sábado, 18 de outubro de 2014

O que você vai ver (RJ)

Foto: divulgação
O palco da peça dirigida por Inez Viana


Quando o teatro experimental alcança o coração do grande público

“O que você vai ver” é o melhor espetáculo com texto assinado por Rodrigo Nogueira, o grande nome do teatro experimental carioca mais recente. Dirigida por Inez Viana, a peça é livremente inspirada no texto “Todos os que caem”, do irlandês Samuel Beckett (1906-1989). No destaque dessa produção, que conta com César Augusto, Fabrício Augusto, Fabricio Belzoff, Nanda Félix, Joana Lerner, Marcelo Valle, Michel Blois e com o próprio Nogueira no elenco, está o fato de que os atores não aparecem em cena, mas apenas se ouvem suas vozes. Em todos os sentidos, é excelente!

A peça radiofônica “All that fall”, escrita em 1956 sob encomenda da BBC, é a primeira incursão do dramaturgo direto em língua inglesa. No Brasil, a última montagem do texto no teatro foi uma belíssima produção assinada pelo gaúcho radicado em Paris Biño Sauitzvy em 2002. A raridade de sua montagem é por causa das dificuldades que o próprio autor criava (e seus descendentes criam) para a adaptação de uma peça sua de rádio para teatro. Segundo Beckett, esses personagens só fazem sentido “emergindo da escuridão”. Ao convidar o público carioca para assistir a teatro, mas apresentar apenas as vozes dos atores, Rodrigo Nogueira deixa esses personagens na escuridão, apesar de, mesmo assim, dar-lhes luz.

O aspecto experimental da produção está no modo como a discussão sobre o teatro se articula plenamente com a narrativa. O texto assinado por Rodrigo Nogueira, assim como o de Beckett, experimenta as possibilidades do conceito identitário da arte cênica segundo o qual só há teatro quando há A interpretando B diante de C. “O que você vai ver” se torna teatro, dentro dessa tese, em uma cena de sua primeira parte em que as vozes ouvidas se referem ao público em particular. Nesse momento, o espectador toma consciência de que não está ouvindo uma gravação, mas que, de fato, os intérpretes estão ali o observando ainda que escondidos. Porém, o melhor da produção não é esse aspecto formal de sua narrativa, mas o seu profícuo entrosamento com o tema. Ao quê se assiste tem tudo a ver com o sobre ao quê assiste.

“O que você vai ouvir” fala sobre a importância da vida a partir da ausência. Na história, um grupo de pessoas está em uma estação esperando pelo trem que demora para vir. Então, descobre-se que o atraso é porque alguém caiu nos trilhos e morreu. A relação entre o atraso do transporte coletivo e as consequências na rotina de cada um atropela o fato da morte de um semelhante. Uma vez que quem gosta de ver teatro gosta, antes de tudo, de ver gente, e está aí a sua maior beleza, a opção formal de não colocar atores no palco é deixar o público sozinho. No conteúdo, por outro lado, tratar da  morte de alguém como, no máximo, uma questão de agenda é fazer um convite claro à discussão acerca da vida.

A direção de Inez Viana, mais uma vez, vai para além do trabalho de dramaturgia, elevando o trabalho individual do elenco. Cada personagem atua em dois níveis: no primeiro, há a história contada por Beckett. No segundo, a manifesta interrogação sobre a situação da ausência dos atores em cena proposta pelos diálogos originalmente escritos por Nogueira. Nesse sentido, os ritmos e as variadas tonalidades de cada voz ao compor e ao manifestar os personagens narram excelentemente bem, vencendo o desafio de construir bases sólidas o suficiente para a trama e a proposta serem compreendidas. Por outro lado, o movimento de entrada e de saída das cadeiras, o preenchimento do palco pelas coxias e pela rotunda e o colorido narrativo da iluminação resultam em um todo quase tão palpável quanto o melhor teatro convencional pode oferecer.

“O que você vai ver” é um símbolo do quanto o elemento sonoro tem recebido vital investimento nas produções teatrais contemporâneas. No caso dessa produção, Marcelo Alonso Neves, ao assinar o desenho de som e a trilha sonora, pontua sua importância definitiva como responsável junto da dramaturgia e da direção pelos muitos méritos desse trabalho em cada um dos seus muitos detalhes bem cuidados.

Ressaltados seus valores enquanto investigador teatral, Rodrigo Nogueira deve receber, junto aos demais responsáveis por “O que você vai ver”, os aplausos justos. Obrigado!

*

FICHA TÉCNICA
Companhia Provisória: Cia dos Atores e Pequena Orquestra
Texto: Rodrigo Nogueira
Criação Dramatúrgica: Pequena Orquestra e Inez Viana livremente inspirado na obra All that fall, de Samuel Beckett (“Todos que caem”, tradução de Fátima Saadi)
Direção: Inez Viana
Elenco: Cesar Augusto, Fabricio Belsoff, Nanda Félix, Joana Lerner, Marcelo Valle, Michel Blois e Rodrigo Nogueira
Cenografia: Rebecca Belsoff
Sound Designer: Marcelo Alonso Neves
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Arte Gráfica: Rafael Medeiros
Mídias Sociais: Marina Murta
Fotos: Carlos Cabéra
Produção: Ordinárias Produções Artísticas Ltda e Nome da Firma Produção e Comunicação Ltda
Coordenação de Projeto e Direção de Produção: Fabricio Belsoff e Michel Blois
Produção Executiva: Natasha Corbelino
Idealização: Fabricio Belsoff, Michel Blois e Rodrigo Nogueira
Parceria: Copiadora Ipanema
Agradecimentos: Isabel Sangirardi, Equipe do Teatro Ipanema, Equipe da Residência Artística No Lugar, Fátima Saadi, Rubens Rusche, Léa Viveiros, Diana Herzog, Patrick Sampaio, Rossini Viana Jr, Ana Paula Monteiro, Pedro Henrique Monteiro, Adriano Guimarães, Fernando Guimarães, Marcelo Olinto, Bel Garcia e Gabriela Dottori
Apoio: Ministério da Cultura e da Fundação Nacional de Artes

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