terça-feira, 12 de agosto de 2014

Elza e Fred (RJ)

Foto: divulgação

A responsabilidade e o mérito de Suely Franco

A peça “Elza e Fred” é uma má adaptação do filme homônimo, apesar das boas participações de Suely Franco e de Mayara Magri e  do bom roteiro original. Em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, a produção dirigida por Elias Andreato exagera no melodrama de forma negativa, agradando apenas por dois entre vários motivos que fizeram a obra cinematográfica primeira tão famosa: o carisma da atriz principal e o texto. O que se vê no palco é uma versão chapada, linear, superficial, com exagero nos tons lavanda e com trabalhos comprometedores no cenário, no figurino, na iluminação e na trilha sonora, além das interpretações infelizmente. Ao justificar essas afirmações, o texto abaixo se propõe a oferecer algumas reflexões.

Lançado em 2005, o filme hispano-argentino “Elsa y Fred” teve roteiro de Lily Ann Martin, Marcela Guerty e de Marcos Carnevale, com direção do último. Sabe-se de uma versão teatral mexicana (2010) e se espera pela estreia nos cinemas do Brasil da produção americana estrelada por Shirley MacLaine e por Christopher Plummer (o Capitão von Trapp, de “A noviça rebelde”), essa dirigida por Michael Radford. No original, Manuel Alexandre e China Zorrilla interpretam os idosos Elsa e Alfredo, vizinhos de porta, mas com personalidades muito diferentes que se conhecem e se apaixonam quando já próximos dos 80 anos. Elsa ensina para Fred que a alegria de viver nunca deve ser perdida e recebe em troca a realização de um grande sonho alimentado desde sua juventude. No Brasil, Suely Franco e Umberto Magnani interpretam o casal de protagonistas. 

Trata-se de uma comédia dramática como tantas outras produzidas pelo cinema principalmente desde o início dos anos 90, que parte da experiência do autor Marcos Carnevale na televisão argentina, mas que tem marcas que conferem à estrutura dramática uma certa profundidade. O personagem Elsa é um todo colorido, alegre e mágico, mas que, como todo bom clown, tem dentro de si uma lágrima. Enquanto avisa que sai com as amigas, Elsa, na verdade, faz consultas médicas, o que deixa o espectador ver uma decisão particular dela de guardar de si e para si uma parte de sua vida que não é tão boa. Além disso, a imagem de Syvia Rank (Anita Ekberg) entrando na Fontana de Trevi, no filme italiano “La Dolce Vita”, de Federico Fellini, é um referencial para a a audiência de viver a vida intensamente, de rebeldia e, para Elsa, de sonhos não realizados. No entanto, e isso é bastante relevante, não é em Elsa que está a principal curva dramática da história, mas em Alfredo. Ao conhecer a nova vizinha, esse recente viúvo irá ver a sua própria vida, julgar o modo como tem agido e, então, poderá dar um passo em favor de si mesmo. “Elsa y Fred”, assim, não é um filme sobre velhice, nem sobre respeito aos idosos, mas sobre a importância de não se acomodar em qualquer das idades. Infelizmente, a montagem em cartaz Shopping da Gávea mostra apenas uma história de amor que é bela porque acontece já numa época inusitada da vida, o que é muito pouco.

Pelo que tem feito no teatro ultimamente, Suely Franco é a atriz certa para o personagem certo. A atriz tem o mérito de dizer as falas avidamente, de sustentar as cenas em excelente ritmo tanto para o drama como para a comédia, em movimentar-se com graça, em cantar lindamente e de ser a cada ano mais bonita e elegante em cena. Mas não é justo que toda a responsabilidade do mérito de um espetáculo caia sobre ela. Sob direção de Elias Andreato, o elenco numeroso de “Elza e Fred”, composto por Umberto Magnani (Fred), Mayara Magri (filha de Fred), Eduardo Estrela (genro de Fred), Antônio Haddad (neto de Fred), David Leroy (médico de Fred), Fernando Petelinkar (filho mais velho de Elza), Luciano Schwab (filho mais novo de Elza) e por Igor Dib (médico de Elza), meramente diz o texto e executa as marcas sem registros de uma contracena, com exceção de Magri e de Schwab em alguns momentos. Magnani não apresenta a considerável oposição de seu personagem em relação ao de Suely de forma a pontuar a sua modificação cena após cena até o final. Aparentemente, ele realizará o sonho de Elza, mas, após o fim, voltará a ser o que era antes, o que reduz drasticamente não só o tamanho de seu personagem, mas também o de Elza e da obra como um todo. 

Os elementos estéticos da ordem da direção de arte são responsáveis pelos piores momentos de “Elza e Fred”. No cenário de Fábio Namatame, o sofá de baixa qualidade é o mesmo nos dois apartamentos, esses expressos com paredes lisas e poucos detalhes, o que revela quase nenhum investimento. O quadro de Anita Ekberg, tão caro à personagem Elza, aparece em uma imagem 10x15cm, obrigando o público a lembrar-se tanto do filme de Carnevale como do de Fellini negativamente. Os figurinos também de Namatame, ratificando a luz e a ambientação, repetem-se em uma paleta de cores lavanda, que pouco varia entre o azul e o vermelho em uma multiplicidade cansativa de cor-de-rosa, roxo e de lilás. O excesso de contraluzes no desenho de Wagner Freire ajuda a prender a encenação em um padrão unicamente frontal que é muito raso. A trilha sonora, inteiramente executada ao vivo no teclado por Jonatan Harold, é composta essencialmente por uma melodia simples que faz a peça parecer um adocicado “power point de autoajuda”, desses que se viralizam nas redes sociais à exaustão. 

É preciso dizer, antes de findar a análise, que o espetáculo ainda pode emocionar principalmente o público de idade mais avançada que, pelos motivos óbvios, há de se identificar mais rapidamente com os personagens protagonistas. É uma pena, pois, contribuísse o teatro para essa história tanto fez o cinema para o filme, a peça atingiria a todos. 

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FICHA TÉCNICA:
Texto e adaptação: Marcos Carnevale, Marcela Guerty e Lily Ann Martin
Tradução: Rodrigo Paz
Direção: Elias Andreato

Elenco:
Suely Franco (Elza)
Umberto Magnani (Fred)
Mayara Magri - atriz convidada (Cuca)
Eduardo Estrela (Paco)
Fernando Petelinkar (Gabriel)
Luciano Schwab (Alexandre)
Antonio Haddad (Davi)
Igor Dib (médico / garçon)
David Leroy (João)

Cenários e Figurinos: Fábio Namatame
Iluminação: Wagner Freire
Trilha Sonora Original: Jonatan Harald
Produção: Coprodução Brainstorming e Charge Produções

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