sábado, 11 de outubro de 2014

Timon de Atenas (RJ)

Foto: divulgação
Vera Holtz é Timon de Atenas


Vera Holtz no aniversário de Shakespeare

“Timon de Atenas” não é uma das peças mais conhecidas de William Shakespeare, mas é muito interessante sob vários pontos de vista. A montagem, no entanto, que estrou ontem no Teatro Maison de France, assinada por Bruce Gomlevsky, nem de longe é um dos seus melhores trabalhos como diretor infelizmente. Traduzido por Bárbara Heliodora, a partir de adaptação de Nicholas Hytner e de Ben Power, do National Theatre de Londres, o espetáculo vale a pena pela magistral interpretação de Vera Holtz no papel título, com ótima participação de Alice Borges. A produção integra os 450 anos do nascimento do mais importante dramaturgo inglês, um dos maiores da literatura universal.

A princípio escrita por Shakespeare (1564-1616) aproximadamente em 1607, a história aparece em “Vida de Marco Antônio”, do historiador grego Plutarco (46-120 d.C.), e em “Palácio do Prazer”, escrito, em 1566, pelo contista inglês William Paynter (1540-1595). Entre as obras de Luciano de Samósata (125-180 a. C.), consta o diálogo “Timon ou o misantropo”, citando o personagem que já havia aparecido na peça "Lisístrata", de Aristófanes, lançada em 411 a. C., que teria vivido realmente entre 431 e 404 a.C. Quanto à versão do bardo, ao ouvir a história de Timon de Atenas, a plateia tem, diante de si, o retrato de uma sociedade corrosiva (e corrompida) da qual todos fazemos parte e pela qual somos responsáveis. Extremamente generoso e com grande bondade, Timon (Vera Holtz) é um cidadão respeitável de Atenas que não mede esforços em agradar seus amigos, dissipando sua fortuna em presentes, agrados e em ajudas. O elemento trágico está no fato de que todos sabemos o que acontecerá, o destino irrevogável do protagonista: sua fortuna findará, ele procurará os amigos, mas não receberá nem mesmo parte da ajuda que, quando pode, ofereceu gratuitamente. “Timon de Atenas”, um “Avarento” ao contrário, expõe o egoísmo como uma face terrível da corrupção humana. Além disso, como se não bastasse, o brilhantismo do narrativa vai além. De um lado, Shakespeare expõe a proximidade entre pobres e ricos, separados não pelos valores, mas pelo tamanho da fortuna. De outro, no diálogo com o filósofo Apemantus (Tonico Pereira), se tematizam os pontos de referência para sentir e para se reagir ao mundo: porque sempre conviveu com a fartura, a pobreza derruba Timon com força brutal.

A montagem produzida por Susan Mace, da Cultural Embassy Brasil, infelizmente estreia com um ritmo lento na direção de Bruce Gomlevsky e com trabalhos de interpretação pouco relevantes. Tonico Pereira repete (bem) o mesmo personagem de quase sempre, enquanto Iano Salomão (Alcebíades), Jaime Leibovitch (Isidoro) e Paulo Giardini (Lucullus) pouco oferecem aos seus personagens. Por outro lado, é vibrante encontrar Alice Borges completamente afastada da comédia que orgulhosamente preenche o seu currículo, mas também presente, viva e inteligente nas cenas dramáticas de que participam sua criada Flávia, talvez uma das personagens mais próximas do protagonista Timon.

Vera Holtz, ao lado do texto, é o que há de melhor nessa montagem em cartaz. Sua interpretação tem a graça, a jovialidade e a leveza nos quadros iniciais prontas para contrastar com a amargura, a decepção e com a loucura das cenas finais. Além disso, a intérprete fala as palavras com muita clareza, com intenções precisas, pausas justas e colorido enriquecedor. O personagem de Timon, nessa versão, tem ainda, para Holtz, outros dois desafios plenamente vencidos. O primeiro é que Timon é um homem e, no texto, há certa confusão com o uso das palavras no masculino e no feminino. Felizmente, nada disso parece atrapalhar Holtz que dribla fluentemente esses entraves aparentes. Depois, Gomlevsky definiu com mais força do que na adaptação de Hynter e de Power o local das cenas finais: o lixão de Atenas. O feito imediatamente remete Vera Holtz ao personagem de Mãe Lucinda, recentemente interpretado pela atriz na novela “Avenida Brasil”. De novo, o desafio é ultrapassado com coragem, elegância e com presteza. Excelente!

