quinta-feira, 3 de abril de 2014

Oleanna (RJ)

Marcos Breda e Luciana Fávero em excelente espetáculo
Foto: Mônica Vilela

Um espetáculo essencial

“Oleanna” é um texto brilhante escrito pelo dramaturgo americano David Mamet (1947) no início dos anos 90 e que, agora, tem versão brasileira dirigida por Gustavo Paso. No elenco, Luciana Fávero interpreta uma aluna de curso superior na faculdade Oleanna que vai até o gabinete do mestre para conversar com ele sobre suas notas baixas. Se ela for reprovada, terá que abandonar os estudos e, em questão, está todo o esforço empregado para estar matriculada onde está. Do outro lado, Marcos Breda e Miwa Yanagizawa se alternam no papel de professor(a), ele interpretando um personagem heterossexual e ela uma homossexual, ambos casados e, no momento, totalmente dedicados à compra de uma nova casa para a sua família. O texto de Mamet é sobre poder e sobre incomunicabilidade, mas a montagem de Paso, pela alternância dos intérpretes do professor  ao longo da temporada, tematizam também os pontos que estruturam a “verdade” e os nossos preconceitos. Em cartaz no Teatro Glaucio Gill, um espetáculo essencial na programação de teatro carioca.

Duas coisas ficam claras na primeira cena: que a aluna não é boa o suficiente em aprender a lição e que o professor não é bom o bastante em ensinar, o que equiparam os dois personagens positivamente para o início da narrativa. Durante quase todo o primeiro quadro, eles falam ao mesmo tempo, se contradizem e não se ouvem com raras exceções: quando o professor (sutilmente?) pede (ou manda?) que ela se sente. Então, o professor resolve que irá ensinar tudo novamente à aluna. Para ele, esse parece ser um sinal de sua humildade diante de suas explicações mal dadas. Para ela, o ato de benevolência dele parece ser uma ofensa assistencialista e burguesa. Ao longo das cenas, a ingenuidade inicial da aluna se tornará possivelmente a ingenuidade das cenas finais do professor. A ardilosidade inicial do professor, em cuja sala se passa toda a peça, será possivelmente a ardilosidade das cenas finais da aluna, que move um processo contra o mestre por assédio sexual. Forças, a princípio independentes, tornam-se opostas e o espectador tem acesso a isso pela sutileza das brilhantes interpretações de Breda e de Fávero. (Há dias específicos em que Yanagizawa está no elenco a que essa análise não assistiu.) No segundo quadro, os reflexos dos não-ditos da cena inicial serão revisados pelo espectador em sua reflexão sobre o que assiste. Por fim, chegará a hora de tomar partido por um dos dois. E, ao assumir uma opinião, corre-se muito mais riscos de se estar errado.

Enquanto teatro, além do que já é como narrativa, a montagem atual de "Oleanna" permite pensar a respeito dos significados da figura dos intérpretes. Como o figurino, como o tom de voz, como o desenho de luz, a forma do intérprete, isto é, sua figura traz para o palco algo que é anterior (e independente) da peça. Breda e Yanagizawa são figuras humanas diferentes, cujos tons de voz (antes mesmo de serem articulados esteticamente para a composição do personagem), cujos corpos, cujos movimentos são diferentes, têm outras potencialidades significativas. Dessa forma, o jogo proporcionado por "Oleanna" lança um questionamento sobre como seria a mesma situação com outras pessoas, o que aprofunda o ponto de vista do espectador da peça que já seria profundo a partir do texto. 

Pelo texto, pela direção e pelas interpretações, “Oleanna”, que também usa bem de todos os demais elementos estéticos, é um ótimo espetáculo. Sua excelência está em vencer os enormes desafios e sua essencialidade, para quem gosta de bom teatro, está no perspicaz trato do tema. Para ver e rever muitas vezes!

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FICHA TECNICA
TEXTO: DAVID MAMET
TRADUÇÃO: MARCOS DAUD
DIREÇÃO: GUSTAVO PASO
ELENCO: LUCIANA FÁVERO, MARCOS BREDA E MIWA YANAGIZAWA
CENÁRIO: GUSTAVO PASO E TECA FICHINSKI
FIGURINOS: TECA FICHINSKI
ILUMINAÇÃO: PAULO CESAR MEDEIROS
TRILHA COMPOSTA: ANDRE POYART
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: MONICA VILELA
ASSESSORIA DE IMPRENSA: ALESSANDRA COSTA

Um comentário:

  1. Adoro ler tuas "críticas", Rodrigo.
    Dá vontade de assistir TODOS os espetáculos que recomendas...
    Poa tem saudade de ti e o R.J. saiu ganhando!

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