domingo, 15 de junho de 2014

Relações aparentes (RJ)

Frank Borges, à esquerda, apresenta
bom trabalho de interpretação
Foto: divulgação

Problemas na concepção

“Relações aparentes” celebra a força de um bom texto que consegue sobreviver mesmo a uma concepção ruim de encenação. Com a belíssima Antônia Mayrink da Veiga Frering no papel de Sheila, o espetáculo sofre principalmente por uma má compreensão das funções narrativas de cada personagem. A peça é um vaudeville assinado pelo dramaturgo britânico Alan Ayckbourn com direção de Ary Coslov e de Edson Fieschi e com bom trabalho de interpretação de Frank Borges. Tato Gabus Mendes e Giselle Batista  integram o elenco dessa peça que cumpriu temporada no Teatro Sesc Ginástico no centro do Rio de Janeiro. Destaque positivo para o cenário de Marcos Flaksman.

Escrito no verão de 1965, o texto de Alan Ayckbourn, mesmo autor de “Isto é o que ela pensa”, parte do princípio cômico dos mal entendidos. Duas pessoas conversam, mas uma tem um referente e outra tem outro. Os jovens Greg e Ginny estão juntos há pouco tempo e Greg sabe que, no passado, ela se envolveu afetivamente com um homem mais velho. Apesar de estranhar a chegada frequente de flores e de chocolates, bem como a presença de um par de chinelos masculinos que não são seus, ele quer, mesmo assim, conhecer os pais de Ginny para pedir-lhes a mão da filha em casamento. Quando a peça começa, é um domingo pela manhã, quase na hora da partida do trem que leva a uma região rural da Inglaterra. Ginny diz para Greg que está indo visitar seus pais, mas, na verdade, ela está indo procurar o ex-namorado Philip para pedir que ele pare de lhe importunar. No quadro seguinte, Greg, que pegou sorrateiramente o mesmo trem que Ginny, chega antes a casa de Philip e de Sheila, pensando serem eles os futuros sogros. No imbróglio, Sheila fica sabendo que é traída pelo marido.

O maior problema da montagem atual de “Relações aparentes” (“Relatively speaking”) é a concepção que coloca lado a lado os papéis de Greg e de Sheila. Trata-se de um erro de leitura, pois o protagonista é unicamente Greg, a figura ingênua (e, por isso, mais engraçada) do texto. Ele é enganado pela namorada que diz que vai visitar os pais, por Philip que confirma ser seu futuro sogro e, por fim, por Sheila que lhe consegue uma lua de mel no exterior. É ainda o personagem que mais sofre, o que mais se alegra, aquele que faz a narrativa girar em círculos cada vez menores como em todo bom vaudeville. Ao proporcionar uma visão de Sheila como alguém também sem relativa expressão, ironia, sarcasmo e autocrítica, a direção quebra a hierarquia diegética e entrunca o ritmo de narração negativamente. Como está, com Greg e Sheila usando variações de azul e com Ginny e Philip vestindo variações de laranja, a peça une personagens em grupos errados, desfaz o contraponto e emperra o fluxo.

Frank Borges está bem na sua apresentação de Greg, explorando o potencial cômico de seu personagem protagonista. O efeito só não é melhor porque raramente os demais personagens lhe fazem clara oposição. Gisele Batista deixa ver muito discretamente que sua Ginny mente sobre sua viagem para proteger o namorado, isto é, faz uma coisa ruim com objetivos nobres. Tato Gabus Mendes praticamente não possibilita corporalmente evidenciar que seu personagem Philip ainda ama Ginny e planeja viajar com ela. Por fim, a Scheila de Antônia Frering perde os melhores momentos do texto que seriam justamente primeiro descobrir que é traída, depois vingar-se do marido e, por fim, dizer as palavras finais sobre o assunto. Mendes, Batista e Frering limitam-se a tornar o texto dramático em teatro, o que é pouco. A esses personagens, falta vida.

Marcos Flaksman constrói um cenário que corresponde ao realismo de que precisa partir o vaudeville. No momento em que o espectador precisar perder-se em significações para lugares mal feitos, deixará de prestar a atenção nas reviravoltas da história. Não é isso o que acontece felizmente. Seu trabalho não é melhor visto pela luz de Maneco Quinderé que “chapa” a cena tanto do apartamento como do pátio, sem expressar a passagem de tempo nem tampouco dar ao cenário maior profundidade. O figurino de Marília Carneiro cumpre a concepção equivocada da direção com substancial beleza.

Quando um texto é bom, falta ao teatro fazer a outra metade do caminho. Aqui não fez.

*

FICHA TÉCNICA
Direção: Ary Coslov e Edson Fieschi
Texto: Alan Ayckbourn
Tradução: Alexandre Tenório
Elenco: Tato Gabus Mendes, Antonia Frering, Giselle Batista e Frank Borges

Cenário: Marcos Flaksman
Luz: Maneco Quinderé
Figurino: Marília Carneiro
Assessoria de Imprensa: Will Comunicação – Luiz Menna Barreto/Alberto Bardawil
Diretor Geral de Produção: Luciano Borges
Produtores Assossiados: Antonia Frering, Edson Fieschi e Luciano Borges
Realização: Borges & Fieschi Produções Culturais

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