quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Antes da chuva (RJ)

Luan Vieira e Bruna Portella em excelentes trabalhos
Foto: divulgação

Belíssimo!!!

“Antes da chuva”, novo espetáculo da Cia Cortejo, vêm para a Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana com um ator e uma atriz, um belo desenho de luz, uma trilha sonora discreta e “nada mais”. A aparência de simplicidade, forte e definitiva, é, na verdade, um grande e poderoso muro que esconde uma carga imensa de complexidade que o espectador mais atento poderá contemplar. Atrás desse vazio aparente, há uma concepção bastante bem estruturada que é responsável pelo belíssimo trabalho diante do qual o público do Rio de Janeiro agora pode estar. Dirigido por Rodrigo Portella, o espetáculo parte de duas obras literárias: os livros “O Leitor” (Bernhard Schlink) e “O amor nos tempos do cólera” (Gabriel Garcia Márquez), além das histórias pessoais do casal de atores Bruna Portella e Luan Vieira. O lugar onde ele chega, porém, é único e totalmente seu, dividindo apenas com a história do teatro os méritos do uso de sua linguagem. 

Ana e Aramis (Portella e Vieira) são dois jovens de uma cidade pequena do litoral, esquecida por todos. Conheceram-se um dia em que ele passou embaixo da janela dela e, desde então, um sempre esteve presente na vida do outro. O amor da juventude quase se tornou casamento não fosse a obrigatoriedade dele do cumprimento do serviço militar. Ao voltar, descobriu-a casada com outro e as décadas que se seguiram foram de espera. A espera é o material de que é feito as duas obras literárias citadas, em que seus autores aprisionam seus protagonistas, fazendo-os gastar os anos a construir planos para quando a liberdade chegar. E ela chega acompanhada de algumas surpresas pelas quais o leitor e, aqui no caso, o espectador espera com ansiedade. 

Em uma determinada cena do espetáculo, quase no fim, Aramis, o herói que esperou por Ana durante toda a sua vida, fica sabendo de algo essencial a respeito de sua amada idílica. Quando isso acontece, para Ana, o golpe também é mortal, já que ela fica, então, sabendo que nem mesmo por Aramis fora amada de verdade. Descrevo esse momento ao meu leitor para chamar a atenção para o abismo que Rodrigo Portella faz nascer no curto espaço entre os dois atores no palco completamente vazio. De um lado, vemos uma pessoa completamente estática diante da própria vida e, de outro, temos outra pessoa sem meios de alcança-la. Todos os sentidos que levam até esse ponto são os responsáveis por esse momento de pura poesia cênica. 

No início da encenação, Bruna Portella parece estar interpretando negativamente “uma oitava a mais” que Luan Vieira. A atriz parece estar forte demais, intensa demais, com gestos e expressões largas em excesso. A impressão felizmente logo se mostra falha. Faz parte de Ana essa grito interno por viver a vida em sua plenitude e é preciso que ela seja expressa assim para fazer oposição a Aramis, interpretado por Luan Vieira. Esse é tímido, franzino, gosta de poesia, sente-se mais confortável dentro dos próprios sonhos do que na vida real, como mais tarde descobriremos em totalidade. Os movimentos de proximidades e de distanciamentos entre os dois, ao mesmo tempo em que exibem suas diferenças, expõem o material necessário para o avanço da história, os conflitos que fazem a narrativa girar. 

Na encenação dirigida por Rodrigo Portella, como já se disse, não há troca de figurinos e nem de maquiagem. O casal de jovens atores, assim, permanece com as mesmas características apesar das décadas que se passam na história de seus personagens. O problema é resolvido de um jeito sutil e bastante inteligente. Na dramaturgia, os personagens se multiplicam em si, sendo que os narradores usam sempre o tempo verbal futuro do pretérito (faria, cantaria, beijaria,...). A escolha mostra uma intenção do falante que não se concretizou no presente e talvez também não se concretize no futuro, o que, ainda que situe os vários personagens outros em um lugar de ficção paralela, situa antes os narradores em um ponto fixo, ali, diante do público. O gesto é simples, mas os efeitos significativos são grandiosos, o que prova o talento da Cia. Cortejo em bem usar as ferramentas acumuladas pela história do teatro e construir esse muro que esconde a complexidade para convidar o público a participar de seu "jardim".

São extremamente positivos também os usos da iluminação e da trilha sonora. Junto com os excelentes trabalhos de interpretação, o palco se preenche de cores e de formas, mas mais que isso: de intensidades. O ritmo da música, mas também seu volume, é usado de forma múltipla inteligente, enquanto a iluminação faz centrar a atenção na poética das formas que os atores desenham no palco vazio. Vazio aliás é metáfora excelente para o momento final que já, arbitrariamente antecipamos. 

Carregado de poética, “Antes da chuva” exibe, sobretudo, duas excelentes interpretações. A força e a criatividade de Bruna Portella equilibra-se com a delicadeza e a minuciosidade de Luan Vieira, os dois em grandes trabalhos de atuação. Dos usos das expressões corporais e dos tempos à forma como as embocaduras dão a ver um texto em perfeita dicção, temos aí um espetáculo que merece ser visto em muitas temporadas. Obrigado! 

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FICHA TÉCNICA

Texto: Rodrigo Portella | Direção: Rodrigo Portella e Leo Marvet | Elenco: Bruna Portella e Luan Vieira | Figurinos: Bruno Perlatto
| Trilha Sonora: Cia Cortejo | Músicas Originais: Felipe Chernicharo | Iluminação: Rodrigo Portella | Preparação Vocal: Jane Celeste Guberfain | Assistente de Figurino: Camila Domingues | Produção: Trilhos Produções Artísticas | Produção Executiva: Larissa Gonçalves | Realização: Cia Cortejo

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