terça-feira, 21 de outubro de 2014

Depois do ensaio (RJ)

Foto: divulgação
Sophia Reis, Leopoldo Pacheco e Denise Weinberg em cena


Mais Strindberg do que Bergman

Dirigida por Mônica Guimarães, a versão de “Depois do ensaio”, em cartaz no teatro Oi Futuro, no Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro, deixa de ser melhor porque sua referência é mais o realista Strindberg do que Ingmar Bergman (1918-2007). Escrita originalmente por Bergman, a história parte de um diálogo entre o personagem-diretor Henrik Vogler, que está levantando uma montagem de “O sonho”, do sueco August Strindberg (1849-1912), com a personagem-atriz Anna. Na pauta, uma reflexão sobre o teatro feita por duas gerações diferentes. “Depois do ensaio” estreou participando da programação da quinta edição do Tempo_festival, evento coordenado por Bia Junqueira, César Augusto e por Márcia Dias, mas segue em cartaz até o fim de novembro.

As dramaturgias de “O sonho”, escrita em 1901 por August Strindberg, e de “Depois do ensaio”, em 1980, por Ingmar Bergman, são bastante diferentes. A primeira representa uma quebra de paradigma para o seu autor. O célebre realismo naturalismo strindberguiano, que tornou famoso o autor de “Senhorita Júlia” e “Os Credores”, virou expressionismo, em “O sonho”, na medida em que toda a situação dramática é a expressão das emoções da protagonista Inês, filha da deusa Indra. Já em “Depois do ensaio”, o surrealismo de Bergman, dos filmes “O ovo da serpente” ou “O sétimo selo”, se confirma, pois não sabemos qual o limite do sonho e da realidade ou qual (ou quais) personagem(s) está(ão) consciente(s) e quem está sonhando.

A partir de “O sonho”, de Strindberg, Bergman chama a atenção para o fato de que a lógica de causa e de efeito pode até funcionar bem nos planos, mas, assim como não acontece nos sonhos, também não acontece na vida real. Na abertura da peça, o diretor Henrik Vogler (Leopoldo Pacheco) almeja tirar um cochilo no palco depois de uma tarde de ensaio. Entra Anna (Sophia Reis) e, a partir daí, o espectador não tem mais como saber se Henrik conseguiu dormir e se o diálogo com Anna faz parte de seus sonhos, ou se ela realmente entrou. Em seguida, surge Rakel (Denise Weinberg), a princípio já falecida, que participou da montagem do mesmo texto no papel agora da filha, em montagem anterior dirigida por Vogler. O devaneio, o sonho, a fantasia, principalmente na cena final, dominam a narrativa, cujo diálogo final nos convoca a refletir sobre o quanto “ensaiamos” a vida muito mais do que a vivemos. Nesse sentido, “Depois de ensaio” não é uma peça apenas para pessoas de teatro, porque seus personagens são pessoas de teatro, mas uma obra a respeito da vida real versus as expectativas criadas.

De um modo geral, nenhuma construção de personagem realmente aproveita a potencialidade do texto, o que denota uma concepção problemática da direção de Mônica Guimarães. Nessa versão de “Depois do ensaio”, todas as três figuras exibem equivocadamente altas doses de consciência, até mesmo Rakel (Denise Weinberg), que é paciente de um tipo de tratamento psicológico. Seus espasmos de loucura não são suficientes para criar o surrealismo, mas negativamente mantêm o realismo na narrativa. Bastante racionais, como talvez só Inês de Strindberg possa ser, os personagens Vogler, Anna e Rakel discutem a relação ao longo dos 80 minutos cansativamente.

Leopoldo Pacheco (Henrik Vogler) e Denise Weinberg (Rakel) dizem bem o texto, se movimentam pelo palco com força, manipulam as palavras com habilidade. No entanto, embora as frases revelem detalhes de suas relações, o todo parece inalterado, terminando a narrativa com as mesmas certezas tidas no princípio. Ao final, a dramaturgia deixa ver outro motivo para a entrada de Anna em cena além da desculpa inicial, mas essa informação não recebe novas cores na interpretação de Sophia Reis que deixa muito a desejar.

O cenário de Marco Lima informa o espectador sobre a peça e sobre o cenário da peça dentro da peça, sendo elegante e pouco ostensivo positivamente. A música original de Marcelo Pelegrini e a belíssima contribuição da iluminação age bem nesse sentido igualmente, criando profundidade para o momento e para os personagens. É uma pena que esses tenham sido os melhores elementos da composição desse quadro.
 

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Ficha Técnica
Direção: Mônica Guimarães
Elenco: Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco e Sophia Reis
Tradução: Amir Labaki e Humberto Saccomandi
Música Original: Marcelo Pelegrini
Cenário: Marco Lima
Iluminação: Wagner Freire
Assistente de direção/produção: Pitxo Falconi
Produção RJ – Cláudio Rangel
Produtores Associados: Amir Labaki e Mônica Guimarães
Realização: Oi Futuro

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