quarta-feira, 23 de julho de 2014

A dama do mar (RJ)

João Vitti (Estrangeiro) e Tânia Pires (Ellida) em cena
Foto: divulgação

Outro “A dama do mar”

A versão assinada por Mauro Arruda Mendonça para “A dama do mar”, do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), mexe em time que sempre esteve ganhando. Originalmente a peça é a defesa do seu autor pelo direito do homem de escolher o seu próprio destino. A montagem dirigida por Paulo de Moraes pauta, nessa adaptação, justamente o oposto: o homem está à sorte do destino. Produzida pela Talu Produções, a peça está em cartaz no teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, no Rio de Janeiro.

Escrita em 1888, “A dama do mar” conta a história de Ellida que precisa escolher entre partir com o Estrangeiro, revivendo emocionantes aventuras amorosas, ou permanecer com seu marido em uma pequena cidade litorânea da Noruega, em uma vida morna e sem grandes acontecimentos. Ibsen cria uma personagem que tem escolha apresentando outros pessoas cujas vidas são resultantes dos seus destinos. Há um médico que não salva vidas, jovens que não vão a festas, um artista que não faz arte em oposição à Ellida, que não quer ser como eles. Na diferença, está o conflito na dramaturgia desse texto realista.

Apesar do figurino vermelho e do cabelo ruivo, Ellida (Tânia Pires) não se destaca na peça, mas, sim, as enteadas Hilda (Andressa Lameu) e Bolette (Renata Guida). Nessa montagem, elas têm muito mais força, sendo as protagonistas de uma das cenas mais bonitas da produção: a que ambas olham para o público e listam acontecimentos importantes no mundo no ano de 1888. Presas em suas vidas, nada resta às duas jovens a não ser cumprir seus destinos. Em uma época da história da arte em que o realismo refletia posicionamentos diferentes sobre o mundo, Ibsen foi para um outro lado que não esse que agora se apresenta. Para o norueguês, era o homem e não o meio em que ele vive que comandava a própria vida. Baseados na premissa de que o texto teatral é apenas pretexto para a encenação, Mauro Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes assinam um outro “A dama do mar”, apesar do título e dos personagens homônimos.

O ritmo da montagem é lento, estruturando um tipo de narrativa com intenções simbólicas. Dois aquários marcam as diagonais do palco inclinado. Em um deles, peixes reais nadam. Em outro, um homem e uma mulher mergulhados pontuam o início. O cativeiro de peixes é um símbolo do determinismo, do realismo-naturalismo do francês Émile Zola, pensamento e estilo opostos ao de Ibsen, mas aparentemente coerentes com a proposta da dupla de encenadores. No mais, toda a encenação se apresenta sem cenários nem objetos.

O momento mais complicado da encenação é uma cena em que, ao invés dos personagens dizerem suas falas, comentam a situação e reproduzem o que seria a fala dos outros, usando a terceira pessoa. Sem alguma justificativa visível no contexto cênico-narrativo, o mérito dessa opção dramatúrgica fica apenas no exercício de uma linguagem descolada tanto da versão de Ibsen quanto da própria versão de Mendonça e de Moraes até aí. 

Não há maus trabalhos de interpretação nessa montagem, mas também não há destaques positivos. O figurino de Carol Lobato subverte, coerentemente com a direção, o gênero realista, talvez objetivando o simbolismo. Os paletós dos homens têm manchas nas bases inferiores, expressando algo pouco claro. Cada um dos três vestidos das personagens femininas segue uma concepção diferente. Nesse sentido, as roupas ajudam a retirar alguma força que ainda resta no texto. A iluminação de Maneco Quinderé tira óbvio proveito da água transparente nos aquários.

O maior mérito desse “A dama do mar” é manter, no espectador, a necessidade de ler o original, o que não é algo ruim.

*

Ficha técnica
Texto: Henrik Ibsen
Versão: Maurício Arruda Mendonça
Direção cênica e concepção: Paulo de Moraes

Elenco:
Tânia Pires –Ellida
Zeca Cenovicz – Wangel
Joelson Medeiros – Professor Arnon
Renata Guida - Bolette
Andressa Lameu – Hilda
Leonardo Hinckel –Lyngstrand
João Vitti (ator convidado) – Estrangeiro

Cenografia: Paulo de Moraes
Iluminação:Maneco Quinderé
Figurinos: Carol Lobato
Trilha Sonora:Ricco Viana
Produção: Vetor Produções
Realização: Talu Produções

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!