terça-feira, 10 de setembro de 2013

A porta da frente (RJ)

Rogério Freitas (ao lado de Malu Valle) em excelente
trabalho de interpretação
Foto: João Julio Mello 

Conversa segura com o espectador

“A porta da frente” tem como maior mérito o de ser um espetáculo que promove a discussão de vários temas de forma muito acessível. Escrito por Júlia Spachini e dirigido por Jorge Caetano e por Marco André Nunes, o texto (dramático e cênico) não se esconde felizmente em pretensões, mas se disponibiliza ao público sensível e seriamente. É fácil notar as relações entre Filho (homem) e Filha (Mulher), Marido (Homem) e Esposa (Mulher) e entre Hóspede (Mulher) e Vizinho (Homem). A loucura da avó que arruma o cabelo da neta faz oposição direta à seriedade da mãe que vive uma segunda vida no ambiente virtual. A coluna enrijecida e a baixa estatura do Síndico encontra, por sua vez, relação direta com a postura ereta do Vizinho e seus sapatos altos. A paixão platônica do Irmão é olhar para fora enquanto a baixo auto-estima da irmã é olhar para dentro. Nesse sentido, em uma estrutura quadrada, funcional, apolínea, “A porta da frente” surge comportadamente para oferecer lugar seguro para uma discussão tête-à-tête sobre, principalmente, o tema das diferenças. 

Expostos os personagens e a situação central em um par de cenas  iniciais descritivas, surge o conflito. No apartamento ao lado, há um morador que se veste de mulher. De lá, vêm músicas cantadas que perturbam os moradores de cá, esses já estremecidos pela presença de uma figura andrógina. A Esposa (Malu Valle) age em prol da volta da situação inicial, sendo uma, por isso, uma anti-heroína. O Vizinho (Jorge Caetano) é invadido por aqueles que entram em seu apartamento, sendo, por isso, um personagem passivo. A chave do enredo está, assim, no Marido (Rogério Freitas), que ora vive influenciado pelo Esposa, ora pelo Vizinho. A dupla de irmãos (Felipe Haiut e Nina Reis) e a Avó (Maria Esmeralda Forte) são responsáveis pela oxigenação da trama, cujo tema é difícil de ser tratado pela maioria do público (alvo).

Como lidar com as diferenças do outro se não há lógica dentro de mim mesmo? O excesso de paridade do texto, que se dá a ver teatralmente em um cenário em três ambientes (ímpar), vem informar (e assegurar) que há lógica na falta de. Quando o Marido começa a frequentar aulas de canto, quando segredos da Avó são revelados, quando Irmão e Irmã começam a enfrentar o universo do outro e a se olhar mais atentamente no espelho, Esposa e Vizinho, consequentemente, vão se tornando cada vez mais opostos. Com habilidade, Spachini, Caetano e Nunes esticam gradativamente essa “corda” que há de arrebentar. Claro, o lado mais fraco há de sucumbir nesse momento, e esse é o golpe fundamental de “A porta da frente”. 

Com exceção do trabalho de Rogério Freitas, não há surpresas nas interpretações. De um modo geral, o resultado é positivo, cumprindo os objetivos com habilidade, embora sem destaques. Freitas, no entanto, talvez porque também tenha o maior desafio e consequentemente o maior mérito pela sua transposição, é quem consegue obter e evidenciar os detalhes mais sutis, os contornos mais específicos, os momentos mais sublimes da obra em sua atuação. Acompanhá-lo em cena é desvendar o universo complexo proposto por Spadachini, Caetano e Nunes na maioridade de suas potências criadoras. 

Bastante positivo é o cenário de Aurora dos Campos e o figurino de Rui Cortez. As escolhas estéticas, que não só ilustram, mas acrescentam informações a respeito dos personagens, agem discretamente, mas com conteúdo a aprofundar outros níveis. Os tons azuis em Sasha (Jorge Caetano) colocam em xeque o paradigma da cor e do gênero masculino enquanto os tons pastéis da Esposa e do Marido reforçam seus hábitos comuns. Por sua vez, o desenho de iluminação de Renato Machado marca o ritmo e ajuda a definir os focos narrativos positivamente.

O teatro é uma arte incrivelmente generosa e em “A porta da frente” isto está bastante claro. Além de sugerir uma discussão essencial no mundo contemporâneo em termos de comportamento humano, sai-se do Espaço OiFlamengo, onde a produção está em cartaz, cantando Frank Sinatra semana a dentro. É Sasha que não nos sai do ouvido em sua força significativa. Aplausos! 

*

FICHA TÉCNICA:
TEXTO: JULIA SPADACCINI
DIREÇÃO: JORGE CAETANO & MARCO ANDRÉ NUNES

ELENCO: JORGE CAETANO, MALU VALLE, MARIA ESMERALDA FORTE, ROGÉRIO FREITAS, FELIPE HAIUT e NINA REIS

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO : ISABEL THEMUDO
DIREÇÃO MOVIMENTO: MÁRCIA RUBIN
CENÁRIO: AURORA DOS CAMPOS
LUZ: RENATO MACHADO
FIGURINOS: RUI CORTEZ
VISAGISMO: JOSEF CHASILEW
FOTOS: JOÃO JULIO MELLO
DIREÇÃO DE VÍDEOS: GUSTAVO GELMINI
TRILHA MUSICAL : JORGE CAETANO E MARCO ANDRÉ NUNES
DIREÇÃO MUSICAL : FELIPE STORINO
PROJETO GRÁFICO: BRUNO DANTE
PRODUÇÃO : CIA CASA DE JORGE e NOSSA SENHORA DOS PALCOS PRODUÇÕES

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