tom trágico do palhaço vagabundo, cuja vida é uma prisão sem lógica, pode resultar em uma visão deformada do mundo pelas expectativas não alcançadas. A dramaturgia cênica de Sanches e de Codeço é engraçada, porque recheada de gags que dão bom ritmo ao todo. A participação do cinema, no entanto, é positiva em si, mas não faz boa articulação com a cena, porque pesa o ritmo na medida em que explica a história (e pouco além). O tom de experimento da produção, nesse sentido, justifica as escolhas e aponta para uma oportunidade do teatro carioca de se descobrir. 

O palhaço Batatinha foi criado em laboratório por um cientista, mas não ficou como o esperado. A vagar desolado pelo mundo, resolve tirar a própria vida, acabando em um lugar onde também encontra outros “errados”. No contorno da narrativa, conhecemos Batatinha, depois sua história e, por fim, seu desfecho. Codeço, que interpreta o protagonista, é quem tem o melhor desempenho em cena, extraindo ,das situações, além de graça, altas doses de poesia. Com função mais narrativa do que propriamente teatral, os demais trabalham não desagradam, mas não promovem o equilíbrio. 

Os demais elementos de “Crônica de um paraíso fantástico” dão bom resultado, explorando o visual de forma bem cuidada, potente e interessante. Os figurinos de Camila Nhary, mas principalmente os adereços de Tuca são construídos de forma meticulosa, prestando bom serviço à dramaturgia e à direção. 

É ótimo assistir a um grupo interessado na pesquisa do universo do clown, esse gênero de personagem tão contemporâneo, com tanto a se dizer, além de, claro, divertir e emocionar. 

*

FICHA TÉCNICA
Idealização: Filipe Codeço
Direção: Breno Sanches

Atuação: Marcela Coelho, Filipe Codeço, Tarik Nassaralla e participação especial de Rafael Mannheimer

Dramaturgia: Breno Sanches e Filipe Codeço
Cenografia e Desenhos: Lara Paciello
Figurino: Camila Nhary
Adereços: Tuca
Trilha Sonora: Lula Mattos
Visagismo: Isabel Chavarri
Iluminação: Pedro Struchiner
Coreografia: Victor Maia
Videografismo: Filipe Codeço e Victor Nogueira
Design Gráfico: Fernando Codeço
Cartonagem do Caixão Cênico: Angella Codeço
Assessoria de Comunicação: Lyvia Rodrigues
Produção: Filipe Codeço
Realização: Roda Produtiva

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A falecida (RJ)

Bianca Rinaldi em ótimo trabalho
Foto: divulgação

A preferida de Nelson Rodrigues

A falecida”, de Nelson Rodrigues, era a peça favorita de seu próprio autor. E, de fato, é um de seus melhores trabalhos, pois nela está a ironia carioca (e brasileira), a complexidade do homem contemporâneo e a crítica ao fanatismo religioso e esportivo, além de ao falso moralismo e ao capitalismo exacerbado. Na produção dirigida por Moacyr Góes, Zulmira, a personagem título, é brilhantemente interpretada por Bianca Rinaldi que tem, ao seu lado, parceiros também em bons trabalhos como Leon Góes (Tuninho), além de Sérgio Kauffmann e de Augusto Garcia. Em cartaz no Teatro Maison de France, a produção é uma das melhores estreias do segundo semestre teatral do Rio de Janeiro em 2013. 

