domingo, 27 de julho de 2014

Cássia Eller - O musical (RJ)

Foto: divulgação


Tacy de Campos brilha como Cássia Eller

Uma versão ingênua de Cássia Eller

“Cássia Eller – O musical” tem o mérito e o defeito de ser unicamente uma homenagem à cantora carioca Cássia Eller (1962-2001). Assinado por Patrícia Andrade, o texto é ingênuo além de monótono, o que aumenta muito a responsabilidade de Tacy de Campos, que interpreta a protagonista, de seus parceiros de cena e dos músicos. Felizmente, pode-se dizer que Campos, assim como Laila Garin (Elis), Marília Pêra (Carmen Miranda), Solange Badin (Marlene), Tiago Abravanel (Tim Maia) e Clara Santhana (Clara Nunes), consegue apresentar um trabalho de mergulho que resulta em uma boa interpretação do personagem-título. Dirigido por João Fonseca e por Vinícius Arneiro, o espetáculo encerrou no domingo passado a temporada no Rio e se propõe a excursionar pelo país no segundo semestre de 2014.

Quando Cássia Eller morreu, há pouco mais de doze anos, os resultados dos exames não foram oficialmente divulgados. Sabia-se que ela tinha quebrado uma porta de vidro, que seus telefones convencionais haviam sido destruídos, que os músculos de seus braços se recuperavam de picadas antigas e recentes. Era de conhecimento público que ela estava em tratamento para se manter livre da cocaína e que o ano de 2001 tinha sido um ano de muito trabalho pesado, o que deixava a cantora exausta em vários sentidos. Nada disso aparece na dramaturgia de Patrícia Andrade para essa versão que se diz biográfica. Segundo o texto do musical “Cássia Eller”, a cantora experimentou maconha quando ainda era adolescente e não gostou. A partir daí, a peça, que ainda levará mais duas horas para terminar, não faz menção alguma ao uso de drogas, no máximo pincelando problemas com o alcoolismo. No fundo do palco, uma imagem minúscula de uma santa compõe o cenário, simbolizando a versão ingênua pela qual essa produção infelizmente optou.

Além disso, não há conflito que movimente a história para além de uma mera oportunidade de inclusão de mais de trinta músicas celebremente gravadas por Cássia Eller. Suas primeiras descobertas homossexuais aparecem apoiadas pela mãe. O apoio dos amigos aparece sempre como maior que suas dificuldades financeiras e que sua timidez. Os produtores sugerem boas ideias para discos ou ela convence facilmente os produtores de suas boas ideias. Ou seja, tudo parece ter sido muito fácil na vida da cantora de modo que esse musical se constrói através de um afastamento da realidade que é enormemente prejudicial ao ritmo da narrativa de Patrícia Andrade.

A direção de João Fonseca e de Vinícius Arneiro tem marcas invisíveis, sem proporcionar um único momento que seja visual e cenicamente interessante. Os cenógrafos Nello Marrese e Natália Lana situam a história dentro de uma caverna escura que é interessante nos primeiros cinco minutos, mas que depois desaparece completamente tamanha a sua neutralidade. Tirando um paupérrimo entra e sai de cadeiras brisas (Tok & Stok) também pretas e a evolução do repertório musical, nada muda. Os atores quase nunca saem totalmente de cena, assistindo às cenas sentados no palco. O figurino se modifica apenas com o acréscimo de algumas peças, mantendo-se firme em um realismo de época que a dramaturgia não expressa.  Confiando unicamente na admiração do público por sobre a personagem-tema, nada muda na narrativa de "Cássia Eller - O musical" ao longo de cento e cinquenta longos minutos. Nem o ponto de vista sobre a personagem, nem o quadro plástico da obra cênica dirigida por Fonseca e por Arneiro, assistidos por João Pedro Madureira.

Tirando a qualidade musical da banda, que uma análise especializada poderá elogiar ainda mais, o único mérito de “Cássia Eller – O musical” é o trabalho de parte do elenco. Evelyn Castro (Mãe/Ana) e Thainá Gallo (Moema/Lan Lan) trazem carisma e boas interpretações a esse elenco que tem grandes destaques em Emerson Espíndola (Marcelo Saback/Executivo/Nando Reis) e principalmente em Tacy de Campos (Cássia Eller). Com jovialidade e graça, esse grupo se esforça e consegue de alguma forma despertar atenção do público para outros pontos que não apenas as interpretações das canções, promovendo um equilíbrio dentro do lhes é possível. Campos constrói uma personagem extremamente doce pela qual é fácil de se apaixonar. Castro, Gallo e Espíndola agem no mesmo sentido felizmente.

Em tempos de Wikipedia e de Banda Larga, um musical que apresenta sem uma dose mínima de complexidade os principais momentos da vida de uma cantora como Cássia Eller, ainda que reproduza belamente seu repertório musical, perde a oportunidade de ser pelo menos interessante. Deixa a desejar.

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Ficha Técnica
PATROCÍNIO: Grupo Segurador Banco do Brasil, Mapfre e Eletrobrás
COPATROCÍNIO: FINEP
APOIO: ONS
REALIZAÇÃO: Ministério da Cultura e Governo Federal
TEXTO: Patrícia Andrade
DIREÇÃO: João Fonseca e Viniciús Arneiro
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Gustavo Nunes
DIREÇÃO MUSICAL: Lan Lan
CODIREÇÃO MUSICAL: Fernando Nunes

ELENCO (ordem alfabética):
Eline Porto (Claudia / Eugênia)
Emerson Espíndola (Ronaldo / Marcelo Saback / Elder / Executivo / Nando Reis)
Evelyn Castro (Nanci (mãe) / Ana)
Jana Figarella (Rúbia / Dora)
Mario Hermeto (Altair Eller / Oswaldo Montenegro / Violonista / Empresário / Guto / Fernando Nunes )
Tacy de Campos (Cássia Eller)
Thainá Gallo (Moema / Lan Lan)

BANDA:
PIANISTA: Felipe Caneca
BAIXISTA: Pedro Coelho
GUITARRISTA: Diogo Viola
BATERISTA: Mauricio Braga
VIOLONISTA: Fernando Caneca

DIREÇÃO DE MOVIMENTO: Márcia Rubin
FIGURINISTA: Marília Carneiro e Lydia Quintaes
CENÓGRAFO: Nello Marrese e Natália Lana
VISAGISMO: Beto Carramanhos
DESIGN DE LUZ: Maneco Quinderé
CENOTÉCNICO: André Salles e equipe
DESIGNER E ENGENHEIRO DE SOM: Carlos Esteves
PREPARADOR ELENCO (Tacy de Campos): Ana Paula Bouzas
PRODUTORA DE ELENCO: Cibele Santa Cruz
PESQUISADORA: Barbara Duvivier
FOTÓGRAFO: Marcos Hermes
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO: João Pedro Madureira
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO DE MOVIMENTO: Luar Maria
REPRESENTANTE DO ESPÓLIO DA FAMÍLIA DA CÁSSIA ELLER: Rodrigo Garcia
GERENTE DE PRODUÇÃO: Joana Motta
PRODUÇÃO EXECUTIVA: Renata Costa Pereira
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Tamara Ganem

EQUIPE MUSICAL:
PREPARAÇÃO VOCAL: Marco Dantonio
PIANISTA ENSAIADOR: Felipe Caneca
IDEALIZAÇÃO: Gustavo Nunes
PRODUÇÃO: Turbilhão de Ideias

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