sábado, 27 de setembro de 2014

Tríptico Samuel Beckett (SP)

Foto: divulgação
Aos 84 anos, Nathalia Timberg interpreta seu primeiro Beckett

A peça é que não é boa

“Tríptico Samuel Beckett” é uma peça mais difícil do que poderia ser. O escritor irlandês, cujo nome consta no título da produção dirigida por Roberto Alvim, é famoso por vários motivos, entre eles o de não ser um autor de textos fáceis de ler, de se montar e de se lhes assistir. Por causa disso, há mérito em todo e qualquer esforço em sugerir o contrário, considerando que se trata de um do maiores autores do teatro universal. Essa montagem infelizmente não tem esse mérito. Com Nathalia Timberg, Juliana Galdino e Paula Spinelli no elenco, “Tríptico” cumpriu temporada no Espaço Sesc Mezanino, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, deixando um gosto amargo no aplauso dado.

Publicadas em 1989 no livro “Nohow on”, as três últimas novelas curtas de Samuel Beckett (1906-1989) são fiéis às suas obras iniciais. “Companhia” (1980), “Mal visto mal dito” (1982) e “Para o pior avante” (1984) revelam um ponto de vista chamado de absurdo por Martin Esslin, porque parte de um lugar alternativo à toda lógica (ou falta de) do mundo expresso pelo teatro realista. A “dificuldade” dos textos de Beckett, de um modo geral, está no fato de que não são seus personagens que criticam essa “lógica”, pois eles são vítimas desse sistema, arrasados por ele, submersos. Por outro lado, o leitor tem diante de si a visão geral que os personagens não têm e pode, por isso, reconhecer as falhas do mundo e defender uma nova ideia.

Em “Tríptico Samuel Beckett”, Paula Spinelli, Juliana Galdino e Nathalia Timberg interpretam personagens que têm consciência o suficiente para serem protagonistas e sujeitos de suas condições negativamente. Talvez por isso, a montagem dirigida por Roberto Alvim seja tão chata. O jogo da peça com o público é manifestadamente o de esconde-esconde, em que o leitor vai “pescando”, na medida do possível, as partes do quebra-cabeça com o objetivo de ter, ao final, o mesmo retrato do mundo que as personagens desde o início têm. Ou seja, ao invés de defender as figuras, se emocionar com elas e sustentar uma posição privilegiada, à plateia cabe apenas um certo tipo de admiração tal como no (mal) teatro realista tão odiado pelo dramaturgo.

A alta carga imagética das palavras do texto, os diversos sons na entonação das falas e a não-linearidade do discurso deixam de ser chagas dos personagens em uma situação desoladora (a mesma possível de ser encontrada em um mundo em que trabalhadores passam fome, vagabundos tomam sucos de laranja por R$20, políticos corruptos vencem eleições e pessoas honestas não se interessam por política) e se tornam, nessa encenação, uma mera galeria de possibilidades em bons intérpretes. Em outras palavras, “Tríptico Samuel Beckett” oferece a certeza de que Galdino, Spinelli e Timberg são boas atrizes e podem construir bons trabalhos, mas não conta bem uma história e nem disserta bem sobre um tema. A exposição das três fases da vida, a menina de saia plissada, a mulher madura de abrigo e a senhora de cabelos brancos, conta uma historinha linear com início, meio e fim pobremente. No original, a justaposição dos três momentos diferentes evidencia que o absurdo do mundo, na opinião de Beckett, não é um fato isolado, mas uma conclusão mais ampla e terrível.

“Tríptico Samuel Beckett” tem gosto amargo porque parece nos chamar de burros uma vez que é muito difícil manter a atenção na cena, apesar de Samuel Beckett, de Roberto Alvim e de Nathalia Timberg. Nós não somos burros, tampouco Beckett, Alvim ou Timberg são mal intencionados. O espetáculo é que não é bom. 