Na cena inicial, Zulmira vai a uma cartomante e descobre que uma loira irá lhe tirar a atenção. É quando Nelson Rodrigues apresenta, no Theatro Municipal, duas personagens célebres da vida diária carioca: a cambalacheira do alto subúrbio carioca e a ingênua dona de casa da zona norte. Quem será a loira de que fala o tarot? Glorinha, a prima de Zulmira, é eleita para o posto porque a parente não lhe cumprimenta. Tuninho, o marido desempregado da protagonista, que acredita estar no jogo do bicho a solução para os problemas do Brasil, gasta o que não tem na sinuca e nas entradas para os jogos do Vasco. Ao mesmo tempo, nas redondezas, os funcionários de uma agência funerária celebram a morte de uma grã-fina e planejam como tirar mais dinheiro do inconsolável (e rico) pai. É quando o dramaturgo importantiza o talento natural do brasileiro para fazer graça com o que não é engraçado e para multiplicar alguns réis em muitas doses de cerveja, gritos de gol e situações inusitadas. Então, Zulmira descobre o motivo da invejável seriedade da prima: vítima de um câncer, Glorinha perdeu um seio, o que justifica o fato dela nem mesmo tomar banho nua. Convertida por uma igreja evangélica, a protagonista já não aceita mais nem mesmo beijar o marido, embora flerte com um dos funcionários da funerária. É quando Nelson insere o paradoxo da malandragem fluminense na mulher, além de, na história, fazer ver a hipocrisia do fanatismo religioso e das relações familiares. Em evolução contínua, a narrativa cresce na mesma medida em que aumenta em Zulmira a vontade de esfregar na cara da sociedade o seu próprio enterro no mais alto luxo: pelo menos uma vez na vida, é preciso ser grande. Tida como uma tragédia carioca, eis aqui uma comédia fúnebre com humor de altíssimo nível. 

Sem nenhuma invenção estranha, Moacyr Góes aparece porque faz aparecer a grandiosidade de Nelson Rodrigues. O texto é dito com precisão em cenas rápidas que se constroem e se descontroem com naturalidade e vigor. Bianca Rinaldi, em trabalho exuberante, deixa a ironia para o todo e cumpre bem a sua parte: mesmo que com determinações limitadas, sua Zulmira é determinada. As palavras são bem ditas, as expressões são contidas, as intenções são muito claras. Por sua vez, Leon Góes apresenta a malemolência do homem simples – a fala embolada, os hábitos comuns, os trejeitos econômicos. Estão também igualmente em bons trabalhos Daniel Carneiro, Ricardo Damasceno, Simone Centurione, Sérgio Kauffmann e Augusto Garcia com destaque para os dois últimos. Bem dirigido, o elenco de “A falecida” coloca nos diálogos a força da interpretação, permitindo, através de quadros encenados com firmes articulações, uma sólida prosódia. 

É positivo o fundo de cena composto por várias portas no cenário de Teca Fichinski. O palco em declínio em direção ao proscênio e as aberturas da rotunda já citada permitem o movimento já elogiado. Em sentido oposto, no entanto, estão as cadeiras jogadas aleatoriamente nas laterais em que, por motivos obscuros, alguns atores assistem às cenas antes de entrarem nelas. A concepção parece remeter à farsa, o que é justamente o que “A falecida” não é. Também de Fichinski, os figurinos são excelentes: as boas escolhas conduzem ao realismo que garantem a fluência. A trilha sonora embala as cenas com humor discreto, deixando para o público a função de dar significado para o todo.

Sessenta anos depois de sua estreia, o texto de Nelson Rodrigues tem aqui a sua atualidade sutil e positivamente sugerida por Moacyr Góes. Cabe ao público concordar sem ressalvas. Excelente! 

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FICHA TÉCNICA
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Moacyr Góes
Assistente de Direção: Juliana Lago

Elenco / Personagens:
Bianca Rinaldi / Zulmira
Leon Góes / Tuninho
Augusto Garcia / Timbira
Ricardo Damasceno / Oromar, Pimentel
Sérgio Kauffmann / Parceiro 2, Funcionário 1
Daniel Carneiro / Parceiro 1, Funcionário 2, Pai
Simone Centurione / Madame Crisálida, Mãe

Trilha Sonora Original: Ary Sperling
Cenário, Figurino e Adereços: Teca Fichinski
Desenho de Luz: Paulo Cesar Medeiros
Design Gráfico: Mauricio Chahad
Cenotécnico: Adilio Athos
Costureira: Adélia Andrade
Operador de Luz e Som: Rodrigo Bezerra de Melo
Produção Executiva: Juliana Lago e Tatiana Duarte
Apoio de Produção: Marketing Cultural
Criação e Produção: Bianca Rinaldi Produções
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

O confuso e misterioso roubo das vírgulas (RJ)

Zeca Richa, Júlia Mendes e Mário Terra protagonizam
peça dirigida por Pedro Emanuel
Foto: divulgação

Teatro infantil é para todos!

