domingo, 4 de maio de 2014

O homem da cabeça de papelão (RJ)

Cleiton Rasga interpreta Antenor
Foto: divulgação

Problemas na adaptação

“O homem da cabeça de papelão”, história escrita a partir do conto de João do Rio, tem falhas na adaptação e na direção de João Batista que prejudicam a narrativa. O protagonista Antenor é um homem que, desde criança, tem problemas porque só sabe dizer a verdade. Um dia, cansado de sofrer, ele vai a um relojoeiro e resolve deixar lá a sua cabeça “desregulada”. Em troca, ganha uma de papelão para ser usada durante o conserto da original. Essa cabeça de papelão, porém, revoluciona a vida de Antenor, que passa a ter dúvidas se voltará ou não para buscar a primeira. O conto, assim, situa a história em um realismo fantástico que é essencial para a construção da poesia. Na adaptação, o encontro de Antenor com o Relojoeiro se dá de forma a não ressaltar essas diferenças, antecipando uma profundidade prejudicialmente. Além disso, na direção, as cenas são paradas, longas, expositivas, com um ritmo bastante monótono. A peça integrou a programação do ocupação “Veja a Cena, Ouça a Canção”, do Teatro Dulcina, na Cinelândia, Rio de Janeiro.

Antenor é um personagem que é diferente de todos os demais pela cabeça que tem. Ele só passa a ser próximo aos demais quando assume uma cabeça de papelão emergencialmente. Na versão de João Batista, é apenas conceitualmente que Antenor se difere, pois, na cena, ele está teatralmente igual aos demais. Sai, assim, fora dessa concepção de adaptação o expressionismo da estética da encenação e o realismo fantástico do texto, empobrecendo a obra de João do Rio. Quando a peça revela as proximidades entre Antenor e os demais personagens, deixa de considerar a função do público em fruir a história contada.

Com exceção de Cleiton Rasga e de Sônia Praça (a Mãe), todos os atores empregam uma força dramática dispendiosa. Os tipos criados levam a peça para outro lugar estético, um terceiro, que não encontra coerência nem em si próprio. Praça e Rasga, com alguns momentos de exceção, sustentam um tom mais realista que seria positivo fosse isso uma marca. Nesse sentido, é difícil identificar uma unidade no trabalho de interpretação que possa ser parâmetro firme para qualquer julgamento.

Mauro Leite, assim como a iluminação de Renato Machado, ajuda a criar o expressionismo nos tons dos figurinos e nos desenhos com múltiplos focos, mas inclui Antenor dentro do grupo dos demais, confirmando os problemas da direção. Doris Rollemberg cria um fundo composto de caixas de papelão que meramente ilustra a história e não diz propriamente a que veio. A trilha sonora de Marcelo Alonso Neves é bem interpretada, mas não auxilia no ritmo da narrativa que se torna, nas canções, ainda mais lento.

“O homem da cabeça de papelão”, cujo texto já é um clássico, segue sendo atual devido às constantes notícias de corrupção na política nacional. Nesse espetáculo da Cia. Dramática de Comédia, João do Rio (1881-1921) continua sendo o ponto mais positivo.

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FICHA TÉCNICA:
O HOMEM DA CABEÇA DE PAPELÃO de João do Rio
Direção e adaptação: João Batista
Elenco: Cleiton Rasga, Dudu Salinas, Giselda Mauler, Julia Deccache, Leonardo Miranda, Péricles Amim, Sonia Praça
Cenografia: Doris Rollemberg
Figurinos: Mauro Leite
Iluminação: Renato Machado
Músicas e Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Preparação Vocal e arranjos vocais: Paula Leal

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