sexta-feira, 18 de abril de 2014

O lugar do passado (RJ)

Wilmar Martins em cena
Foto: divulgação

A boa essência do teatro

“O lugar do passado” reúne os melhores valores do teatro: um ator, em cena, interpretando um personagem e, através dele, contando uma história. Dirigido por Daniel Archangelo, o monólogo interpretado por Wilmar Amaral parte de dois contos célebres da literatura brasileira: “Noite de almirante”, de Machado de Assis; e “Viagem aos seios de Duília”, de Aníbal Machado. Em cartaz no teatro Sesc Casa da Gávea, a peça tem excelente interpretação e direção, mas, sem dúvidas, um brilhante trabalho de desenho de luz assinado pelo diretor.

Nas duas histórias, um homem passou muito tempo vivendo a recordação da amada que ficou no passado. Um deles, ainda garoto, viu uma parte do corpo dela e, depois, partiu para o futuro de onde só saiu quando na aposentadoria. O outro foi em viagem, deixando-a em terra e, agora, vem para revê-la. Na cabeça de cada um, a lembrança idealizada, o sonho alimentado, o desejo ansioso por ser realizado. E, consequentemente, a provável frustração. Essa contradição imanente, jamais escondida aos olhos do público, mas tampouco anunciada, é o que faz de “O lugar do passado” ter um texto tão humano. Positivamente, tem-se aqui um homem falando sobre homens para homens.

A interpretação de Wilmar Amaral é tocante. A maquiagem sóbria não esconde as rugas e o cabelo branco do intérprete, ratificando o realismo psicológico que melhor nos ajudam a ler os contos originais aqui transpostos. Os movimentos lentos, a retórica perfeita, o tom de voz ágil mas ainda delicado valorizam a beleza da literatura do entre séculos. O sabor das palavras entretinha o público leitor assim como seus significados, daí a descrição funcionar como recurso argumentativo da história que se conta. A adaptação de Amaral da literatura para o teatro valoriza as duas artes positivamente para o público.

A direção de Daniel Archangelo faz correr o ritmo no texto, trabalhando com as imagens que as palavras podem construir (e constroem). Por outro lado, faz alentar os tempos no gestual, criando imagens com o cenário e com a luz cujas belezas permitem respirar, fruir as narrativas, se identificar e responder. Os detalhes são minuciosos e a estrutura, apesar de aparentemente simples, é complexa, e positiva porque, assim, representa bem o homem, esse também um animal não superficial.

O terno cinza com colete equilibra bem o tom madeira expresso na mala, no banco e na árvore. A superfície seca do papel pode dar a ver a aridez das vidas que se abstém do amor até o limite. E também pode representar a velhice para o qual se dirigiu o marinheiro e onde chegou o funcionário público. O jogo de luzes de Archangelo cria quadros de beleza singular que oxigenam a história e lhe dá impulso, aumentando o seu valor já alto.

Há que se saber que Wilmar Amaral, cujo trabalho interpretativo foi elogiado, se tornou ator há menos de dez anos apesar de sua idade já avançada. Considerando as histórias de coragem contadas em “O lugar do passado”, essa informação permanece não sendo essencial, mas, sem dúvida, pode ser uma preciosa cereja. Aplausos!

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Ficha Técnica
Seleção de textos, adaptação e atuação: Wilmar Amaral
Direção: Daniel Archangelo 
Assistente de direção: Ana Cecília Reis
Trilha sonora: Wilmar Amaral
Cenografia: Carlos Augusto Campos 
Iluminação: Daniel Archangelo
Produção: Wilmar Amaral Produções Culturais Ltda.

Um comentário:

  1. Realmente a peça é excelente! E o artigo está de parabéns por expressar essa verdade.

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