“O confuso e misterioso roubo das vírgulas” é um espetáculo divertido destinado às crianças que habitam as crianças e também aquelas que moram dentro dos adultos. O sítio da vovó, lugar também chamado de Camelot, Passárgada, Xangrilá ou por qualquer outro nome paradisíaco, é lugar onde as árvores frutíferas estão sempre carregadas, os bolos quentinhos e as camas macias. Lá Joãozinho (Zeca Richa), Fabiana (Júlia Mendes) e Pedroca (Mário Terra) se envolvem em aventuras, se descobrem, vivem os melhores dias de sua infância. No texto original de Iuri Kruschewsky, com direção e dramaturgia de Pedro Emanuel, as crianças precisam resolver o caso do desaparecimento das vírgulas da cidade, fato que causa nos moradores muito constrangimento na leitura de tudo o que é escrito. Em cena, na temporada do teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, música, cenas engraçadas, aventura e, principalmente, a valorização da boa escrita fazem dessa peça uma ótima programação. 

Por estar gripado, Joãozinho não pode sair de casa. A circunstância lhe traz a saudade de Fabi, a vizinha inteligente e bonita que estranhamente também não lhe vem visitar. Intrigado, o garoto resolve escrever uma cartinha para a amiga e dá ao Pedroca, mais novo que ambos, a missão de ir entregar a missiva. Essa, porém, chega até ao seu destinatário com praticamente outro texto. O sumiço das vírgulas no caminho mudou o sentido das palavras de Joãozinho e fez da carta uma ofensa. É preciso investigar o mistério que se alastra pela cidade, modificando receitas de bolo, alterando os valores das contas a pagar, causando alvoroço por todo o lado. 

Contada de forma ágil, a história acontece em cena quase que ao natural. O cenário de Carlos Augusto Campos providenciou um interessante espaço ao fundo sem comprometer a frente, permitindo a Pedro Emanuel dar a ver uma narrativa fluída. O todo visual, de que também participam a concepção de figurino de Tiago Ribeiro e o desenho de luz de João Gioia, é alegre, icônico, autorreferente, o que garante boa audiência para todas as idades. Os trabalhos de interpretação de Zeca Richa (Joãozinho), Júlia Mendes (Fabiana) e Pedro Casarin (Vovó) se destacam, ao lado dos músicos Mário Terra e Eduardo Parreira, esses também com boas participações. O texto é bem dito, as expressões são claras, as canções bem interpretadas e os movimentos bastante precisos. 

“O confuso e misterioso roubo das vírgulas” é divertimento para todos. 

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Ficha técnica:
Elenco: Eduardo Parreira, Julia Mendes, Mario Terra, Pedro Casarin e Zeca Richa.
Dramaturgia e direcao - Pedro Emanuel
Texto original: Iuri Kruschewsky
Iluminação: João Gioia
Cenário : Carlos Augusto Campos
Figurino: Tiago Ribeiro
Adereços: Waleska Laine
Letras e melodias: cia em obra
Iluminadora assistente: Ana Luzia de Simoni
Costureira: Linda Carvalho
Contrarregra: João Batista da Silva
Montagem cenotécnica: Articulação Cenográfica
Direção musical: Jonas Hammar
Fotos: Ícaro Salek
Assessoria de imprensa – André Gomes
Programação visual: ZR Mosaico
Produção executiva: Luísa Barros
Realização: Cia em Obra

Palhaços (RJ)

Thiago Detofol e Claudio Tovar em cena
Foto: divulgação

Outra ótima versão do texto de Timochenco Wehbi
“Palhaços”, dirigido por Alexandre Bordallo, apresenta os atores Claudio Tovar (Careta) e Thiago Detofol (Benvindo) em versão mais dura do texto de Timochenco Wehbi (brasileiro,1943-1986). Escrito em 1973, o texto teve montagem recente dirigida por Gabriel Carmona, com Dagoberto Feliz e Danilo Grangheia, dividindo, no Rio, a programação de teatro carioca. A ocasião expressa a riqueza do teatro brasileiro de forma que, em suas produções, estão dadas as diversas leituras que nossos grandes artistas têm a oferecer. No caso desta, a crítica social está mais clara, mais disponível e consequentemente mais superficial, mais lenta, mais didática, o que está longe de ser um desmérito dessa ou daquela visão. O espetáculo cumpriu temporada na Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana. 

