sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Fonchito e a lua (RJ)

Com dramaturgia de Pedro Brício e direção de Daniel Hertz,
espetáculo é uma ótima sugestão para todos os públicos
Foto: divulgação

Mario Vargas Lhosa para crianças

“Fonchito e a lua”, como fazem as boas peças de teatro para crianças, faz com que a criança que habita o interior dos adultos desperte. Associada, no imaginário coletivo, à parte mais pura de cada um, a criança dentro de nós é aqui convidada a sorrir com amizades que querem durar para sempre, a se emocionar com o primeiro amor, a se enternecer com o modo com que a imaginação fazia tudo acontecer rapidamente. A partir do conto do peruano Mario Vargas Lhosa, com belíssima dramaturgia de Pedro Brício, a peça tem direção fluente de Daniel Herz e está em cartaz em galeria diferenciada do Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro.

Fonchito (Pablo Sanábio) está apaixonado pela sua colega de classe Nereida (Thais Belchior) e, assim, descobre o amor. E, para nutrir esse sentimento, ele precisará descobrir um jeito de trazer a lua para próximo de sua amada, como assim ela deseja. Nessa aventura, vemos a professora, os colegas de classe, o motorista do ônibus. Também os amigos, os pais dos amigos, a mãe de Fonchito. De um jeito simples, ágil e potente, a dramaturgia de Brício e a direção de Herz fazem fluir a métrica de uma poesia que toca, diverte e enternece mesmo enquanto teatro. Fonchito tem um objetivo claro e o público torce por ele, sofre com ele, alegra-se ao lado, é seu amigo. Nesse sentido, a construção do herói é plena, segura, valorosa, articulando toda a estrutura com méritos facilmente visíveis.

Fonchito tem dois grandes amigos, um gordinho e sensível (Alexandre Barros) e outro inteligente e criativo (Felipe Lima). Na peça, os vemos em suas relações com a escola, nas brincadeiras e também em seus próprios dilemas. Um deles precisará viajar para longe e a cena da despedida concorrerá com a cena final, produzindo um momento de larga emoção. Em um dos melhores trechos da narrativa, temos o diálogo entre Fochito e a Lhama, um de seus brinquedos. Vemos aí o protagonista se aproximar do limite entre a infância e a pré-adolescência, flertando com essa passagem e com todo o medo que as novidades causam. São destaque também as aulas com a professora (Raquel Rocha), quando o público brasileiro tem acesso a um pouco da cultura da história da América Latina, essa infelizmente tão desvalorizada por aqui.

São excelentes as interpretações. Thais Belquior é quem tem os menores momentos da peça, mas a força que seu personagem tem é a garantia da importância das marcas que a atriz viabiliza em seu trabalho. Com a tarefa de movimentar vários tipos, Raquel Rocha também ratifica a potência da produção como um todo, sendo responsável pelos momentos mais divertidos da narrativa. Pablo Sanábio, Felipe Lima e Alexandre Barros deixam ver garotos ideais, os quais conseguem despertar a vontade de sê-los, resultado esse que atinge o objetivo do gênero cênico-narrativo aqui em questão. Ou seja, no que diz respeito ao teatro, tem-se aqui uma produção de alta qualidade em todos os seus aspectos, sobretudo no modo como as intenções são manifestas a ponto de alegrar e de emocionar em situações concomitantes.

Quanto aos signos tornados teatrais, a direção de arte do artista mineiro Ronaldo Fraga tem o mérito de explorar o universo semântico da história por outro caminho para chegar no mesmo objetivo. A peça se passa no Peru, ou seja, o óbvio seria termos uma estética andina a guiar a concepção. Diferente disso, Fraga valorizou o grande amor que aquele povo tem por sua própria história e coloriu o teto da galeria onde a peça é apresentada com temas que nos são especiais, fazendo despertar em nós o amor por nossa história. O elemento andino só aparece em três tocas de lã que são usadas em uma cena e no casaco da professora, marcando lindamente sem exagerar, permitindo que a nossa relação com a nossa pátria converse fluentemente com a relação dos andinos com sua pátria. São belíssimas as modelagens e as estampas dos figurinos, com destaque para os zíperes na parte traseira das peças, elevando, nas roupas, o tom poético da narrativa cênica. Utilizando a palha e o alumínio, o cenário de Clarissa Neves e de Paulo Waisberg pouco acrescenta no conteúdo, mas tem o mérito de criar um espaço neutro e belo ao mesmo tempo, equilibrando-se positivamente com o histrionismo dos figurinos. É de extrema beleza a trilha sonora original de Paulo Santos / Uakti, cujos tons marcam a métrica da narrativa e auxiliam a imagem a passar a impressão de maior durabilidade na retina.

As crianças não têm desenvolvido o exercício da abstração a ponto de construirem argumentos que sustentem um juízo estético de valor. Seus aplausos, seus sorrisos, suas quietudes, assim, pouco expressam de fato o grau do seu envolvimento delas com uma peça dirigida a elas. Somente a criança que habita no interior de um adulto pode julgar um espetáculo desse porte e não há dúvidas de que ela há de adorar "Fonchito e a lua". 

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