sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Casa da Morte (RJ)

Foto: divulgação
Fernanda Maia em excelente trabalho

Femín Cabal e a tortura no período ditatorial

 “Casa da Morte” é o novo espetáculo do grupo Teatro do Pequeno Gesto. A peça, dirigida por Antônio Guedes, é a versão brasileira do texto “Tejas verdes”, escrito em 2003, pelo consagrado dramaturgo espanhol Fermín Cabal, entre outras coisas co-roteirista de “Maus hábitos”, de Pedro Almodóvar. Em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana, a produção integra a programação dos 50 anos do Golpe Militar de 1964, trazendo a história de uma jovem torturada nos porões da ditadura. Sem dúvida, o tema torna essa peça um roteiro essencial nesse ano de 2014.
Fermín Cabal escreveu o texto para marcar a sua participação nos 40 anos do golpe militar que depôs Salvador Allende da presidência do Chile. “Tejas verdes” é o nome de uma colônia de férias construída no fim dos anos 30 às margens do Rio Maipo, no Chile. Nos anos 50, a propriedade passou a ser administrada pelo exército. Com o advento da ditadura do General Pinochet, foi onde vários dos três mil mortos e desaparecidos do golpe militar daquele país tiveram o seu fim. Na peça de Cabal, conhece-se Colorina (Canarinho, na versão brasileira assinada por Fátima Saadi), uma jovem torturada até a morte em Tejas Verdes. Encontra-se também sua amiga e parceira de cela, sua delatora. Em seguida, a funcionária do cemitério público que a desenterrou e entregou seu corpo para a cremação. Depois, a médica que cuidou de seus documentos oficiais e, por último, a advogada de Pinochet que dá o seu parecer sobre a acusação de tortura naquele período histórico. Na versão do grupo Teatro do Pequeno Gesto, não há o último quadro, bem como qualquer outra marca que aproxime a peça da história do Chile. Antônio Guedes justifica os cortes, dizendo que a intenção foi tornar o texto plenamente relacionável à realidade histórica do Brasil. O resultado é que “Casa da Morte”, enquanto espetáculo, pode ser lido como o retrato da tortura que houve e que ainda há em qualquer país. As marcas identitárias do texto foram apagadas, mas, considerando o nosso período nacional de reflexão, o resultado da dramaturgia é positivo.


A dramaturgia se estrutura em monólogos e Priscila Amorim, Fernanda Maia e Marcos França estão no elenco, apresentando seus personagens em roupas neutras e com peles limpas, dirigindo-se para o público frontalmente sem nenhum outro elemento além da voz. Nessa encenação, toda a dramaturgia está unicamente no texto, sem que o teatro pareça oferecer algo além de poucas variações no tom, nas intenções e nas pausas. Porque “Casa da Morte” fala de tortura, a opção estética aponta positivamente para o peso que o texto tem por si só. No entanto, com isso, a responsabilidade dos atores aumenta muito. Priscila Amorim não consegue tirar sua Canarinho das sombras, usando um falar monocorde, sem expressão, negativamente frio para o texto da protagonista. Marcos França (a Médica) e principalmente Fernanda Maia (a Delatora e a Coveira) conseguem resultados muito melhores dentro da mesma proposta, valorizando o texto e, dentro da proposta de não-encenação, evidenciando alguma boa imagem. No geral, a proposta resulta quase em uma literatura dita sob um refletor, mantendo na peça apenas os grandes méritos do texto de Fermín Cabal.
O cenário é composto por uma instalação sonora assinada por Paula Leal e por Amora Pêra. O balanço de microfones ligados sobre caixas de som geram aquele barulho irritante de microfonia. Enquanto elemento artístico, pode reproduzir o incômodo causado pelo som, além de sugerir o visual de uma lâmpada incandescente balançando no teto, mas que acaba por figurar muito elementarmente mesmo em um quadro estético de não-teatro. Os vídeos de Carlos e de Antônio Azambuja, projetados em pilhas de caixas de papelão, também não atingem bom resultado, porque não se articulam definitivamente com a peça embora lhe façam algumas sugestões.

Durante a última semana, o jornal O Globo publicou uma matéria de Raphael Kapa, revelando que Raul Amaro Nin Ferreira foi torturado até a morte aos 27 anos em agosto de 1971. O Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro, onde aconteceu o crime, foi a versão brasileira de Tejas Verdes, a nossa infeliz Casa da Morte. Nesse sentido, a iniciativa do Teatro do Pequeno Gesto é de suma importância e o seu mais recente espetáculo deve ser visto.
 *

Ficha técnica:
Texto: Fermín Cabal
Direção: Antonio Guedes
Dramaturgia: Fátima Saadi
Cenografia: Doris Rollemberg
Figurino: Mauro Leite
Vídeo: Carlos Azambuja e Antônio Azambuja
Iluminação: Binho Schaeffer
Instalação sonora: Paula Leal e Amora Pêra
Produção executiva: Damiana Guimarães
Elenco: Fernanda Maia, Marcos França e Priscila Amorim. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!