O vendedor de sapatos Benvindo entra sorrateiramente no camarim do palhaço Careta após a primeira sessão do show de circo a que acabou de assistir. É um fã que veio conhecer o responsável pelos momentos alegres recentemente vividos. No ato, vê um homem comum, tirando a maquiagem diante de um espelho iluminado cheio de fotografias. Se, para Benvindo, as luzes são sinal de espetacularidade, para Careta, talvez, sejam apenas um instrumento para que melhor ele possa identificar os contornos faciais. Vendedor e artista, assim, olham, no diálogo, para o mesmo objeto e, ao evidenciar pontos de vista diversos, expõem suas proximidades e suas distâncias enquanto homens. O artista, afinal, também é um vendedor e Benvindo, por sua vez, também tem seu picadeiro. Os dois homens que se encontram em um camarim, lugar destinado à preparação de um espetáculo, estão prestes a ir para uma segunda sessão: um para o show de circo, outro para a de sua própria vida. 

Claudio Tovar, por manter uma coluna curvada, uma voz pesada e expressões faciais duras, apresenta um Careta disposto a marcar as regras de um jogo perigoso. Com isto, seu personagem anuncia que o pântano onde Benvindo penetrou é caudaloso e, quem sabe, sem volta. Quase não se podem ver ironias em um discurso preciso, íntegro e essencial. Thiago Detofol traz um Benvindo simples, oposto ao complexo, valorosamente comum. O sotaque é claro, as expressões são coesas e as pausas não deixam dúvida ao espectador. Como um Corifeu, ele entra na tragédia, representando o coro, nós, o público, nesse camarim. Nesse sentido, os trabalhos de interpretação, dentro de uma concepção bem amarrada, deixam ver dois homens passivos diante do próprio conflito do qual parecem nem pensar em fugir. Ele, no entanto, está ali e enfrenta-lo agora talvez seja a única opção. 

O ritmo é regular e ascendente, o que é positivo. O cenário (Tovar) deixa ver possibilidades, mas, ao mesmo tempo, um vazio que requer o preenchimento, seja dos atores através do movimento, seja do público pela respiração (e catarse). A iluminação de Aurélio di Simoni valoriza as duas posições, mantendo o público à sombra como que no limite de um passo. A direção musical de Claudio Lins é sutil, mas não menos perversa: quando a plateia invade o palco, ela corre o risco de ser pega por seu próprio ego. 

Simples e nem um pouco despretensiosa, a montagem carioca de “Palhaços” deverá voltar a cartaz, sendo ainda bem aplaudida. 

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Ficha técnica:
Texto: Timochenco Wehbi
Direção: Alexandre Bordallo
Elenco: Claudio Tovar e Thiago Detofol
Cenário e Figurino: Claudio Tovar
Direção de movimento: Thiago Detofol
Direção musical: Claudio Lins
Luz: Aurélio Di Simoni
Operação de som: Helder Bezerra
Operação de luz: Alexandre Bordallo
Direção de palco: Helder Bezerra
Designer gráfico: Mônica Martins
Produtora/Administradora: Thaty Taranto
Assistência de produção: Felipe Mansan
Realização: Sempre Mais Produções Artísticas LTDA

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Síndrome de Chimpanzé (RJ)

