quarta-feira, 15 de abril de 2015

Consertam-se imóveis (RJ)

Alonso Zerbinato, Raquel Alvarenga, Jarbas Albuquerque e Susana Nascimento

Foto: Guga Millet

Bonito espetáculo a partir de conto de Julio Cortázar 
O espetáculo “Consertam-se imóveis” é a versão de Keli Freitas para o conto “A saúde dos doentes” do escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984). Dirigida por Cynthia Reis, a peça conta mal uma história interessante. No enredo, a Tia (Raquel Alvarenga, com destaque), o Tio (Alonso Zerbinato), o Filho (Jarbas Albuquerque) e a Filha (Suzana Nascimento) não contam à Mãe que um de seus filhos recentemente faleceu. Por causa disso, envolvem-se dia após dia na manutenção das mentiras que visam proteger a personagem da dor enquanto eles mesmos adiam o próprio luto. Essa situação e o desenvolver dela, no entanto, demoram muito para serem de fato apresentadas e para se modificar. Contudo, em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana, eis aqui um espetáculo bonito pelos altos investimentos estéticos principalmente na ordem do cenário de Lorena Lima.

“A saúde dos doentes” é um conto publicado na obra “Todos os fogos o fogo”, de Julio Cortázar, em 1966. A história começa com a trágica morte do jovem Alejandro em um acidente de carro. O fato resulta no início de uma farsa da família para disfarçar o acontecimento para a Mãe adoentada. Com a ajuda de uma Tia e do Médico, eles escrevem cartas como se fossem o falecido, devolvendo as respostas ditadas pela Mãe enganada. A narrativa evolui com mais duas mortes, o que implica no aumento do tamanho do “teatro” inventado pelos familiares em lugar de sua resolução. O ponto alto da história é quando a Filha se surpreende imaginando como avisar para o Filho morto que a Mãe de ambos morreu.

Infelizmente, não se vê, nessa versão assinada por Keli Freitas, a profundidade desse contexto que a literatura oferece. Mortos e vivos, no conto, os personagens são resultados de signos verbais nas páginas impressas. No teatro, a presença e a ausência de um ator que dê vida a um personagem têm outro resultado na construção do sentido da obra como um todo. Se lá, a situação inicial é rapidamente percebida e a ação (mesmo que introspectiva) imediatamente começa, aqui a dramaturgia infelizmente impõe mais desafios para o público alcançar as bases sólidas primeiro para só então ver a história se desenvolver. Além disso, a personagem da Tia (Raquel Oliveira) teve maior privilégio do texto quanto à construção dos excelentes diálogos de forma que o acesso da plateia aos demais personagens ficou desfavorecido. Protagonista no conto, a Filha (Suzana Nascimento) aqui recebeu menos importância.

O sotaque mineiro carregado na fala da Tia (Raquel Alvarenga) e o tom bucólico nas escolhas estéticas que se veem na direção de movimento e de arte aproximam positivamente “Consertam-se imóveis” do público. As andanças do cenário pelo palco, no entanto, não têm justificativas realmente claras, bem como o que se vê no figurino assinado por Bruno Perlatto ou na presença de Federico Luppi, diretor musical que interpreta ao vivo as belas canções, em cena. A justaposição de objetos de matrizes, cores e de texturas bastante distintos no cenário de Lorena Lima tenta valorosamente produzir uma metáfora para essa casa. Nesse espaço, gerações diferentes de membros de uma mesma família convivem sem que tenham claros os limites individual e familiar de suas vidas. Bonito.

Raquel Alvarenga (Tia) tem destacável trabalho de interpretação, embora sejam notáveis as tentativas de Susana Ribeiro (Filha) em exibir maior profundidade na personagem da Filha. No entanto, de um modo geral, apesar dos personagens estarem durante quase toda a narrativa acompanhados, são raros os momentos em que a contracena parece ter tido algum peso relevante nas participações individuais.

O carisma da personagem da Tia e a beleza da direção de arte garantem ao público de “Consertam-se imóveis” um bom momento de fruição estética. Mas não muito além disso.

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FICHA TECNICA
Idealização e direção: Cynthia Reis
Texto: Keli Freitas
Elenco: Alonso Zerbinato, Jarbas Albuquerque, Raquel Alvarenga, Suzana Nascimento
Cenário e produção de arte: Lorena Lima
Figurino: Bruno Perlatto
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Composição e direção musical: Federico Puppi
Orientação filosófica: Alexandre Mendonça
Fotografia: Guga Millet
Projeto gráfico: Raquel Alvarenga
Assessoria de imprensa: Minas de Ideias
Direção de produção: Aline Mohamad
Realização: Cynthia Reis e Tucana e Produções

Um comentário:

  1. Nossa.... suas resenhas são perfeitas! Você traduziu em palavras, tudo o que senti assistindo a esse espetáculo !

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