quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Talvez uma história de amor (RJ)

Cynthia Reis e Eduardo Pires em cena

Foto: divulgação

A literatura de Martin Page

O maior mérito de “Talvez uma história de amor” é trazer para o teatro a literatura do escritor francês Martin Page (1975). Lançado em 2008, o livro que deu origem à peça homônima, traz Virgile como protagonista. Ele é resultado e expressão da contemporaneidade: o homem em busca de um sentido que 1) lhe explique e lhe traga um pouco de lógica para entender o mundo; e 2) lhe ocupe diante da liquidez das relações e da rapidez da internet e das comunicações. Dirigida por Vinícius Arneiro, a peça conta a história de quando Virgile, que é solteiro e mora só, chega em casa depois do trabalho e ouve um estranho recado na sua secretária eletrônica: “Virgile, aqui é Clara. Sinto muito, mas prefiro que a gente pare por aqui. Vou me separar de você, Virgile. Não quero mais.” Quem é Clara? É, então, que inicia um percurso pelo passado recente atrás dessa pessoa de quem ou ele não conhece ou não se lembra. Idealizado por Pablo Sanábio, o espetáculo em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal é interpretado por Eduardo Pires e por Cynthia Reis e tem dramaturgia de Rafael Gomes. 

O espectador acompanha Virgile (Pires) na sua trajetória em busca das peças que poderão formar essa paisagem que falta e que poderá dar sentido para o recado recebido. Em um mundo em que relações são rapidamente feitas e desfeitas, em que ex-namorados são facilmente esquecidos e pequenos encontros são para sempre lembrados, em que a carência parece dominar em um paradoxo da grande oferta do que fazer e do com quem estar, o fluxo de consciência do protagonista corre livre ao mesmo tempo em que as identificações. A peça, sendo metáfora para o mundo além dela, é também um universo coeso e coerente que sobrevive em paralelo na boa dramaturgia de Gomes. As pistas recolhidas por Virgile na visita a suas ex-namoradas, amigas e terapeuta são analisadas, organizadas, fruídas como partes essenciais de um todo ao qual ele poderá se apoiar para não afogar em meio ao caos. Essa, no entanto, é uma reflexão que surge apenas a partir dos diálogos travados e dos solilóquios do personagem e não, infelizmente, necessariamente uma sugestão do espetáculo (cênico). 

Eduardo Pires apenas o diz o texto, variando no ritmo e oferecendo poucas impressões. Seu personagem chega no final quase que do mesmo jeito como entrou, de forma que a paisagem resultou em inútil, analisando as múltiplas possibilidades interpretativas que o intérprete dispensou. O caos é expresso apenas pela prosódia, sem cor, sem estrutura, sem marcas que sejam propriamente teatrais. É quase como se não houvesse conflito sendo que esse é justamente a situação inicial da peça. Na encenação de Arneiro, as taças de vinho espalhadas pelo palco constroem um quadro bonito, mas que não tem referências claras com a narrativa. A roupa preta de Reis, cuja neutralidade auxilia a atriz na construção das diferentes personagens que ela interpreta, e a roupa em tons pastéis de Virgile igualmente contribuem mais para a estética do que para a diegese. A pobreza nas escolhas da encenação, assim, é oposta à riqueza do universo conturbado do personagem, sem que esse diálogo de oposições diga algo realmente válido. 

Pela multiplicidade de oportunidades, Reis apresenta um trabalho bem melhor que Pires. O jogo de troca de cenas, ponto positivo da direção, é facilmente compreensível para o público graças às sutis mudanças de tom da atriz, tendo ela aí o seu maior mérito. Por outro lado, a regularidade da composição do ator – ombros para dentro, cabeça curvada, olhos baixos – deixa para longe a construção de um “herói”, palavra usada na apresentação da peça. (Aliás, a expressão é “anti-herói” que, menos ainda, diz respeito ao que se vê. Por esse termo, chama-se os protagonistas que ou agem em prol do reestabelecimento do conflito inicial ou são vítimas da trama que lhes invade a existência. Nenhum desses casos é o de Virgile.) 

“Talvez uma história de amor” usa pouco do teatro infelizmente. A vontade de descobrir a obra primeira, a literária, sobrevive felizmente. 

*

FICHA TÉCNICA
IDEALIZAÇÃO: PABLO SANÁBIO, CYNTHIA REIS E EDUARDO PIRES
DIREÇÃO: VINICIÚS ARNEIRO
AUTOR: RAFAEL GOMES

ELENCO: CYNTHIA REIS, EDUARDO PIRES

CENOGRAFIA E FIGURINOS: FLAVIO GRAFF
ILUMINAÇÃO: PAULO CESAR MEDEIROS
MÚSICA: TATO TABORDA
PREPARADORA VOCAL: ISABEL SCHUMANN
PROJETO GRÁFICO: RAQUEL ALVARENGA
PRODUÇÃO EXECUTIVA: KAKAU BERREDO
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: TATIANNA TRINXET
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: PATRICK SAMPAIO
ASSISTENTE DE FIGURINOS E CENOGRAFIA: CLARICE BUENO
ASSISTENTE DE ILUMINAÇÃO: JULIO MEDEIROS
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: ANDRESSA CAZEIRO
FOTÓGRAFO: ANTÔNIO GARCIA
MAQUIAGEM: DÉBORA QUEIROS
COMERCIAL DE TV: DUDU CHAMON
VISAGISMO: CARLOS BORGES E EZEQUIEL BLANC
MARKET ON-LINE: ALÊ FÉLIX
CENOTÉCNICO: HUMBERTO SILVA E HUMBERTO OLIVEIRA JR
COSTUREIRA: ODÍLIA ALMEIDA
BORDADEIRA: MARIA DE FÁTIMA
MONTAGEM DE LUZ: EQUIPE ART LIGHT
ASSESSORIA JURÍDICA : WALTER FONSECA
CONSULTORA CULTURAL: SANDRA HELENA PEDROSO
PRÉ-PRODUÇÃO: JUNIOR GODIM


EQUIPE TEMPORADA
ADMINISTRAÇÃO: ALESSANDRA ALLEGRIA
CONTRA REGRA: JESSE ELIAS E CARLOS HENRIQUE DA SILVA
OPERADOR DE SOM : XIMENES MELO
OPERADOR DE LUZ: LUÍZA VENTURA
PRODUÇÃO ASSOCIADA: O MENINO E AS IDEIAS ENTRETENIMENTO
CO-PRODUÇÃO: ESPAÇO MOVE ENTRETENIMENTO
REALIZAÇÃO: EDUARDO PIRES PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA
ASSESSORIA DE IMPRENSA: MINAS DE IDEIAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!