Felipe Rocha em "Síndrome de Chimpanzé"
Foto: divulgação

A falta de lógica da contemporaneidade

Síndrome de Chimpanzé” é mais um ótimo espetáculo do grupo Foguetes Maravilha. Melhor lida a partir do gênero teatro do absurdo, a peça situa um casal de cosmonautas russos dentro de uma estação espacial (um foguete) em plena órbita de Plutão. A Terra, segundo a voz do computador chamada de Papai Smurf, acabou de explodir região por região do tabulareiro de War (jogo de estratégia da Grow), de forma que, além dos dois, só sobrou o gato Gorki, que convive com eles dentro do foguete. Nada mais existe e a vida deles está com os dias contados, pois não há para onde ir. Nesse espaço fechado, perdido em meio ao infinito, o absurdo da necessidade de descobrir-se, recriar identidades, de relembrar o passado e de celebrar os últimos momentos aparece. O mérito da produção é justamente o de oferecer ao público essa zona livre de julgamentos dos personagens que, com os quais nos identificamos, podem viver tudo aquilo que, por estarmos aprisionados pela lógica, não podemos. Com cerca de trinta minutos a mais do que seria suficiente, “Síndrome de Chimpanzé” vale a pena ser visto. 

Felipe Rocha interpreta o cosmonauta enquanto Renato Linhares e Stella Rabello se alternam na interpretação da cosmonauta. Assim, de um lado, temos um personagem que se apega a objetos para construir a sua identidade ("Isto é meu!") e, de outro, temos uma pessoa que analisa o seu próprio comportamento consigo mesmo para se auto-definir ("Eu sou um homem ou uma mulher?"). A junção é metáfora para o homem que necessita de algo externo para se reconhecer, mesmo que esse elemento  seja um reflexo de si próprio. O sexo, a necessidade de se perpetuar, os preconceitos, os comportamentos paradigmáticos, tudo isso ganha novas cores quando se sabe serem os últimos representantes da espécie humana no universo. Em sequências muito engraçadas, mas sobretudo ultra sensoriais (todos nós queremos estar ali entre eles), o texto e a direção de Alex Cassal é vibrante. 

Estabelece-se uma linha que divide o espaço cênico do não-cênico, mas essa linha é quebrada. Na alternância de personagens, Linhares e Rabello fogem de definições enquanto procuram por elas. Sensível e emotivo, o personagem de Rocha se transforma em alguém extremamente machista e antiquado. O jogo de Cassal é justamente esse: elege-se e se manifesta uma regra para, logo em seguida, quebrar-lhe. O resultado, prazer puro, é a construção de uma obra cujo absurdo é metáfora e convite para o diálogo sobre a contemporaneidade das relações e das auto-relações. 

Infelizmente, “Síndrome de Chimpanzé” se alonga mais do que poderia. Em determinado momento, vários fins surgem e o jogo de “quebras” acaba ficando cansativo. O monólogo final de Rabello é longuíssimo, porque sucede um outro monólogo longo de Rocha. Apesar de bem construído, o elogiado jogo não se sustenta nesses momentos e o ritmo cai vertiginosamente, o que é uma pena. 

Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello repetem aqui o sucesso de “Ninguém falou que seria fácil”. Em excelentes interpretações, o trio é sexy, carismático, convidativo. É ótimo ver-lhes em cena representando, isto é, fazendo mimese, ou estando para algo que gostaria de estar. Livres em suas construções, os intérpretes fazem excelente uso do corpo, da voz e dos movimentos para construir as figuras que pairam nessa situação absurdamente trágica: não há nada que ampare o homem quando nem ele próprio se reconhece. 

Aurora dos Campos constrói um cenário que privilegia a liberdade, a criatividade e sobretudo a imaginação. As garrafas de plástico, as folhagens, as janelas redondas e os livros velhos unem o contexto através do despertar tátil. Tomás Ribas valoriza esses pequenos lugares criados pelo cenário, pela direção e, claro, pela dramaturgia, dando ritmo à narrativa enquanto isso é possível. O figurino de Antônio Medeiros é lúdico e, nesse sentido, bastante positivo também. Vale a pena, também, prestar a atenção na movimentação, que teve direção de Alice Ripoll, para notar o jeito como a ocupação do espaço encontra justificativas para o texto. 

Tais como chimpanzés em laboratório, os homens da peça (e do mundo fora dela) podem ser vistos como meros instrumentos de pesquisa, o que gera uma relação absurda com os acontecimentos da rotina. Foguetes Maravilha, de novo, está de parabéns. 