Sobre os demais elementos, há mérito na trilha sonora original vigorosa de Marcelo Alonso Neves (com preparação vocal de Letícia Carvalho) e na iluminação de Elisa Tandeta que celebra parte do estilo do século de ouro. Hélio Eichbauer acerta em manter as versões de El Greco de “A expulsão dos vendilhões do templo”, assim como o primeiro figurino de Rito Murtinho para Timon de Holtz tenha marcas de coerência com a proposta da adaptação.

Entre as reflexões mais célebres acerca de “Timon de Atenas”, está aquela que discute sobre a importância de aprender com os erros, porque, enquanto estava falido, o destino providenciou, na peça, uma nova chance para o protagonista se reerguer. Uma das conclusões possíveis é a de que Timon preferiu permanecer fiel aos seus princípios apesar de todas as adversidades. Ao leitor, fica o convite para a continuação desse debate. Ele é rico!


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FICHA TÉCNICA
Concepção e Adaptação: Nicholas Hytner e Ben Power
Tradução do Original de William Shakespeare e Revisão: Barbara Heliodora
Adaptação da Tradução: Susan Mace e Izabel dos Reis Velloso
Direção: Bruce Gomlevsky

ELENCO: 20 atores fazem 27 personagens
Timon de Atenas: Vera Holtz
Apemantus (filósofo cínico): Tonico Pereira
Flávia (assistente de Timon): Alice Borges
Alcebíades (líder da revolta) /Ator: Iano Salomão
Poeta: Marcelo Morato
Sempronia (senadora): Lorena da Silva
Lucullus (senador): Paulo Giardini
Isidoro (senador): Jaime Leibovitch
Caphis (cobrador / ladrão): Braulio Giordano
Pintora: Giovanna de Toni
Flaminia / Timandra: Alice Steinbruck
Joalheira / Phyrnia: Juliana Bebé
Ventidius (jovem senador): Tatsu Carvalho
Varro (senador): Lourinelson Vladmir
Lepidus (senador): Charles Asevedo
Philotus (criado): Junior Prata
Titus (cobrador / ladrão): Betto Marque
Hortencius (cobrador / ladrão): Luiz Felipe Lucas
Servilius (criado / coro): André Rosa
Hostilius (cobrador / coro): Henrique Gotardo

Coro: André Rosa (também Servilius), Henrique Gottardo (também Hostilius), Isabella Mariotti, Joanna Marins, Joana Poppe (também dançarina), Lorena Sá Ribeiro, Mariah Viamonte, (também dançarina), Paola Castilho (também fotógrafa).


Cenografia: Helio Eichbauer
Assistente de Cenografia: Joana Passi de Moraes
Figurinista: Rita Murtinho
Assistente de Figurino: Tatiana Rodrigues
Iluminação e Assistência de Direção: Elisa Tandeta
Direção Musical e Música Original: Marcelo Alonso Neves
Direção de Movimento: Marina Salomon
Preparação Vocal: Letícia Carvalho
Vídeo Designer: Laís Rodrigues
Vídeo Editor: Ana Paula Carvalho
Fotos: Dalton Valerio
Design Gráfico e Comunicação Digital: Guilherme Mace Altmayer
Direção de Produção: Studio Ziss e Susan Mace
Produção Executiva e Coordenação de Produção: Elisa Padilha e Renata Gebara
Produção Executiva – Coordenação de Parceria Cultural: Rafael Fleury
Assistente de Produção: Ana Cristina Simon Rosa e Cammila Rodrigues
Realização: Cultural Embassy Brasil Editora e Produtora Ltda
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

Um comentário:

  1. Assisti em 24/1/2014 e fiquei maravilhada com o espetáculo! Vera Holtz interpreta magnificamente TIMON, independente se ser uma atriz, ela se despe da sua condição de mulher e vive o mecenas TIMON, com maestria!

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