terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Um de nós (RJ)

Foto: divulgação

Zé Wendell, Lucas Oradovschi, Pedro Monteiro, Jorge Neves e Gabriela Estevão

Teatro e judô permanecem distantes

O melhor de “Um de nós” é a direção de Joana Lebreiro que, mais uma vez, oferece, à programação de teatro carioca, seu olhar sensível e criativo como encenadora. No geral, o resultado da peça não é bom, ainda que haja algumas boas contribuições no cenário de Natalia Lana e no trabalho de interpretação do elenco, principalmente o de Zé Wendell. Vale destacar positivamente a preciosa trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, outro artista especial entre os grandes nomes do Rio de Janeiro. Idealizada por Pedro Monteiro, a peça está em cartaz no Teatro Maria Clara Machado, no Planetário da Gávea, com o mérito de tentar aproximar o judô das artes cênicas.


A dramaturgia do espetáculo, escrita por Pedro Monteiro, Joana Lebreiro e por Marcus Galiña, apresenta dois problemas mais graves. Na história, um homem (Monteiro) assiste à TV durante a madrugada. Em um programa qualquer, conhece Arash (também interpretado por Pedro Monteiro), um lutador de judô iraniano que passa mal antes de entrar no tatame dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Ele representaria a Guatemala, buscando uma classificação para os Jogos Olímpicos de Pequim. Não é, no entanto, o fato de um iraniano poder representar a Guatemala que chama a atenção do personagem insone, mas a história por trás dessa derrota na carreira de Arash. Voltando no tempo, a dramaturgia narra como o judô entrou na vida de Arash e no como ele ficou impossibilitado de disputar as Olimpíadas de 1980 (Moscou) e todas as outras até 2004 (Atenas). O primeiro problema de “Um de nós” está na quebra da matemática realista. O espectador faz as contas e sabe que um lutador de judô capaz de representar seu país em 1980 não terá 39 anos em 2007. E, enquanto se perde em pensamentos testando seu raciocínio, se perde também na narrativa. A segunda questão diz respeito à relevância da história. As derrotas de Arash na programação noturna na televisão entretêm um homem insone que não tem nome, nem identidade na narrativa de forma que não há por onde o público experimentar o espetáculo mais sensivelmente. No quê essa história é relevante para esse homem-narrador?

Joana Lebreiro, que assinou recentemente a direção de belos espetáculos como “Meu caro amigo”, “Coisas que a gente não vê” e “Jumbo”, desenha bem o desenrolar das cenas no palco do Teatro Maria Clara Machado. Além de quadros repletos de complexidade e de beleza, a peça tem ótima articulação de cenas que se apresentam em ótimo ritmo. “Um de nós” tem ainda evolução positiva pela beleza da composição de Marcelo Alonso Neves e pela direção de movimento de Nathália Mello. 

Ainda que haja maior destaque positivo na interpretação de Zé Wendell, pela forma como o intérprete esconde as marcas e aproxima o público do jogo teatral, há bom resultado no trabalho de Jorge Neves também pelo jeito como esse ator usa o recurso vocal e expressa suas intenções. Enrijecidas, as interpretações de Lucas Oradovschi e de Gabriela Estevão limitam-se ao mínimo narrativo enquanto a de Pedro Monteiro deixa a desejar pela gestualidade pouco mobilizável, pela dicção problemática e pela inexpressão facial.

Natalia Lana tem elogiável contribuição pela forma cuidadosa com que o cenário se apresenta ao público. O chão emborrachado tem laterais em corte reto, fazendo boa dupla com os quimonos pendurados à rotunda. No centro, a imagem do Mestre Jigoro Kano (1860-1938) faz bonita composição em quadro cênico iluminado de forma pontual por Daniela Sanchez.

Ao apresentar a história do lutador de judô Arash contada por um personagem sem face, “Um de nós” perde a oportunidade de estabelecer uma ponte mais firme que relacione o esporte ao teatro. Ainda que sejam reconhecidos os méritos artísticos da montagem, incluindo suas potencialidades, a percepção final é a de que os interessados continuarão interessados, mas os não iniciados permanecerão como estão. Uma pena!

*

FICHA TÉCNICA:
Uma história de Pedro Monteio
Texto: Marcus Galiña, Joana Lebreiro e Pedro Monteiro
Direção: Joana Lebreiro
Elenco: Gabriela Estevão, Jorge Neves, Lucas Oradovschi, Pedro Monteiro e Zé Wendell
Direção de Movimento: Nathália Mello
Diretora assistente: Brunna Napoleão
Música original e Direção musical: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Daniela Sanchez
Figurino: Roberta Pozzato
Cenário: Natalia Lana
Design gráfico: Lívia Paupério
Produção: Marcella Tobelem e SP2 Brazil
Realização: Pedro Monteiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bem-vindo!