*

SÍNDROME DE CHIMPANZÉ – com o grupo Foguetes Maravilha
texto e direção: Alex Cassal
elenco: Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello
assistência de direção: Marina Provenzzano
direção de movimento: Alice Ripoll
luz: Tomás Ribas
cenário: Aurora dos Campos
estagiária de cenografia: Carolina Sugahara
trilha sonora original: Domenico Lancellotti e Estevão Casé
figurino: Antônio Medeiros
assistência de figurino: Alessandra Padilha
costureira: Maria Marli
projeto gráfico: Triângulo Estúdio
fotos: Felipe Lima
assessoria de Imprensa: Mônica Riani
direção de produção: Tatiana Garcias
assistente de produção: Bia Rey
auxiliar de escritório: Wellison Rodrigues
realização: Foguetes Maravilha

A descoberta das Américas (RJ)

Julio Adrião é Johan Padan desde 2005
Foto: divulgação

A celebração do homem

Tem toda a razão aquele que diz que “A descoberta das Américas” é um dos melhores espetáculos cariocas dos últimos tempos. Tendo já oito anos desde a sua estreia, a peça rodou o Brasil e cumpriu temporada no Teatro Serrador, encerrando a formidável ocupação do grupo Alfândega88 naquele espaço. A partir de texto de Dario Fo, Alessandra Vanucci assina a direção, havendo apenas Julio Adrião em cena. Não há cenário, não há trilha sonora, tudo circunda o ritual simples de um homem contando uma história. As pausas, os ritmos diversos, a prosódia são as estruturas que embasam essa narrativa. Os movimentos de corpo, as expressões faciais, os movimentos que ocupam o palco nu são as ondas pelas quais navega o público na fruição. “A descoberta das Américas” é a celebração do homem e do seu encontro com outro homem em forma e em conteúdo. Excelente. 

Fugindo da Inquisição em Sevilha, um homem, Johan Padan, acaba integrando a embarcação de Cristóvão Colombo rumo à América. Se, na Europa, ele era um Ninguém, entre os índios, consegue fazer-se grande. Descobre-se no contato com os povos “selvagens”, aprende que o que sabia era válido e torna o pouco que tinha de si próprio em muito para compartilhar. Salvando a própria pele de enrascadas, continua lutando pela própria sobrevivência como já o fazia na sua terra natal. O diferencial do novo lugar é que lá a relação entre passado e presente é muito mais estreita, porque há pouco significado em suas distâncias. Cheio de defeitos, Padan valoriza-se enquanto justamente um ser humano: o prazer carnal e espiritual andam juntos sem culpas. Já velho, cheio de filhos e netos, ele narra como se descobriu na América. 

Prêmio Shell de Melhor Ator em 2005, Julio Adrião empresta o seu carisma à construção do personagem. Por sua vez, o personagem é, ao mesmo tempo, homem e tempo, multidão e paisagem, falante e ouvinte, poesia e ação. Ao longo de 90 minutos, o ator, bem dirigido por Vannucci, consegue a façanha de entreter e fazer pensar sem deixar cair o ritmo, desafio esse que se torna grandioso quando se trata de um monólogo. O mérito é ainda maior pelo esforço em esconder todos os elementos atrás da performance (atuação). 

Para gostar de teatro, é preciso gostar de homens. Diferente de qualquer outra arte, no teatro, não há arte sem o artista junto dela e também sem o público junto de ambos. Porque sozinhos, e cada vez mais de mãos dadas, esses três encontram em “A descoberta das Américas” lugar ideal para celebrar a própria e tripla existência. Viva!! Bravo!! 

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Ficha técnica:
Texto original: Dario Fo
Tradução e Adaptação: Alessandra Vannucci e Julio Adrião
Direção: Alessandra Vannucci
Interpretação: Julio Adrião
Iluminação: Luiz André Alvim
Operação de Luz: Guigá Ensá
Figurino: Priscilla Duarte
Design Gráfico: Ruth Lima
Edição de material gráfico: Fernando Alax
Assessoria de imprensa: Fabulanas Comunicação
Produção executiva: Thais Teixeira
Coordenação de Produção e Administração: EmCartaz Empreendimentos Culturais