sábado, 26 de abril de 2014

2 x Matei (RJ)

Guida Vianna e Gilberto Gawronski
Foto: divulgação

A ironia afiada de Matei Visniec

Em “2 x Matei”, há uma afiada ironia à tendência humana de dar sentido para as coisas. No espetáculo em cartaz no Teatro Poeirinha, em Botafogo, há a justaposição de dois textos do dramaturgo romeno Matei Visniec: “O último Godot” e “O rei, o rato e o bufão do rei”. A peça dirigida por Gilberto Gawronski tem brilhante interpretação dele de Guida Vianna, idealizadora do projeto. Vale a pena conferir a montagem, mas principalmente refletir sobre o que pode unir as duas histórias.

Na primeira história, temos o autor de “Esperando Godot” (Gilberto Gawronski), saindo do teatro após uma sessão cancelada pela falta de público e se encontrando com Godot (Guida Vianna), que está ali para reclamar a sua não participação na peça. No diálogo, está imanente o fato de que o texto célebre de Samuel Beckett é famoso porque, em nenhum momento, fica-se claro quem é Godot, pelo qual Didi e Gogo esperam. Incluir Godot na história traria sentido para a peça, retirando-a do Teatro do Absurdo e, talvez, incluindo-a no roll das muitas comédias costumeiras do teatro convencional. O gesto traria público para a produção, mas, sem dúvida, retiraria dela toda a importância estética. Ao discutir sobre essa possibilidade, esses dois personagens flertam com a rendição ao mundo do puro entretenimento e, enquanto isso, a ironia vem à tona.

Em “O rei, o rato e o bufão do rei”, o imperador e seu bobo foram presos por uma revolta popular e aguardam suas execuções. A melhor parte do texto desse quadro começa quando ambos preparam o discurso final. Vem aí o deboche ao burguês, àqueles que tiram quem está no poder para ocupar-lhes não apenas o lugar, mas também seus vícios. Mais uma vez, duas pessoas conversam em um lugar isolado sobre a tendência da grande multidão que, nessa história, grita ao lado do patíbulo, e, na primeira cena, dorme em casa. O ponto da alta da ironia está no último momento da segunda cena, no como os dois personagens se dirigem à morte: dispostos, mais uma vez, a enganar à massa, essa tão ingênua em sua sanha de poder.

Gilberto Gawronski e Guida Viana mantêm a excelência de suas interpretações no jeito cuidadoso de dizer o texto, com todas as sílabas claras, mas também as intenções, as pausas, as possibilidades de sentido disponíveis. O volume alto convive com o baixo em um roteiro de falas jamais desperdiçado. No caso específico da segunda cena, os dois atores apresentam a multiplicidade de seu trabalho na viabilização das nuances da situação dramática. É brilhante!

O preciosismo do cenário na primeira cena é também a beleza dos figurinos na segunda, ambos assinados por Gawronski. Projeção, led e luz fria de lado, tem-se recursos orgânicos e artesanais, como palha, folha natural, elementos de feltro e cobertor barato, de outro. Destaque também para a maquiagem na caracterização dos quatro personagens. O visagismo é assinado por Hélio Dias.

O título “2 x Matei” alude à célebre montagem de “4 x Beckett”, de Gerald Thomas. Guida e Gawronski pretendem, com isso, homenagear seus mestres teatrais, Sérgio Britto e Ítalo Rossi, falecidos recentemente, que faziam parte do elenco dessa antológica montagem inovadora da cena teatral carioca nos anos 80. A ser visto! 

*

Ficha técnica
De: Matéi Visniec
Tradução:
O último Godot (Roberto Mallet)
O rei, o rato e o bufão do rei (Pedro Sette-Câmera)

Com Guida Vianna e Gilberto Gawronski
Direção e cenografia: Gilberto Gawronski
Supervisão: Amir Haddad
Direção de movimento: Andrea Jabor
Figurinos: Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues
Visagismo: Hélio Dias
Luz: Vilmar Olos
Vídeo e som: Jorge Neto
Produção executiva: Wagner Uchoa
Realização: GPS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS

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