*

Ficha técnica
Texto: Samuel Beckett
Direção, Tradução e Adaptação: Roberto Alvim
Elenco: Nathalia Timberg, Juliana Galdino e Paula Spinelli
Trilha Sonora Original: L.P. Daniel
Cenografia e Iluminação: Roberto Alvim
Figurinos: Juliana Galdino
Visagismo: Alex (Salão Pierà)
Assistente de Direção: Ricardo Grasson
Cenotécnica: Juliana Fernandes
Técnico de Palco: José Renato Forner
Operador de Luz: Jota Michilis
Operador de Som: Don Correa
Direção de Produção: Maria Betania Oliveira e Ricardo Grasson
Produção Executiva: Martina Gallarza

2 comentários:

  1. Impressionante Rodrigo, fui ver a peça em BH, no último final de semana, procurando um ambiente no qual pudesse, por algumas horas, falar de outra coisa que não de eleição (não que o tema eleição tenha me fatigado, nada disso, muito antes ao contrário...). Achei a peça horrível e fiquei pensando "putz, não entendi nada". Não fui sozinha, éramos seis e ninguém entendeu absolutamente nada, apesar do esforço para ouvir e fazer os links necessários. E, no final, para nossa surpresa como espectadores, ainda levamos uma refrega da Nathália, que, muito irritada, reclamou da platéia dizendo que mais parecíamos um monte de pirilampos, em referência aos flashes de câmeras e celulares que ela lembrou, são proibidos em espetáculos. Não vimos isso acontecer durante no teatro, apenas a ação de um fotógrafo profissional que havia se posicionado em local, inclusive, reservado para isso. Pensamos: como o palco é bem sombrio, com luz focada, talvez a percepção dela seja outra, dada a perspectiva. Mas, mais incômodo dos que os flashes, nos pareceu o fato de que várias pessoas saíram mais cedo, no meio do espetáculo, e os aplausos também não foram efusivos. Talvez ela já estivesse incomodada com a crítica e BH tenha sido só a gota d'água e, como ela não poderia queixar-se do fato de as pessoas saírem mais cedo ou não aplaudiremo o trabalho que, sem dúvida, pode ter sido bastante exaustivo e apaixonado, reclamou de outra coisa. Não sei. Fomos atrás dos tais textos do Samuel Beckett, ou outros, que nos ajudassem a entender o espetáculo e avaliar a nossa "burrice", como você diz, e encontramos a sua crítica. Gostei muito. Grande abraço - marilisouza@ig.com.br

    ResponderExcluir
  2. Rodrigo, o primeiro texto está com vários erros, desculpe-me. fiz algumas correções. Por favor, se for publicar (não precisa, inclusive, só queria que você soubesse que em BH o espetáculo fui ruim também), considere este. ok? Abraço.

    Impressionante Rodrigo, fui ver a peça em BH, no último final de semana, procurando um ambiente no qual pudesse, por algumas horas, falar de outra coisa que não de eleição (não que o tema eleição tenha me fatigado, nada disso, muito antes o contrário...). Achei a peça horrível e fiquei pensando "putz, não entendi nada". Não fui sozinha, éramos seis e ninguém entendeu absolutamente nada, apesar do esforço para ouvir e fazer os links necessários. E, no final, para nossa surpresa como espectadores, ainda levamos uma refrega da Nathália, que, muito irritada, reclamou da platéia dizendo que mais parecíamos um monte de pirilampos, em referência aos flashes de câmeras e celulares que ela bem lembrou, são proibidos em espetáculos. Não vimos isso acontecer no teatro, apenas a ação de um fotógrafo profissional que havia se posicionado em local, inclusive, reservado para isso. Pensamos: como o palco é bem sombrio, com luz focada, talvez a percepção dela tenha sido outra, dada a perspectiva. Mas, mais incômodo do que os flashes, nos pareceu o fato de várias pessoas terem saído mais cedo, no meio do espetáculo, além de os aplausos não terem sido efusivos. Talvez ela já estivesse incomodada com a crítica e BH tenha sido só a gota d'água e, como ela não poderia queixar-se do fato de as pessoas saírem mais cedo ou não aplaudiremo o trabalho que, sem dúvida, pode ter sido bastante exaustivo e apaixonado, reclamou de outra coisa. Não sei. Fomos atrás dos tais textos do Samuel Beckett, ou outros, que nos ajudassem a entender o espetáculo e avaliar a nossa "burrice", como você diz, e encontramos a sua crítica. Gostei muito. Grande abraço - marilisouza@ig.com.br

    ResponderExcluir

Bem-vindo!