segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Eu, e o coração torturado de Jean-Nicolas (RJ)

Andy Gerker em cena
Foto: divulgação

Falta ação dramática

“Eu, e o coração torturado de Jean-Nicolas” não é bom, porque não tem ação dramática. A discussão que o espetáculo suscita sobre esse conceito é, no entanto, interessante. Ação dramática é o que há no intervalo entre o ponto inicial e o ponto final da estrutura cênico-narrativa. Como nos célebres “Diálogos de Platão”, apesar de haver personagens, diálogos, lugar e questão definida, o texto é monótono, pois o personagem não se move de um ponto a outro ou de um ponto ao mesmo, mas permanece no mesmo lugar durante toda a narrativa. No caso da peça em questão, cuja dramaturgia e direção são assinadas por Edú Reis, o personagem preenche o tempo com uma investigação filosófica sobre identidade, alteridade e sobre subjetividade (o eu, o eu no outro, o outro no eu, os vários outros no eu, os vários eus no outro, etc) que, embora seja interessante, não é interessante enquanto teatro. Em outras palavras, o teatro tem pouco a contribuir na literatura escrita por Reis, agora em cartaz no Solar de Botafogo, com interpretação de Andy Gerker.

Um dia, o personagem tem despertada a consciência sobre si próprio quando vê sua própria imagem refletida no vidro de uma janela. A partir daí, iniciam vários questionamentos que, ao longo da peça, não se respondem. Enquanto literatura (e sobretudo enquanto literatura filosófica) a abertura de perguntas é interessante, mas, se elas não movem quem as faz para um outro lugar (que bem pode ser o mesmo ponto inicial), o tempo do público passado diante de um ator interpretando um personagem parece ter sido em vão. Vale lembrar que a relação entre o espectador e o personagem não é a mesma que entre o leitor e o texto literário. Enquanto aqui a relação é íntima (cada um lê um livro por vez) e unilateral (o leitor lê o que o autor escreveu, sendo que esse autor não precisa estar presente no ato da leitura e nem mesmo precisa ser conhecido), lá a relação é comunitária (uma só peça é muito frequentemente assistida por mais de uma pessoa ao mesmo tempo) e bilateral (se o ator não está fisicamente diante do espectador, não é teatro). Nesse sentido, a relação tempo e espaço é diferente, pois, embora o leitor possa interromper a leitura, o espectador não pode interromper o espetáculo. E isso faz com que a ação não seja essencial entre a literatura e o leitor, mas seja importantíssima na relação entre público e plateia. “Eu, e o coração torturado de Jean-Nicolas” é, assim, teatro, mas esse visto através de um espetáculo que propõe desafios ao espectador que são altíssimos e não recompensados infelizmente.

No todo da estrutura teatral, depois de ter sido tratado da dramaturgia, é possível identificar pontos positivos. A discussão sobre identidade encontra eco a iluminação intimista, cheia de recortes bastante pequenos e bem pontuais. As paredes do Espaço 2 do Solar de Botafogo sugerem uma atmosfera soturna que também tem bom resultado. Os spikes fixados sobre a roupa negra e justa que o ator veste, em referência ao rock chic, remetem ao gótico e ao romantismo brasileiro de segunda fase, ambos dispostos a situar o homem diante de sua pequenez. No mesmo sentido, a trilha sonora com a famosa “Assim falou Zaratrusta”, do romântico Richard Strauss, também ratifica a disposição da peça em situar o homem em um lugar de importância diferenciado. Tudo isso, aliado à alta expressividade da interpretação de Andy Gerker (não há uma só palavra desvinculada de algum movimento corporal), de forma que é possível evidenciar coerência e coesão no espetáculo na sua capacidade de se auto-referenciar, fortificando o seu caráter filosófico-retórico-argumentativo.

Porque o texto permanece sendo um elemento deslocado dos demais elementos, e esse sem ação dramática, o espetáculo deixa a desejar infelizmente.

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Ficha técnica:
Dramaturgia e Direção: Edú Reis
Atuação e Criação Artística: Andy Gercker

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